sábado, 13 de junho de 2020

Memória da redação - A epidemia que a ditadura tornou invisível

Revista Manchete, 1972/Reprodução BN
Só imagine: a Covid-19 chega ao Brasil e o governo ordena à mídia silêncio total sobre o avanço da epidemia.

Algo semelhante aconteceu aqui entre 1971 e 1974, em plena ditadura de Garrastazú Médici. Nada de coletivas das autoridades de saúde, nem pensar em divulgar gráficos com os números dos estados e muito menos os cuidados que a população deveria adotar. O governo determinou que a epidemia de meningite era invisível.

Bolsonaro e os militares atualmente aquartelados no Ministério da Saúde bem que tentaram "administrar" os números da atual Covid-19 e segurar o coronavírus pelos coturnos para mostrar ao mundo que a tragédia brasileira é "criação da imprensa".

No começo dos anos 1970, com o poder de censura na mão, Médici conseguiu esconder a fragilidade do sistema de saúde, calar a mídia e fazer com que as vítimas morressem em silêncio. Em 1972, registrou-se, em certo momento, cerca de dois mortos por dia. Mas os números jamais foram consolidados de maneira confiável. Sabe-se que em 1974 havia quase 70 mil casos conhecidos no país, descontada a subnotificação.  A "lei da mordaça" contra a meningite só foi aliviada em 1975, já no governo Geisel, que ensaiava a distensão política e quando não dava mais para esconder o drama. Epidemiologistas foram convocados, formou-se a Comissão Nacional de Controle da Meningite. No ano seguinte, houve uma vacinação em massa.

A política do governo militar para esconder doença não era inédita. O cientista Albert Sabin, muito amigo de Adolpho Bloch e frequentador da Manchete sempre que vinha ao Brasil, acusou certa vez, em entrevista nos Estados Unidos, o ditador Médici de manipular dados sobre a incidência de poliomielite no Brasil entre 1969 e 1973.

Naquela época, redações de jornais e revistas eram forçadas a admitir como "consultores" coronéis de pijama que davam um "parecer" sobre matérias potencialmente capazes de criar problema com Brasília. A Manchete teve um desses meganhas.  Em 1972, a revista publicou uma matéria sobre o avanço da meningite, chegou a registrar o drama de famílias de algumas vítimas no Rio e em São Paulo. A reportagem (veja reprodução acima), era assinada por Marco Aurélio Borba, Miguel Pereira e Celso Arnaldo. Foi a única reportagem na Manchete a mostrar que havia uma epidemia no Brasil. Mesmo assim, com visível cuidado: falava em "súbito aumento de casos" e em "certo temor da população". Nos anos seguintes, foi publicada outra, mas sobre o Instituto Mireux, de Paris, que pesquisava uma vacina; e na Pais & Filhos saiu uma  texto sobre "cuidados com a doença". Ambas as matéria não se referiam diretamente à epidemia em curso no Brasil. A Veja fez em 1972 uma única reportagem de capa sobre o assunto. No título "O Surto da Desinformação". E, no mesmo ano, a Folha de São Paulo teve censurada a reportagem "A Epidemia do Silêncio".

Governos que amam odiar a transparência, como se vê na atitude negacionista do regime bolsonarista frente à Covid, não possuem anticorpos contra o vírus do autoritarismo.

Mas é preciso registrar que nem o execrável Médici mandou invadir hospitais...


Um comentário:

J.A.Barros disse...

Um membro jovem, da família da minha mulher, foi atingido pela epidemia da meningite. Tratado a tempo, praticamente, o vírus não deixou sequelas. E até os dias de hoje vive normalmente. Estou dizendo isso, porque a meningite, uma das suas sequelas, quando não mata, leva a sua vítima à loucura. Uma das minhas tias, ficou louca em razão da meningite, e na época em que foi contagiada, os recursos medicinais eram muito pobres ou quase nenhum. Hoje, temos remédios e vacinas para o combate a esse vírus. A vacina contra Dengue, está pronta, obedecendo o protocolo de aprovação de seu uso. A vacina contra o " novo coronavírus ". está na fase 3, que é a de ser testada em 2, 3 mil seres humanos , para ser aprovada.