Rio, 1964: Favela do Pasmado. Foto de Domingos Cavalcanti/Manchete |
O Túnel do Pasmado no mesmo ano. Foto: Domingos Cavalcanti/Manchete |
por José Esmeraldo Gonçalves
Os veteranos vão reconhecer. Para as novas gerações que passam nesses sítios todos os dias, o visual pode surpreender. Na foto do alto, os dois garotos sentados sobre escombros da Favela do Pasmado observam pela última vez a paisagem deslumbrante - a enseada de Botafogo - antes de deixarem o lugar onde nasceram. Todos os moradores foram em seguida transferidos para Vila Aliança e Vila Kennedy, na distante Zona Oeste do Rio de Janeiro.
Nos anos 1960, Manchete fez inúmeras reportagens sobre o polêmico programa de remoção de favelas desenvolvido pelo governador Carlos Lacerda. A segunda foto mostra a entrada do Túnel do Pasmado, que leva à Urca e Copacabana. A Favela do Pasmado começou a crescer ainda no começo da década de 1950. Assim como as autoridades de hoje, a então Prefeitura do Distrito Federal nada fez para resolver o problema de moradia das famílias. Em pouco mais de dez anos o povo ocupou todo o morro.
Favela da Catacumba, na Lagoa, em 1968. Foto Manchete |
1959: a brincadeira emblemática das crianças e, ao fundo, a Av. Epitácio Pessoa. Foto Alberto Jacob/Manchete |
Sem grandes aparatos, sem coletes nem Caveirão, a polícia detém três suspeitos. O cortejo se dá na hoje elegante Epitácio Pessoa. Foto Manchete |
A Lagoa Rodrigo de Freitas é um dos mais belos cenários do Rio. E também um dos CEPs mais valorizados pelo mercado imobiliário. Nem sempre foi assim. Até a década de 1960, um colar de favelas que ia da Rua Sacopã passando pela encosta da Curva do Calombo até o Morro das Catacumba emoldurava o visual. À altura da Av. Borges de Medeiros, próximo à Hípica, barracos ocupavam as margens. As grades do clube elegante eram o varal das roupas comuns dependuradas. A maior favela da região era a da Praia do Pinto. Ocupava a área onde hoje está o condomínio Selva de Pedra, emparedava o estádio do Flamengo e alcançava o Jardim de Alá. Os moradores da Praia do Pinto foram apoiados por um projeto social de D.Helder Câmara e, após removidos, se transferiram para o conjunto de prédios da Cruzada São Sebastião, no próprio Leblon, não se afastando dos seus empregos. A última favela a deixar a Lagoa foi a da Catacumba. Depois de dois incêndios (em 1967 e 1968) foi incluída no plano de "desfavelização" já então executado por Negrão de Lima, governador do Estado da Guanabara. Em 1969, os moradores foram transferidos para Cidade de Deus, Nova Holanda e Vila Aliança. Na época, o trecho da pista em frente à Catacumba era tido como um local perigoso, mas nada comparado ao nível de violência das comunidades agora dominadas pelo tráfico ou pelas milícias.
A política de remoção teve graves consequências sociais. De uma hora para outra, milhares de pessoas foram deslocados dos seus locais de trabalho. Sem meios de transporte adequados, a maioria não conseguiu se manter nos empregos. A remoção não resolveu o problema da falta de habitação e prefeitos e governadores jamais se preocuparam em conter a expansão posterior das favelas. Simplesmente, deixaram que voltassem a crescer exponencialmente.
Pouco mais de 50 anos depois, um ponto da Lagoa, o alto da Rua Sacopã, volta a ser de risco, agora por parte de traficantes do Morro dos Cabritos, entre Copacabana e Lagoa. Moradores denunciam tiroteios no local.
Outra fronteira à vista da Lagoa, essa mais distante, a da Gávea com a Rocinha, também já não é tão tranquila. A "maior favela do mundo", que não para de crescer, já se derrama para a Gávea e também haveria indícios de construção dos primeiros barracos na direção do Morro Dois Irmãos.
Quanto ao Pasmado, hoje abriga o Monumento em Memória às Vítimas do Holocausto.
Quanto à Catacumba, é agora o Parque Natural Municipal.
Quanto ao Rio, como não resistir?