terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O ano em que um povo foi marcado... Isso lembra alguma coisa?

1932: sob controle de Hitler, o Reichstag elege a mesa diretora.

por José Esmeraldo Gonçalves

Olhe em volta, ajuste o calendário para 1932, faça de conta que vive aqueles dias. Ligue o rádio. A Alemanha está agitada. Não se fala em outra coisa. O controle do Parlamento está em jogo.  

1932 foi o ano em que o povo alemão foi marcado. Naquelas eleições, os nazistas emplacaram 230 representantes e passaram a controlar o Reichstag. 

Um ano depois, um incêndio destruiu o prédio. Os nazis criaram a "narrativa", como se diz na palavra desgastada hoje, segundo a qual o ato representava o início de uma "revolução comunista". Foi a senha para o passo seguinte. Hitler se aliou ao "centrão", personificado pelo partido conservador DNVP, e obteve a maioria parlamentar. Com isso, o presidente Hindenburg foi pressionado a nomear o líder nazista como chanceler, em 30 de janeiro de 1933. Nessa condição, ele articulou um ato institucional que transferia para o executivo poderes legislativos. 

Em poucos meses, a oposição estava extinta no país. Hitler tornou-se führer. O "mito, mito, mito" para seus seguidores. E aí começou efetivamente o regime nazista com as reformas prioritárias, que os jornais aliados defendiam como a nova ordem tributária, administrativa, jurídica, política, orçamentária e, claro, as pautas ideológicas e de costumes efetivamente implantadas. E a Alemanha, já então acima de tudo, esmagou a liberdade.

Aqui acaba sua viagem no tempo. 

Volte para 2021 e ouça Zé Ramalho 

AQUI...

 Vocês que fazem parte dessa massa/ Que passa nos projetos do futuro/ É duro tanto ter que caminhar/ E dar muito mais do que receber...

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Jornalismo: como as pessoas entendiam as notícias sem que um comentarista explicasse o que estavam vendo?

O repórter vai sobreviver? 

A pergunta é valida. Milhares de jornalistas foram demitidos nos últimos anos. E na maioria dos dispensados estavam profissionais da base do jornalismo: a reportagem. 

Crise econômica, novos modelos de negócio, reestruturação, o impacto das mídias digitais, extinção de versões impressas foram alguns dos motivos apontados pelas empresas. Nesse quadro, investir em colunistas e comentaristas tornou-se uma prioridade visível. Claro que informação e análise devem andar juntas, mas interpretar mais as circunstâncias de um fato conhecido do que apurar os próprios fatos parece desequilibrar um conceito consagrado do bom jornalismo. É comum âncoras e comentaristas levaram horas conversando sobre uma notícia. É inusitado que, nessas conversas, o apresentador ou apresentadora invariavelmente encaixe uma pergunta ao comentarista: "Fulano, o que vai acontecer agora"? E o fulano incorpora o vidente e ousa detalhar o que vai rolar, as reações de um e outro etc.

As limitações impostas pela pandemia  ao longo de 2020 afetaram a mobilidade dos repórteres para apuração efetiva e, com isso, estes perderam ainda mais espaço para os colunistas e comentaristas. Aparentemente, isso afetou principalmente os veículos tradicionais. Alguns dos principais furos de reportagem no período, as indispensáveis exclusivas, vieram do The Intercept, Metrópoles, Antagonista, El Pais Brasil, BBC Brasil, entre outros, que continuaram com a reportagem de campo no radar. Vale dizer que a revista Época teve uma boa fase de exclusivas, mas mudanças na redação parecem ter domesticado a revista. A Veja, que foi tão combativa no período anterior ao golpe, hoje parece ligada a respiradores. A Istoé opera muito na "cozinha", a técnica de juntar fatos conhecidos e construir uma abordagem retrofitada. Já veículos como Globo News e CNN, por exemplo, preferem manter uma multidão de comentaristas dissecando - às vezes repetidamente - assuntos correntes e geralmente não exclusivos. Talvez por isso, no Grupo Globo, um programa como o Fantástico, que não mantêm analistas da notícia, é um que ainda não perdeu o foco nas exclusivas. E o homem mais procurado de 2020, o Queiroz das "rachadinhas", teve seu esconderijo exposto por uma "antibolsonarista', precisamente a filha do Olavo de Carvalho, o guru do anormal que nos governa. A mídia em geral o procurava, mas limitava-se a perguntar a advogados onde o procurado se homiziava, se iria se apresentar. Claro que nunca teve resposta. 

