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terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Fotomemória: paisagens removidas de um Rio que não se emendou...

 

Rio, 1964: Favela do Pasmado. Foto de Domingos Cavalcanti/Manchete

O Túnel do Pasmado no mesmo ano. Foto: Domingos Cavalcanti/Manchete

por José Esmeraldo Gonçalves 
Os veteranos vão reconhecer. Para as novas gerações que passam nesses sítios todos os dias, o visual pode surpreender. Na foto do alto, os dois garotos sentados sobre escombros da Favela do Pasmado observam pela última vez a paisagem deslumbrante - a enseada de Botafogo - antes de deixarem o lugar onde nasceram. Todos os moradores foram em seguida transferidos para Vila Aliança e Vila Kennedy, na distante Zona Oeste do Rio de Janeiro. 

Nos anos 1960, Manchete fez inúmeras reportagens sobre o polêmico programa de remoção de favelas desenvolvido pelo governador Carlos Lacerda. A segunda foto mostra a entrada do Túnel do Pasmado, que leva à Urca e Copacabana. A Favela do Pasmado começou a crescer ainda no começo da década de 1950. Assim como as autoridades de hoje, a então Prefeitura do Distrito Federal nada fez para resolver o problema de moradia das famílias. Em pouco mais de dez anos o povo ocupou todo o morro. 


Favela da Catacumba, na Lagoa, em 1968. Foto Manchete


1959: a brincadeira emblemática das crianças e, ao fundo, a Av. Epitácio Pessoa. Foto Alberto Jacob/Manchete

Sem grandes aparatos, sem coletes nem Caveirão, a polícia detém três suspeitos. O cortejo se dá
na hoje elegante Epitácio Pessoa.

Foto Manchete


A Lagoa Rodrigo de Freitas é um dos mais belos cenários do Rio. E também um dos CEPs mais valorizados pelo mercado imobiliário. Nem sempre foi assim. Até a década de 1960, um colar de favelas que ia da Rua Sacopã passando pela encosta da Curva do Calombo até o Morro das Catacumba emoldurava o visual. À altura da Av. Borges de Medeiros, próximo à Hípica, barracos ocupavam as margens. As grades do clube elegante eram o varal das roupas comuns dependuradas. A maior favela da região era a da Praia do Pinto. Ocupava a área onde hoje está o condomínio Selva de Pedra, emparedava o estádio do Flamengo e alcançava o Jardim de Alá. Os moradores da Praia do Pinto foram apoiados por um projeto social de D.Helder Câmara e, após removidos, se transferiram para o conjunto de prédios da Cruzada São Sebastião, no próprio Leblon, não se afastando dos seus empregos.  A última favela a deixar a Lagoa foi a da Catacumba. Depois de dois incêndios (em 1967 e 1968) foi incluída no plano de "desfavelização" já então executado por Negrão de Lima, governador do Estado da Guanabara.  Em 1969, os moradores foram transferidos para Cidade de Deus, Nova Holanda e Vila Aliança. Na época, o trecho da pista em frente à Catacumba era tido como um local perigoso, mas nada comparado ao nível de violência das comunidades agora dominadas pelo tráfico ou pelas milícias. 

A política de remoção teve graves consequências sociais. De uma hora para outra, milhares de pessoas foram deslocados dos seus locais de trabalho. Sem meios de transporte adequados, a maioria não conseguiu se manter nos empregos. A remoção não resolveu o problema da falta de habitação e prefeitos e governadores jamais se preocuparam em conter a expansão posterior das favelas. Simplesmente, deixaram que voltassem a crescer exponencialmente.

Pouco mais de 50 anos depois, um ponto da Lagoa, o alto da Rua Sacopã, volta a ser de risco, agora por parte de traficantes do Morro dos Cabritos, entre Copacabana e Lagoa. Moradores denunciam tiroteios no local. 

Outra fronteira à vista da Lagoa, essa mais distante, a da Gávea com a Rocinha, também já não é tão tranquila. A "maior favela do mundo", que não para de crescer, já se derrama para a Gávea e também haveria indícios de construção dos primeiros barracos na direção do Morro Dois Irmãos. 

Quanto ao Pasmado, hoje abriga o Monumento em Memória às Vítimas do Holocausto. 

Quanto à Catacumba, é agora o Parque Natural Municipal.

Quanto ao Rio, como não resistir?

segunda-feira, 9 de março de 2015

Pasmado: domingo no parque







Morro do Pasmado. Fotos Gonça

Favela do Pasmado, anos 50. Reprodução

O morro, nos anos 60, pouco antes da remoção. Reprodução
por Gonça
Ontem, o Morro do Pasmado recebeu centenas de cariocas e turistas. O jornal O Globo realizava no local o Projeto Mirante Rio, em comemoração aos 450 anos da cidade.Além de várias atividades, incluindo espetáculos para crianças, foi montada uma plataforma no alto do mirante, que oferecia vistas do Rio, um deslumbrante panorama em 360° que as pessoas não paravam de fotografar. Um domingo de verão perfeito, com direito a uma chuva no fim da tarde da qual não se pode reclamar nesses tempos de crise hídrica.
Talvez tenha passado pela cabeça apenas dos mais velhos e conhecedores da história da cidade que, naquele mesmo local, há 50 anos, no verão de 1965, restavam apenas ruínas incendiadas da Favela do Pasmado. Um ano antes, como parte da política de remoção de empreendida pelo governo Carlos Lacerda, os moradores haviam sido transferidos para a Vila Kennedy. Dias depois, um grande incêndio lavrou o morro. Na época, dizia-se que o fogo foi providenciado pelo governo para "higienizar" o local. A remoção de favelas era uma medida brutal. Do dia para a noite, centenas de famílias foram deslocadas para conjuntos habitacionais localizados em regiões distantes dos seus empregos, das escolas dos filhos, dos amigos. E nem todos os moradores das favelas removidas conseguiram habitação. A maioria perdeu empregos pelo simples fato de que a partir de regiões distantes e com a ineficiência dos transportes não conseguiam cumprir seus horários de trabalho. Aqueles que mantiveram os empregos passavam a levar cerca de seis horas no percurso casa-trabalho-casa. Atualmente, seria inimaginável uma política de remoção tão radical. Ao mesmo tempo, o Rio não soube ou não quis conter como deveria a expansão desordenada de novas favelas.
O caminho democrático é hoje a urbanização dos bairros populares. Em todo caso, a ameaça de ocupação imobiliária do Pasmado foi contida - mas estão lá, ao lado, espigões que mostram como foi real a pressão dos especuladores - e a área, com o passar dos anos, foi reflorestada. É um belo parque. Provavelmente, a iniciativa do Globo levou ao local muitos cariocas que, ao contrário do moradores de Botafogo, não conheciam o Pasmado.

* O Projeto Mirante O Globo funciona aos sábados e domingos, até o fim de março. Tem o patrocínio do Rio Sul, Itaú e Volkswagen, apoio da Drogaria Venâncio e Coppead UFRJ e parceria cultural do SESC. Vans fazem o transporte gratuito, entre 10h e 20h, até o alto do Pasmado, saindo do Rio Sul e da parte de baixo do morro.