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segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

O fim noir de Leon Eliachar • Por Roberto Muggiati

Leon Eliachar, anos 70, em frente ao Hotel Glória, no carro da moda: o Karmann Ghia.


Em um "home office" precoce e premonitório. 

Reprodução de matéria da Manchete, em 1987.

Todo humorista é um chato. Esta máxima, de minha autoria, pode soar um tanto radical, mas foi comprovada ao longo de décadas de trato com os profissionais do riso. Quem faz humor para ganhar a vida acaba perdendo a graça como pessoa. Quando Guilherme Figueiredo publicou o Tratado Geral dos Chatos, seus detratores definiram o livro como sua autobiografia. Leon Eliachar fugia desse perfil. Cansava um pouco com a insistência de se dizer “cairoca” – nasceu no Cairo e veio pequeno para o Rio – mas, apesar de certos cacoetes obsessivos no trabalho – acabou se tornando companhia agradável para os colegas. Metódico, atento para os números e não só as letras – devia ser a herança árabe dos algarismos e algoritmos – vendeu montanhas de livros nos anos 1960 com títulos como O Homem ao Quadrado, O Homem ao Cubo, A Mulher em Flagrante, O Homem ao Zero. 

Seu humor era feito de pequenos aforismos: • “Biquini: Um pedaço de pano cercado de mulher por todos os lados.” • “Pontualidade é a coincidência de duas pessoas chegarem com o mesmo atraso.” • “Saca-rolhas é esse instrumento que foi inventado pra empurrar a rolha pra dentro da garrafa.” Do casamente, tinha uma visão cáustica: • “O homem se casa por descuido. A mulher, por precaução.” • “Um homem casado vale por dois. A maioria deles sustenta duas casas.” • “Mulher que se preza não mente: inventa verdades.” • “As mulheres são sempre muito queridas. Umas quando chegam, outras quando partem.”

Veterano revisteiro, Leon voltou a colaborar para a Manchete no meu início como editor-chefe, em meados dos anos 70. Sua página fechava no caderno do miolo, às quintas-feiras. Na tarde de terça trazia de casa algumas frases e datilografava outras na redação. No dia seguinte já havia juntado 60 frases, que mandava copiar em várias laudas e distribuía pelo prédio inteiro, do laboratório fotográfico e da barbearia do Robertinho à cozinha e ao transporte; da fotocomposição e produção às redações, da administração à tesouraria. Vocês não imaginam a mão de obra que dava, mas Leon – “professor de astúcia” no apelido clássico do Alberto de Carvalho – realizava uma espécie de ibope interno que lhe garantia: as 30 frases escolhidas para a seção eram as melhores.

Humorista (amador, por favor), criei um slogan para o Leon. Inspirei-me nas coisas que nosso crítico de arte Flávio de Aquino me ensinava sobre Picasso. O grande Pablo ora dizia “Eu não procuro, eu acho”, ora se desdizia “Eu não acho, eu procuro.” Eu dizia, num sotaque iídiche caricato: “Eli não procurar, Eli achar...”

O que Leon acabou achando não foi nada engraçado. Em maio de 1987, já alguns anos fora da Manchete, virou notícia, ao ser assassinado com um tiro na nuca em seu apartamento na Avenida Rui Barbosa, defronte ao Pão de Açúcar. Estava tendo um caso com a mulher de um rico fazendeiro paranaense. O marido contratou dois pistoleiros para matar Leon. Usou como chamariz Sheila, uma dançarina de boate carioca, que facilitou a entrada dos assassinos no apartamento de Leon. A vaidade traiu a dançarina: na véspera tirou fotos com Leon e as esqueceu no local do crime. A polícia as revelou, prensou Sheila, que entregou o mandante. Dançarina, fazendeiro e os dois pistoleiros foram condenados. Antes da virada do século já estavam todos soltos, o Brasil é assim. 

Leon Eliachar acabou virando O Homem ao Zero. Livro que continha uma de suas frases clássicas, que perdeu totalmente a graça: “Adultério é o que liga três pessoas sem uma saber.”