No último domingo,  a principal matéria do jornal O Globo, com título na área nobre da primeira página, foi o reforço da equipe de colunistas. Um fotomontagem mostra os 36 escribas fixos, sem contar os convidados eventuais. Do grupo, apenas uns três ou quatro garimpam efetivamente valiosas informações exclusivas. 

Nada contra, mas repórteres de fazem falta. 

A pandemia também levou a excessos o chamado "jornalismo declaratório", que é a produção de matérias com base apenas nas declarações de fontes oficiais, assessorias ou, no máximo, de fontes laterais com interesses quase  semelhantes. Qual a utilidade de ouvir, por exemplo, o Mourão? Ele fala o óbvio. A mídia desloca repórteres quase todo dia para "repercutir" uma fala qualquer do Bolsonaro e o Mourão cumpre sua função subserviente de "passar pano" na verborragia do chefe.  

Não é só a população que aguarda ansiosamente a vacinação, o público também espera que a mídia se imunize contra o excesso de "explicadores" e não desista dos repórteres. 

Fica a pergunta: como as pessoas entendiam as notícias antes da existência do batalhão de analistas que nos explicam o que estamos vendo?    

A origem exata do SARS-CoV-2? A OMS tenta responder à pergunta de 100 milhões de infectados

Com o planeta sequestrado por um vírus que já infectou mais de 100 milhões de pessoas e fez mais de 2 milhões de vítimas fatais, a OMS inicia a investigação sobre a origem da Covid-19. Cientistas da OMS visitaram ontem o mercado de Wuhan, o primeiro foco identificado, que teria sido o epicentro da pandemia. Mas dúvidas persistem. O processo de mutação leva um tempo até que um vírus se torne explosivamente contagiosos. Um artigo do jornal chinês Global Times diz que em dezembro de 2019, quando surgiram os primeiros casos da doença, o  SARS-CoV-2 já era capaz de se transmitir em progressão acelerada. Ao mesmo tempo, também não ainda dados que indiquem outra outra origem do vírus. Cabe à equipe da OMS - cujo roteiro de visitas a cidades, hospitais e outras instalações chinesas, não foi divulgado -  desvendar o mistério. 

domingo, 31 de janeiro de 2021

A PALAVRA DA HORA H

 S e x t o u! 

* O neoverbo “sextar”, que exalta a chegada da sexta-feira, além do seu hedonismo barato já nasceu obsoleto, como ficaram as expressões “cair a ficha” e “queimar o filme”. Surgiu num momento em que as relações temporais e espaciais de trabalho já estavam totalmente subvertidas, tendência reforçada pela pandemia. Fazia sentido celebrar a chegada da sexta feira quando ela era o último dia útil da semana de trabalho de 40 horas e quando a maioria das pessoas se concentrava nos opressivos escritórios de grandes firmas e o conceito de “home office” ainda era uma perspectiva quase utópica. 

Hoje, com a informalidade crescente da economia, o sujeito trabalha no dia que quer, à hora que quer, de preferência em casa. Um filme americano de 1978 definiu admiravelmente a questão, tirando seu título do grito de guerra dos empregados às sextas-feiras: T.G.I.F.! – Thank God It’s Friday/Graças a Deus é Sexta-feira.

No Brasil bozófilo a gíria, corrente na internet, viralizou a partir de uma música chamada Sextou, do grupo Forró da Pegação. Na verdade, sua popularização veio através da versão de Israel Novaes e Wesley Safadão. Eis uma visão do paraíso destes nossos “sextantes” de hoje:

“Hoje é sexta-feira, dia de torrar o salário/ Dá bicuda em rapariga e fumar cigarro ao contrário/ Vê se a ruiva é ruiva mesmo, mastigar abelha com mel/ Mandar foto pra ex, pelado com três no motel.

