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Lena Muggiati em frente ao Palácio de Buckingham, em 1986. Depois de cobrir o casamento do príncipe Andrew com Sarah Ferguson, ela aguardava o beijo do casal na famosa sacada da residência real. |
Muggiati e Lena acabaram encontrando o seu caminho e participaram juntos de grandes coberturas, como a dos maiores festivais de jazz da época. No 1º Free Jazz, o close que fez de um Chet Baker envelhecido, a três anos da morte, ganhou a capa do caderno cultural do Valor Econômico. A foto do Chet rejuvenescido tocando trompete no gran finale do evento foi usada por Walter Salles como capa do livro do fotógrafo (Peter Coyote) protagonista do filme “A grande arte”.
Ainda em 1985, Lena registrou o lendário “duelo no Montreux Corral” entre João Gilberto e Tom Jobim. No ano seguinte – ainda se recuperando do parto da filha Natasha – viajou de Montreux a Londres para cobrir o casamento do Príncipe Andrew; nas horas de folga fez um ensaio de treze páginas para a série Viagens Imaginárias, “A Londres de Sherlock Holmes”. De volta ao Rio para o Free Jazz, seguindo uma ideia da revista Life durante o Live Aid, Lena montou um estúdio no Hotel Nacional pelo qual fez passar para fotos posadas as estrelas do 2º Free Jazz, veteranos como Gerry Mulligan e revelações como Wynton Marsalis e Stanley Jordan.
Uma foto de Miles Davis em Montreux, um halo mágico envolvendo o bocal do trompete, ilustrou uma caixa de doze K7s da Sony Music, num projeto gráfico premiado. Em quinze anos de festivais, depois de obter a foto definitiva do músico tocando, ela cultivou o hobby de fotografar o calçado de cada um. A “brincadeira” foi levada a sério e rendeu uma exposição (no Rio e em Brasília), “Aos pés do jazz” - em que o sapato refletia admiravelmente a personalidade do artista.
Lena fotografou também grandes nomes da música brasileira, com retratos consagrados de Ivan Lins, Nara Leão, Artur Moreira Lima e Arrigo Barnabé. Um dia, a caminho da casa de Hermeto Pascoal, parou numa loja do Catete e comprou um pano preto que serviu de fundo para uma foto do Bruxo tocando bombardino com um papagaio empoleirado na campana do instrumento.
O casal sofreu um dia insólito episódio de bullying patronal quando Muggiati ia partir com a família para o repouso no chalé de Itaipava antes de encarar mais um fechamento da edição de Carnaval. Toca o telefone, era Adolpho, meio desenxabido queixando-se de que sertanejos não eram matéria para a Manchete. Foi o mago das finanças da Rede Manchete – conhecido como “a raposa escolhida para cuidar do galinheiro” – quem levantou a maledicência de que os Muggiati estavam levando propina para publicar matérias sobre as duplas sertanejas. A nova sensação da música brasileira não precisava da Manchete, essa é que precisava dos sertanejos para vender revistas.
Esta evidência veio à luz quando Jayme Monjardim escolheu a temática sertaneja para a novela que sucederia o fenômeno “Pantanal”: “Ana Raio e Zé Trovão”. O castigo veio literalmente a cavalo com o espetáculo – bizarro e bisonho – de Adolpho Bloch e Anna Bentes fantasiados de vaqueiros distribuindo chapelões no lançamento de gala da novela.
Gugu Liberato pleiteava em 1995 um canal de TV e Lena foi escalada para fazer uma foto de capa. Embora sofresse na época a doença do pânico, ela se aventurou a atravessar o Viaduto do Chá até a Praça do Patriarca, o local da megalópole com mais transeuntes por metro quadrado. Sabia o que queria e encontrou no camelódromo da praça: um apontador de lápis no formato de um aparelho de TV. O maleável apresentador, líder absoluto do Ibope na época, topou posar com o brinquedinho. A foto foi capa da Manchete e da Amiga – um comentário irônico sobre a audácia do jovem de 36 anos que brigava por um canal próprio de TV para competir com magnatas como Roberto Marinho, Adolpho Bloch e Silvio Santos.
Depois de ver desfilarem por suas lentes jazzistas, sertanejos, televisivos, escritores e empresários, Lena se dedicou aos animais, que considerava mais confiáveis que os humanos. Passou os dois últimos anos da carreira no Jardim Zoológico do Rio, fotografando as mais variadas espécies para a revista Geográfica Universal. E conseguiu um feito alcançado por ninguém: a amizade do lendário Macaco Tião, com quem conversava por horas, sabe-se lá em que língua.
Lena Muggiati morreu de pneumonia aos 74 anos numa casa de repouso de Correias, RJ, no dia 30 de maio.