domingo, 20 de novembro de 2022

Vejo "gorilas" (*) de farda pulando nos galhos de Brasília

 

Charge de Jaguar, junho de 1963. Reprodução Acervo Última Hora


por José Esmeraldo Gonçalves

Jaguar publicou essa charge em 1963 no jornal Última Hora. Naquele ano, uma conspiração golpista estava em andamento no Brasil. 

As forças que atacavam a democracia tinham apoiadores e motivação muito semelhantes às intenções  dos grupos que hoje pedem a intervenção militar para impedir a posse de Lula. 

Os fazendeiros e latifundiários - não se usava o termo agronegócio - clamavam contra a reforma agrária, as Forças Armadas atendiam aos interesses dos Estados Unidos que, em plena Guerra Fria, não queriam um regime de esquerda na América do Sul. Jango estava longe de ser um Fidel Castro, mas isso não importava, eles queriam o poder. O embaixador norte-americano Lincoln Gordon, como documentos revelaram décadas depois, era o pivô do golpe, reunia-se com militares e políticos golpistas com a mesma frequência com que  abria a carteira de dólares. 

Os evangélicos não eram tão atuantes, o neopentecostalismo ainda não era viral, cabia aos católicos puxarem o arrastão na Av. Paulista e na Av. Rio Branco contra o "comunismo" e os representantes do diabo que ameaçavam as famílias. As senhoras católicas não faziam motociatas, mas, a pé, marchavam com Deus e a Família pela Liberdade ameaçada pelo "comunismo". 

Organizações como Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e Ipes (Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais) utilizavam o dinheiro enviado por Washington e os montantes arrecadados com empresários e "patriotas" para recrutar jornalistas, escritores, editoras, meios de comunicação e formadores de opinião em geral. A frota de caminhões no Brasil era composta de velhos GMC e Ford. O modelo mais novo era o Fenemê. As estradas eram ruins, muita vezes as "barreiras"eram naturalmente  formadas por atoleiros nada ideológicos.  A camisa da seleção da CBD era só isso: camisa da seleção.

O neoliberalismo ainda não era prática de governo e o "mercado" financeiro não transitava nos centros de poder com a desenvoltura atual, mas os líderes das "classes produtivas" também abriam os cofres para patrocinar o golpe.  

A resistência democrática usava o termo "gorila" para definir os generais golpistas.  Essa expressão ficou no passado. O papel que aqueles militares exerciam, não. Vários deles conspiram a céu aberto e pulam em galhos obscuros hoje em Brasília. 

Não sei se admiro a percepção do grande Jaguar e a permanência da sua charge, como se fosse hoje, ou se lamento o Brasil, que de tempos em tempos dá um redial para o passado,  abre a tampa da máquina criogênica e descongela os "gorilas" de farda.

(*) O termo "gorila" como apelido de  generais golpistas e ditadores militares teria surgido nos grupos de esquerda da América do Sul. Gorila, o animal, teria duas características: brutalidade e burrice. Daí...


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