Etimologia • Na maioria das línguas latinas, sexta-feira é o Dia de Vênus: vendredi (francês), venerdi (italiano), viernes (espanhol);em inglês e alemão é respectivamente Friday e Freitag, dia livre. Em português, “a última flor do Lácio”, que nesse caso infelizmente resvalou para uma língua de quitandeiros, ficou sexta-feira... • Roberto Muggiati

PARA OUVIR "SEXTOU":AQUI

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Monica de Bolle, a analista que deixa "guedistas " de "saia justa", é a nova colunista do El Pais

 

Reprodução Twitter


Monica de Bolle está no El Pais. PHD em Economia, professora da Escola para Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e pesquisadora sênior do Instituto Peterson para Economia Internacional, ela tem presença ativa nas redes sociais e é frequentemente acionada pela mídia brasileira, especialmente no momento em que a Covid-19 faz com que a economia se entrelace com a saúde, mais do que nunca. 

Aparentemente, de Bolle já foi mais acionada pela Globo News e pela CBN. Seus comentários divergem da opinião majoritária das comentaristas dos dois veículos, que estão fechados com Paulo Guedes. Ela defendia, por exemplo, desde o começo do ano passado, que a gravidade da pandemia pedia a demolição do teto de gasto. Isso irrita profundamente os (as) guedistas. 

Na semana passada, de Bolle, chamada a comentar as relações comerciais do Brasil com os Estados Unidos na era Biden, apontou as escolhas erradas do governo. Diante do retrato livre, sem retoques, traçado pela economista, foi visível a tensão, no estúdio em São Paulo, da comentarista de mercado Juliana Rosa, uma especialista em cavar boas notícias no terreiro de Paulo Guedes. Após a fala de Monica de Bolle, a comentarista Juliana Rosa foi buscar uma estatística do passado para justificar as pífias trocas comercias dos dois países.  O que não foi possível disfarçar foi o link Washington-São Paulo carregado de eletricidade. Para os comentaristas de mercado do Grupo Globo, Paulo Guedes é intocável.

Pizza de assédio al dente

 


por O.V. Pochê

Se esse caso de assédio explícito virar pizza, como parece, a Assembleia de São Paulo vai legalizar o ato de encoxar. Ninguém vai estar a salvo nos corredores da Casa. Vão liberar o uísque antes e o salve-se quem puder depois. "Tirar o sofá da sala" vai ser substituído "por tirar as câmeras do recinto". Um perímetro de 200 metros em torno do prédio vai virar área de risco. Meninas, não se aventurem.

Boquinhas acima de tudo, leite condensado e chiclete acima de todos

 


Fotomemória da Rua do Russell: o restaurante que fazia revistas

O staff posa na cozinha da Bloch: com  o chef Severino Dias, no alto, aparecem, entre outros, Zé Maria, Nunes, China, Geraldo e Dona Arminda. Foto: Acervo José Carlos Jesus

O prédio da Manchete, na Rua do Russell, tinha três restaurantes e uma cozinha industrial. No décimo andar ficava o espaço mais restrito, destinado aos diretores e convidados. No terceiro andar - que também era frequentado pela cúpula da empresa -  e no térreo ficavam as praças de alimentação dos funcionários. A comida era de qualidade e, durante anos, 0800. Lá pelo fim dos 70, foi instituído um ticket que era descontados dos salários. 

Nos tempos da boca-livre, quando o prédio ainda não abrigava a TV, o restaurante do terceiro andar tornou-se um point da cidade. Não um endereço aberto ao público, mas bastante apreciado por artistas, empresários, publicitários, amigos da casa, visitantes ocasionais. Alguns eram nem um pouco ocasionais. Havia um ator famoso como vilão no cinema que era quase um colega, de tanto descolava o rango da Bloch. Geralmente ia ao Russell a pretexto de falar com o Justino Martins e se deixava ficar, ora consultava o relógio, ora ia à janela apreciar a vista, até que a redação descia para almoçar e ele se incorporava ao grupo. O vilão não escapava da ironia de Oscar Bloch dirigida ao próprio Justino. "Ele agora trabalha aqui?", repetia a pergunta semanalmente, mensalmente, anualmente. O pessoal de teatro e cinema, menos abonado, era, digamos, mais rotineiro. Um humorista que vivera melhores dias e estava em baixa também era um apreciador dos pratos do chef Severino. Na pior, a fome para ele não era piada.

