sábado, 3 de setembro de 2022

Muggi das crises gourmet: Omelete de alcaparras • Por Roberto Muggiati

 


É fatal parecer faminto, as pessoas sentem vontade de lhe dar um pontapé. ”

GEORGE ORWELL

Na pior em Paris e Londres” (1933)




O apelido, é óbvio, ganhei do Alberto de Carvalho. Sua fabulosa máquina de inventar codinomes seguia critérios rigorosos: o apelido precisava ter um gancho na atualidade e caber como uma luva no recipiente. Mogi das Cruzes estava em evidência na época não lembro por que, e eu, como editor da revista Manchete, vivia assolado por todo tipo de crises. Passemos à receita:

Já ouviram falar de alguém que tenha feito uma omelete de alcaparras? “A fome é a mãe da invenção, ” reescrevo a frase de Platão.

Fiz recentemente uma meia-sola bucal que me custou os olhos da cara. O problema é que afiei os dentes para comer, mas fiquei sem comida para morder.

A situação lembra o conto de O. Henry, aquela troca de presentes de Natal dos pombinhos: a mulher corta as belas melenas e as vende para comprar uma corrente de ouro para o relógio de bolso do marido. Ele penhora o relógio para comprar uma luxuosa escova para os cabelos da amada.

Faltando ainda uma semana para o pagamento da aposentadoria a geladeira já está quase vazia. Encontrei ainda dois ovos, na medida para uma omelete pequena – mas do que? Restava um pote de alcaparras encostado, porque o peixe anda muito caro. Peguei uma dúzia de bagas, poupando a sobra para necessidades futuras. Aumentei o volume dos ovos batidos acrescentando um pouco de leite engrossado com maisena. Fiz a omelete na manteiga, ficou uma beleza. Nem precisei salgar, as alcaparras marinadas deram conta do recado. Achei ainda um restinho de cebolinha do cheiro-verde, piquei e salpiquei sobre a omelete.

Só o nome do recheio já me dava água na boca: al-ca-pa-rra, uma das centenas de palavras que herdamos dos quase oito séculos (711-1492) de ocupação árabe da Península Ibérica (Al-Andalus). Alcaparra nas outras línguas não leva o artigo al, confiram: câpre (francês), capperi (italiano), caper (inglês), Kaper (alemão), kappertje (holandês), kapari (turco), kapris (finlandês), kapribogyó (húngaro), keppā (japonês) – e vamos parando por aqui.

Ah, sim, ia esquecendo: o ingrediente principal que torna o prato apetitoso é a fome. Sim, devo admitir que nos últimos finais de mês tenho me juntado às hostes dos 33 milhões sem ação (sem ração, logo sem nação) que passam fome neste país. Como se trata, por enquanto, de uma condição provisória, eu até a glamurizo rotulando-me como um nouveau famélique, um upgrade (na verdade downgrade) do nouveau pauvre do século passado (Frantz Fanon, o autor de Les Damnés de la Terre/Os condenados da terra, teria adorado o conceito.) Mesmo de barriga vazia, nunca perdemos o humor...
  

Um comentário:

J.A.Barros disse...

Nunca mais vou comer omeletes de ovos, depois de ver esse omelete de alcaparras.