sábado, 10 de janeiro de 2015

Cadê a notícia que estava aqui?

por Flávio Sépia
Por contenção de gastos ou por avaliar que não vale o investimento, a cobertura internacional das TVs abertas anda acomodada. Raramente, os correspondentes vão aonde a notícia está, mesmo diante de acontecimentos marcantes. É comum fatos relevantes, como as manifestações do Egito, há quatro anos, parte da chamada Primavera Árabe, serem "cobertos" por um repórter que fala da Quinta Avenida, em Nova York, obviamente dando um CtrlC nas agências de notícias. A crise da Ucrânia, mais recente, foi descrita em detalhes, na maioria das entradas, por um repórter que estava a quilômetros de distância, nas ruas de Londres, com o Parlamento ao fundo. Também colhendo informações na base do copia e cola, certamente. Às vezes, há até uma sutileza cenográfica: um correspondente relatou o desaparecimento de um avião no mar, narrando o fato direto de uma capital a quilômetros de distância e com o "cuidado" de falar à beira do... mar, provavelmente, para dar um "clima" correlato à "cobertura".
No caso do atentado ao Charlie Hebdo, em Paris, e à caçada que se seguiu, com terroristas cercados em uma gráfica e outro criminoso em um mercado, destacou-se a cobertura da Globo News. Talvez o único canal brasileiro que tentou acompanhar de perto - e em certos momentos o fez muito bem -  a dinâmica dos acontecimentos. Houve nítido revezamento de equipes próprias dia e noite. Mandou bem. Não falo da estratégia cansativa de reunir "especialistas" do estúdio e passar análises quase sempre superficiais sobre o assunto. A Globo News fez isso também, e foi chato como quase sempre: "especialistas" em segurança, em política internacional, em religião, limitavam-se a teorizar, especular, obviamente sem informações detalhadas sobre os acontecimentos. Um papo de vizinhos, algo assim. Enquanto falavam e falavam, os telespectadores que queriam saber como estava a caçada aos terroristas roíam as unhas ou mudavam para a CNN. Mais eficiente foi a interpretação "quente" que a Globo News conseguiu adicionar à cobertura com seus jovens repórteres, em Paris, contextualizando a notícia, com clareza, no ato - o que não deve ser fácil naquelas circunstâncias- , praticando mais jornalismo e menos academia. Já as TVS abertas, especialmente a Globo, pareciam meio à deriva.
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A Globo deslocou de Londres uma correspondente aparentemente mais habituada a coberturas mais "leves", shows, desfiles de moda, espetáculos, features, entrevistas em estúdios. Não deu certo e a repórter é a menos culpada. Ela foi criticada até pela inexperiência exemplificada por alguns comentários na revelação de que era trainee há pouco mais de seis anos. Em um episódio que virou viral na rede, embora a 300 metros da cena (no mercado de produtos judaicos), vazaram aúdio e imagem em que ela admite que não tem novas informações porque está "sem internet". Sua fonte crucial naquele momento eram as mesmas fontes, de resto, a que milhões de brasileiros acessavam naquele momento e nesses tempos de informação sem fronteira. No vídeo vazado, a repórter se assusta com uma explosão ou tiros e mostra-se extremamente nervosa. Comenta depois, com singela naturalidade, que se assustou porque nunca havia ouvido tiros na vida. No vídeo, pergunta aos colegas se eles ouviram a explosão, que denunciava  exatamente o momento em que a polícia invadia o mercado. A jornalista foi criticada na rede por estar, na avaliação dos internautas, lendo notícias no celular. Talvez por isso, ainda abalada, tenha entrado ao vivo no Jornal Nacional permitindo que a câmera enquadrasse ostensivamente (o que não é comum), o seu "caderninho" de anotações. Talvez para mostrar que o smartphone vilão dos trend topics de ontem era de "papel". Claro que nenhuma jovem repórter, ainda mais com poucos anos de atividade, tem obrigação de ser uma Christiane Amanpour, da CNN. Desconte-se também o fato de que um canal de notícias por assinatura pode dedicar muito mais tempo a um acontecimento. A Globo até reforçou a equipe - pelo menos uma âncora que estava em férias na Europa apresentou-se para trabalhar -  mas a notícia rolou com tal velocidade que o prejuízo já estava contabilizado.
Em meio à mobilização de profissionais de tantos veículos, foi espantoso que jornalistas do canal francês BFMTV tenham se dado bem com uma ideia bem básica, bem beabá, que não ocorreu à concorrência: telefonaram para a gráfica onde estavam os irmãos Chérif e Saidi Kouachi, foram atendidos e fizeram algumas perguntas a Chérif, que respondeu. Simples assim. Entre outras coisas, o terrorista falou que era defensor e vingador do profeta. "Se alguém ofender o profeta, nós podemos matá-lo".
Uma grande manifestação está prevista para amanhã, em Paris. Os franceses estão mobilizados, segundo a mídia local, e querem dar uma demonstração de que o terror não sufocará a liberdade. Chefes de Estado europeus estarão presentes. É a notícia anunciada, E a chance de as TVs abertas trocarem a zona de conforto por mais jornalismo. Isso, sem falar que a encrenca não acabou. A polícia francesa caça a terrorista que escapou.

Atualização - Segundo a imprensa francesa, Hayat Boumeddiene, namorada de Amedi Coualibaly, um dos terroristas mortos, pode estar na Síria. Autoridades turcas suspeitam de que uma jovem com perfil semelhante cruzou a fronteira da Turquia com a Síria no mesmo dia em que o namorado matou uma policial francesa. Mas a polícia francesa ainda busca a suspeita em território francês, até que se confirme a veracidade da informação, e tenta localizar outros possíveis integrantes de células terroristas residentes.
Do Huffington Post-Reprodução

5 comentários:

Bruna disse...

Coitada, errar é humano

Ebert disse...

No caso da repórter, é compreensível, mas concordo que quem mandou ela pra lá pode ter errado

Helio disse...

Os mais antigos como Pedro Bial, Sandra Passarinho e outro , me lembro que iam aos locais, não havia esse negócio de ficar no ar condicionado ou no aquecimento chupando informações de outras mídias.

João Ricardo disse...

A mídia impressa e a TV aberta não sabem como enfrentar a internet. Ficam aderindo com interação, tuitizinho, facezinho e esquecem de fazer bom jornalismo e de mandar repórter a campo, tudo meio fast food e pasteurizado. Estão aí demitindo jornalistas experientes, que fazem diferença no conteúdo

Tales disse...

concordo, é muito falatório, gente falando blá blá blá sobre o que a TV tá mostrando como se nós fossemos cegos