É dessa época a frase "Manchete é um restaurante que faz revistas". Muitas vezes as duas habilidades se realizavam ao mesmo tempo. Da cozinha saiam os sanduíches das madrugadas que serenavam estômagos durante as longas e exaustivas horas de fechamentos de edições especiais ou de revistas atropeladas por fatos relevantes e urgentes. Ou, ainda, no Carnaval, levando uma boia fast food para as redações de Manchete, Fatos & Fotos e Amiga virando noites. No menu, invariavelmente, o tradicional pão francês com ovo que inspirou o nome deste blog segundo a versão latina por Carlos Heitor Cony.

A Manchete também oferecia muitas recepções monumentais. A principal talvez fosse por ocasião da entrega do Prêmio Tendência. A cada ano a revista de economia da editora premiava ministros e empresários. O PIB ia jantar no Russell ao lado de presidentes, tecnocratas em geral,  economistas e os donos das maiores agências de publicidade do país. A foto acima, com todo o staff embecado e reunido na cozinha é, provavelmente, dos bastidores de uma dessas ocasiões.

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Fotomemória: paisagens removidas de um Rio que não se emendou...

 

Rio, 1964: Favela do Pasmado. Foto de Domingos Cavalcanti/Manchete

O Túnel do Pasmado no mesmo ano. Foto: Domingos Cavalcanti/Manchete

por José Esmeraldo Gonçalves 
Os veteranos vão reconhecer. Para as novas gerações que passam nesses sítios todos os dias, o visual pode surpreender. Na foto do alto, os dois garotos sentados sobre escombros da Favela do Pasmado observam pela última vez a paisagem deslumbrante - a enseada de Botafogo - antes de deixarem o lugar onde nasceram. Todos os moradores foram em seguida transferidos para Vila Aliança e Vila Kennedy, na distante Zona Oeste do Rio de Janeiro. 

Nos anos 1960, Manchete fez inúmeras reportagens sobre o polêmico programa de remoção de favelas desenvolvido pelo governador Carlos Lacerda. A segunda foto mostra a entrada do Túnel do Pasmado, que leva à Urca e Copacabana. A Favela do Pasmado começou a crescer ainda no começo da década de 1950. Assim como as autoridades de hoje, a então Prefeitura do Distrito Federal nada fez para resolver o problema de moradia das famílias. Em pouco mais de dez anos o povo ocupou todo o morro. 


Favela da Catacumba, na Lagoa, em 1968. Foto Manchete


1959: a brincadeira emblemática das crianças e, ao fundo, a Av. Epitácio Pessoa. Foto Alberto Jacob/Manchete

Sem grandes aparatos, sem coletes nem Caveirão, a polícia detém três suspeitos. O cortejo se dá
na hoje elegante Epitácio Pessoa.

Foto Manchete


A Lagoa Rodrigo de Freitas é um dos mais belos cenários do Rio. E também um dos CEPs mais valorizados pelo mercado imobiliário. Nem sempre foi assim. Até a década de 1960, um colar de favelas que ia da Rua Sacopã passando pela encosta da Curva do Calombo até o Morro das Catacumba emoldurava o visual. À altura da Av. Borges de Medeiros, próximo à Hípica, barracos ocupavam as margens. As grades do clube elegante eram o varal das roupas comuns dependuradas. A maior favela da região era a da Praia do Pinto. Ocupava a área onde hoje está o condomínio Selva de Pedra, emparedava o estádio do Flamengo e alcançava o Jardim de Alá. Os moradores da Praia do Pinto foram apoiados por um projeto social de D.Helder Câmara e, após removidos, se transferiram para o conjunto de prédios da Cruzada São Sebastião, no próprio Leblon, não se afastando dos seus empregos.  A última favela a deixar a Lagoa foi a da Catacumba. Depois de dois incêndios (em 1967 e 1968) foi incluída no plano de "desfavelização" já então executado por Negrão de Lima, governador do Estado da Guanabara.  Em 1969, os moradores foram transferidos para Cidade de Deus, Nova Holanda e Vila Aliança. Na época, o trecho da pista em frente à Catacumba era tido como um local perigoso, mas nada comparado ao nível de violência das comunidades agora dominadas pelo tráfico ou pelas milícias. 

A política de remoção teve graves consequências sociais. De uma hora para outra, milhares de pessoas foram deslocados dos seus locais de trabalho. Sem meios de transporte adequados, a maioria não conseguiu se manter nos empregos. A remoção não resolveu o problema da falta de habitação e prefeitos e governadores jamais se preocuparam em conter a expansão posterior das favelas. Simplesmente, deixaram que voltassem a crescer exponencialmente.

Pouco mais de 50 anos depois, um ponto da Lagoa, o alto da Rua Sacopã, volta a ser de risco, agora por parte de traficantes do Morro dos Cabritos, entre Copacabana e Lagoa. Moradores denunciam tiroteios no local. 

Outra fronteira à vista da Lagoa, essa mais distante, a da Gávea com a Rocinha, também já não é tão tranquila. A "maior favela do mundo", que não para de crescer, já se derrama para a Gávea e também haveria indícios de construção dos primeiros barracos na direção do Morro Dois Irmãos. 

Quanto ao Pasmado, hoje abriga o Monumento em Memória às Vítimas do Holocausto. 

Quanto à Catacumba, é agora o Parque Natural Municipal.

Quanto ao Rio, como não resistir?

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

O fim noir de Leon Eliachar • Por Roberto Muggiati

Leon Eliachar, anos 70, em frente ao Hotel Glória, no carro da moda: o Karmann Ghia.


Em um "home office" precoce e premonitório. 

Reprodução de matéria da Manchete, em 1987.

Todo humorista é um chato. Esta máxima, de minha autoria, pode soar um tanto radical, mas foi comprovada ao longo de décadas de trato com os profissionais do riso. Quem faz humor para ganhar a vida acaba perdendo a graça como pessoa. Quando Guilherme Figueiredo publicou o Tratado Geral dos Chatos, seus detratores definiram o livro como sua autobiografia. Leon Eliachar fugia desse perfil. Cansava um pouco com a insistência de se dizer “cairoca” – nasceu no Cairo e veio pequeno para o Rio – mas, apesar de certos cacoetes obsessivos no trabalho – acabou se tornando companhia agradável para os colegas. Metódico, atento para os números e não só as letras – devia ser a herança árabe dos algarismos e algoritmos – vendeu montanhas de livros nos anos 1960 com títulos como O Homem ao Quadrado, O Homem ao Cubo, A Mulher em Flagrante, O Homem ao Zero. 

Seu humor era feito de pequenos aforismos: • “Biquini: Um pedaço de pano cercado de mulher por todos os lados.” • “Pontualidade é a coincidência de duas pessoas chegarem com o mesmo atraso.” • “Saca-rolhas é esse instrumento que foi inventado pra empurrar a rolha pra dentro da garrafa.” Do casamente, tinha uma visão cáustica: • “O homem se casa por descuido. A mulher, por precaução.” • “Um homem casado vale por dois. A maioria deles sustenta duas casas.” • “Mulher que se preza não mente: inventa verdades.” • “As mulheres são sempre muito queridas. Umas quando chegam, outras quando partem.”

Veterano revisteiro, Leon voltou a colaborar para a Manchete no meu início como editor-chefe, em meados dos anos 70. Sua página fechava no caderno do miolo, às quintas-feiras. Na tarde de terça trazia de casa algumas frases e datilografava outras na redação. No dia seguinte já havia juntado 60 frases, que mandava copiar em várias laudas e distribuía pelo prédio inteiro, do laboratório fotográfico e da barbearia do Robertinho à cozinha e ao transporte; da fotocomposição e produção às redações, da administração à tesouraria. Vocês não imaginam a mão de obra que dava, mas Leon – “professor de astúcia” no apelido clássico do Alberto de Carvalho – realizava uma espécie de ibope interno que lhe garantia: as 30 frases escolhidas para a seção eram as melhores.

Humorista (amador, por favor), criei um slogan para o Leon. Inspirei-me nas coisas que nosso crítico de arte Flávio de Aquino me ensinava sobre Picasso. O grande Pablo ora dizia “Eu não procuro, eu acho”, ora se desdizia “Eu não acho, eu procuro.” Eu dizia, num sotaque iídiche caricato: “Eli não procurar, Eli achar...”

O que Leon acabou achando não foi nada engraçado. Em maio de 1987, já alguns anos fora da Manchete, virou notícia, ao ser assassinado com um tiro na nuca em seu apartamento na Avenida Rui Barbosa, defronte ao Pão de Açúcar. Estava tendo um caso com a mulher de um rico fazendeiro paranaense. O marido contratou dois pistoleiros para matar Leon. Usou como chamariz Sheila, uma dançarina de boate carioca, que facilitou a entrada dos assassinos no apartamento de Leon. A vaidade traiu a dançarina: na véspera tirou fotos com Leon e as esqueceu no local do crime. A polícia as revelou, prensou Sheila, que entregou o mandante. Dançarina, fazendeiro e os dois pistoleiros foram condenados. Antes da virada do século já estavam todos soltos, o Brasil é assim. 

Leon Eliachar acabou virando O Homem ao Zero. Livro que continha uma de suas frases clássicas, que perdeu totalmente a graça: “Adultério é o que liga três pessoas sem uma saber.” 

Cyber troops: a oficina do ódio

O Media Talk, do JC & Cia pergunta: será que a saída de Trump da presidência e do Twitter vai diminuir a manipulação política nas mídias sociais? 

O  Oxford Internet Institute responde: não. 

Pesquisa da instituição apurou um aumento de quase 20% no número de países em que tropas   cibernéticas a serviço de governos manipulam a opinião pública. São governo, influenciadores, partidos políticos e empresas de comunicação. O Brasil marca palpite quadruplo nesse esquema que dedica-se a elogiar atos do governo, atacar e difamar adversários, promover a polarização da sociedade e ataques à liberdade de imprensa. 


Fotomemória da Redação: boleiros da Bloch Educação em excursão a Teresópolis

 

O time da Bloch Educação em tarde de pelada em Teresópolis, provavelmente começo dos anos 1980. Escalação do timaço, com uniforme que lembra o do Internacional, atual líder do Brasileirão. De pé, da esq. para a dir. Luiz Paulo, Ricardo, Antonio Carlos, Zé Carlos e Adeildo. Agachados, no mesmo sentido, Aguinaldo, Gilson, Reinaldo e Niskier. Foto: Acervo José Carlos Jesus


domingo, 24 de janeiro de 2021

O jogo sujo

Nas cores da Manchete, em 1970, o ditador abraçado e...

...no registro do anos 1930 do futebol alemão, o genocida reverenciado .


Na foto, tudo é alegria. Nesse mesmo dia, brasileiros morriam sufocados na tragédia de Manaus. Reprodução Twitter


São tantas as evidências recentes das ligações de alguns times de futebol com o poder que, não sei porque, me lembrei de duas fotos: Pelé abraçando Médici, em 1970, enquanto brasileiros eram torturados e assassinados nas prisões; e o Schalke 04 nos anos 1930. Era o time do Hitler, o que o transformava forçosamente no mais querido da Alemanha. 

Através da história, o futebol sempre foi assediado por quem busca popularidade. E muitos jogadores, cordatos e mansos, continuam se prestando a esse papel ignorando a realidade muitas vezes trágica por trás dos sorrisos e reverências. 

São fatos que ficam na história. E nesse jogo político o futebol sempre sai perdendo.  

Dilma divulga nota sobre artigo de Míriam Leitão. A jornalista está entre os assuntos mais comentados agora no Twitter. E não são elogios...

NOTA SOBRE O ARTIGO DE MIRIAM LEITÃO

Miriam Leitão comete sincericidio tardio em sua coluna no Globo de hoje (24 de janeiro), ao admitir que o impeachment que me derrubou foi ilegal e, portanto, injusto, porque, segundo ela, motivado pela situação da economia brasileira e pela queda da minha popularidade. Sabidamente, crises econômicas e maus resultados em pesquisas de opinião não estão previstos na Constituição como justificativas legais para impeachment. Miriam Leitão sabe disso, mas finge ignorar. Sabia disso, na época, mas atuou como uma das principais porta vozes da defesa de um impeachment que, sem comprovação de crime de responsabilidade, foi um golpe de estado.

Agora, Miriam Leitão, aplicando uma lógica aburda, pois baseada em analogia sem fundamento legal e factual, diz que se Bolsonaro “permanecer intocado e com seu mandato até o fim, a história será reescrita naturalmente. O impeachment da presidente Dilma parecerá injusto e terá sido.” O impeachment de Bolsonaro deveria ser, entre outros crimes, por genocídio, devido ao negacionismo diante da Covid-19, que levou brasileiros à morte até por falta de oxigênio hospitalar, e por descaso em providenciar vacinas.

O golpe de 2016, que levou ao meu impeachment, foi liderado por políticos sabidamente corruptos, defendido pela mídia e tolerado pelo Judiciário. Um golpe que usou como pretexto medidas fiscais rotineiras de governo idênticas às que meus antecessores haviam adotado e meus sucessores continuaram adotando. Naquela época, muitos colunistas, como Miriam Leitão, escolheram o lado errado da história, e agora tentam se justificar. Tarde demais: a história de 2016 já está escrita. A relação entre os dois processos não é análoga, mas de causa e efeito. Com o golpe de 2016, nasceu o ovo da serpente que resultou em Bolsonaro e na tragédia que o Brasil vive hoje, da qual foram cúmplices Miriam Leitão e seus patrões da Globo.

DILMA ROUSSEFF


Padim Ciço vai tirar o diabo do corpo do Brasil

 


O último conselho de Larry King aos âncoras brasileiros

 


Larry King/Foto CNN
O apresentador Larry King, 87 anos, morreu ontem em Los Angeles, vítima de Covid-19. Em 60 anos de carreira fez perto de 50 mil entrevistas. Muitas delas no Larry King Live, da CNN. O obituário do Globo destaca o trecho acima da autobiografia de King. 

Faz sentido.

Espera-se que os âncoras da TV brasileira, especialmente da Globo News e da CNN Brasil, releiam esse conselho. Algumas perguntas feitas aos entrevistados e aos comentaristas das próprias bancadas das emissoras são geralmente tão longas que a introdução quase esmaga a resposta. 

Um dia, um entrevistado menos gentil e entediado com o tamanho da "apresentação da pergunta" vai responder apenas com um conformado "É isso aí, falou".

Ativistas americanos criam site para ajudar a identificar participantes da milícia de Trump que depredou o Capitólio


Os invasores do Capitólio postaram milhares de vídeos no Parler, já que muitos deles estavam bloqueados no Twitter. Mas núcleos de ativistas americanos foram lá e capturaram 6 mil rostos dos milicianos de Donald Trump. Com o material, montaram um site público onde pedem a quem conhecer cada um dos invasores que identifique o sujeito. Internautas já identificaram 827 trumpirocas. Os organizadores do site pedem aos apoiadores que "não tentem suas própria investigações" e que denunciem o sujeito diretamente ao FBI. Pedem também que avisem sobre imagens incorretas. A quem critica a iniciativa por achar policialesca um aviso: os adeptos de Trump que invadiram o Capitólio atacaram a democracia, numa ação que deixou cinco mortes. Nas ruas, essas milícias armadas combatem a diversidade e são violentas, já assassinaram pessoas. A pedido de Trump em mais de um discurso, eles vão continuar ativos e é preciso deter a escalada fascista.

Para os curiosos, o link do site https://facesoftheriot.com/

Anvisa libera veneno mais rápido do que aprova vacina

sábado, 23 de janeiro de 2021

Edilberto Coutinho queria ser Gene Tierney • Por Roberto Muggiati

Edilberto Coutinho
No meu álbum de fotos aparece amiúde a figura de (José) Edilberto Coutinho, presente nas comemorações de aniversário da minha infância. Paraibano de Bananeiras, filho de um funcionário público, depois de rápida passagem por Recife arribou em Curitiba em 1946. Quatro anos mais velho que eu, brilhou no movimento estudantil paranaense, formou-se em direito no Recife e depois embarcou na carreira de jornalista e escritor no Rio de Janeiro, a partir de 1957. Insinuante, fez logo amizade com os irmãos Condé, donos do Jornal de Letras, e passou a orbitar em torno daquela referência literária da época. Seu homossexualismo latente veio à tona nos contos, notadamente aqueles que adotam o futebol como tema (Maracanã, adeus: onze histórias de futebol e Amor na boca do túnel). Morreu relativamente cedo, aos 62 anos, mas marcou a cultura brasileira com sua presença forte como ficcionista, ensaísta, jornalista e professor universitário.

Quero fixar aqui a lembrança do Edilberto que conheci nos anos 40 no edifício Marina, em Curitiba, onde éramos vizinhos. O Marina era um pequeno prédio de dois pavimentos com quatro apartamentos, dois por andar: minha família morava no 1, que ficava à esquerda no térreo; os Coutinho no apartamento 4, no andar de cima à direita. Na verdade, Edilberto morava com a irmã, Iolanda, casada com o engenheiro e professor José Pitella Junior. Ela acabaria entrando para o folclore do alto da Carlos de Carvalho por uma explosão temperamental que lhe valeu um apelido para o resto da vida. Telefones eram muito raros na época e minha família se orgulhava daquele aparelho de design clássico, preto de baquelite, e da linha cujo número nunca esqueci: 3549. A irmã mais velha do Edilberto usava nosso telefone por cortesia, mas esse tipo de gentileza estava fadado a acabar mal, principalmente levando em conta o choque cultural paraibano-paranaense. Um dia, dona Iolanda interpretou mal um comentário de minha mãe e subiu nas tamancas: “Tá bom, eu não preciso mesmo desse telefone de bosta!” Passou a ser conhecida então como “Dona B.O.”

Já Edilberto surpreendeu nossa turminha – tínhamos dez anos, ele já andava pelos catorze – com uma declaração insólita depois de assistir a um filme de sucesso da época, Amar foi minha ruina (1945). Confessou para nós que gostaria de ser Gene Tierney na cena famosa em que a estrela simula uma queda acidental na escadaria da sua mansão para abortar a criança que – na sua ótica ciumenta patológica – a separaria do marido, Cornel Wilde. Ela já havia levado o irmão mais moço do mocinho a se afogar num lago. Doente de ciúmes do relacionamento da meia-irmã com o marido, recorre a uma saída extrema: suicida-se com arsênico, incriminando os dois e levando-os a julgamento por homicídio.

Chocou-nos o apego de Edilberto a uma heroína tão deletéria. Em nossa inocência, éramos incapazes de apreender os delicados mecanismos da projeção homoerótica na figura feminina. Este episódio remoto voltou à minha memória ao rever agora Amar foi minha ruina no volume 17 do Filme Noir da Versátil, o primeiro noir em technicolor da série. Velhos filmes, de certa forma, nos trazem de volta fatos e pessoas longamente esquecidos...

Joe Biden no Twitter: enfim a linguagem democrática... depois da diarreia fascista de Donald Trump


Uma das primeiras providências da Casa Branca foi limpar o @POTUS, a conta oficial do twitter para o presidente dos Estados Unidos. Todo o lixo que Donald Trump deixou foi transferido para um arquivo, fica fora das vistas, acessível a pesquisadores.

A informação é do site Mashable. 

Quando Joe Biden disparou seu primeiro post, boa parte dos Estados Unidos respirou aliviada.   Depois de quatro anos de mentiras, fake news, agressões e ódio, veio uma mensagem normal.

“Não há tempo a perder quando se trata de enfrentar as crises que enfrentamos”, escreveu Biden. "É por isso que hoje estou indo para o Salão Oval para começar a trabalhar, entregando uma ação ousada e alívio imediato para as famílias americanas."

Palavras simples, tranquilas, longe dos odiosas recados do antecessor. Um jornalista definiu a nova fase da rede social do homem mais poderoso do mundo como "refrescante", depois depois de um período de trevas e ira.