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| Imagem de divulgação reproduzida do Instagram |
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| Foto COI/Divulgação |
A Carta Olímpica, uma espécie de Constituição da Olimpíada, é clara: o Artigo 50 do documento estabelece que não é permitida em qualquer instalação olímpica qualquer forma de manifestação ou propaganda política, religiosa ou social. A Carta é um guia para todos os países que participam das competições.
Apesar disso, o exibicionismo religioso tem tentado nesta edição dos Jogos, quebrar esse princípio. A Olimpíada reúne atletas das mais diversas culturas, fé, ideologia e raças. Contaminar uma festa universal de congraçamento esportivo com proselitismos particulares equivale a introduzir no ambiente esportivo gatilhos de divisão, conflito e até ódio.
Um assunto que dominou a mídia e as redes sociais foi um dos elementos artísticos da abertura oficial dos Jogos. Católicos e evangélicos reagiram com desproporção equivocada a uma suposta releitura da "Última Ceia", que incluía um "ofensivo" painel da diversidade de gênero. A intolerância levou os religiosos a uma interpratação deturpada da representação artística. Segundo o cerimonialista e diretor criativo da cerimônia inaugural, Thomas Jolly, o que o fundamentalismo viu como paródia da "Última Ceia" foi uma cena de banquete de Dionísio. Representado pelo ator francês Philippe Katerine o deus grego surgiu pintado de azul em uma mesa - móvel comum a qualquer banquete e não apenas à citada ceia - cercado de drags queens e dançarinos em uma festa pagã. "A ideia era fazer uma grande celebração ligada aos deuses do Olimpo", disse Jolly em uma entrevista ao canal francês BFM. "Eu queria uma cerimônia que unisse as pessoas, que as reconciliasse, mas também uma cerimônia que afirmasse nossos valores de liberdade, igualdade e fraternidade". Ele acrescentou que tudo isso estava claro na representação. "Dionísio apareceu nessa mesa como o deus da festa, do vinho, e pai de Sequana, deusa relacionada ao rio Sena". Historiadores confirmaram nas redes sociais a presença de detalhes do quadro a "Festa dos Deuses", de Giovanni Bellini (1514). Em todo caso, os organizadores da cerimônia pediram desculpas diante de eventuais interpretações mesmo erradas e negaram intenção de desrespeitar religiosos.
A propósito, releituras da Última Ceia nem são novidade e nem carregam obrigatoriamente ofensa à fé de quem quer que seja. Veja, abaixo, alguns exemplos dessas paródias bem-humoradas. Além do que as reproduções mostram, há muitas paródias. O histórico painel de Ziraldo nas paredes do Canecão mostrando a chopada dos personagens cariocas é uma dessas inspirações que vêm da bíblia para o humor contemporâneo..
| Turma da Mônica/Divulgação |
| Super-heróis. Do site Sanatório da Imprensa/Criação: Wanderley Freitas |
| Aparentemente sem ligação com o episódio da abertura da Olimpíada, mas em direção contrária à laicidade da Olimpíada, o COB (Comitê Olímpico do Brasil) teve seu dia de exibiconismo religioso. Acompanhando uma foto de integrantes de delegação (abaixo) uma das integrantes da direção assinou um post de caráter religioso. |
| Reprodução/Time Brasil |
| Reprodução TV/COI |
Na capa do Globo, Gabriel Medina sobre as ondas. A foto feita por Jérôme Brouillet, da France Press, em Teahupoo, globalizou nas redes sociais e nos principais jornais. O francês estava em um barco com mais nove fotógrafos, mas só ele captou o exato milésimo de segundo em que Medina decolou após sair de um tubo que lhe valeu uma pontuação de 9,90, a maior até aqui em Olimpíada.
Carros de luxo são a nova arma de playboys da elite paulistana contra os desfavorecidos? Em dois casos recentes Porsches assassinos mataram um motorista de aplicativo e um motociclista. Provavelmente com seus condutores aditivados de álcool ou drogas, além da raiva. Desentendimentos em trânsito já figuram como agentes de homicídios nas estatísticas após o derrame de armas promovido pelo governo Bolsonaro. O sujeito leva uma fechada e sai do carro de pistola em punho ou até um fuzil também liberado para civis aloprados. Um espelho retrovisor quebrado pode significar uma sentença de morte. A novidade é que, se houver falta de bala, um Porsche com calibre de guerra serve como arma na mão desses playboys desvairados. Aparentemente, quanto maior a conta bancária, mais os portadores dos carros vingadores pensam que têm licença para matar.
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| Reprodução de imagem da NBC |
* "Cristãos, saiam e votem! Só desta vez - vocês não terão que fazer isso mais".
* "Querem saber de uma coisa? Tudo será consertado! Vai ficar tudo bem. Vocês não precisarão mais votar, meus lindos cristãos. Eu amo vocês."
Essas foram as palavras de Trump dirigidas a um grupo radical de cristãos chamado Turning Point Action em West Palm Beach, no estado da Flórida.
Comentário do blog - Pela primeira vez os delegados estaduais. Sim, porque no confuso sistema eleitoral, o eleitor não decide; o vencedor no voto popular pode ser superado pelo voto dos delegados. O legislador demonstrou não confiar no povo e colocou uns trava para regular a vontade dos cidadãos e evitar surpresas fora do bipartidarismo dominante. Kamala Harris tem chance, mas precisa conquistar mais delegados do que Trump, de preferência abrir uns vantagem segura. Trump mesmo na sua disputa contra Hillary Clinton perdeu no voto popular e venceu entre os delegados estaduais. Dependendo do estado, o voto do eleitor vale menos ou mais. No que lhe compete, o eleitor estadunidense vai escolher entre um condenado que não hesita em manifestar suas posições neofascistas na política externa, no ambientalismo, na imigração, nos costumes, na política econômica que privilegia os grandes grupos, na liberação das armas e na contaminação religiosa do Estado. Um segundo mandato de Donald Trump.cai impactar os Estados Unidos por décadas. O magnata poderá dar à Côrte Suprema uma poderosa marca conservadora e neofascista; poderá dar um aval a Israel para a limpeza étnica definitiva do, para a extrema direita israelense, incômodo povo palestino. Aparentemente, Kamala equilibrou a disputa. Mas o suspense persistirá até novembro.
Observem que a capa do Estadão captou a plasticidade e o dado jornalístico da foto. O Globo dançou. Partiu para uma técnica da primeira metade do século passado: recortou a melhor foto que o jornal teria para aquele dia. A goleira do time brasileiro de handebol, Gabi Moreschi, defende uma bola na ponta do pé. Ângulos perfeitos, enquadramento ágil. O fotógrafo da AFP, Antonin Thuillier, autor da imagem, não viu o "crime" do Globo ou se suicidaria no Sena e deixaria uma mensagem indignada para o editor da primeira página.
| A comemoração do primeiro título em 1982, em parceria com Lícia Lacerda . Foto Manchete |
| Em 2000, com a faixa de campeã pela Imperatriz. Foto: Manchete |
* Na segunda foto (**), o orgulho ao posar com a faixa de campeã, em 2000, também pela Imperatriz.
Seu último título aconteceu em 2013, quando levou a Vila Isabel a brilhar na avenida. No carnaval de 2023, sua derradeira participação. assinou o desfile da Paraíso de Tuiuti. Rosa Magalhães sofreu um infarto, hoje, aos 77 anos, no seu apartamento em Copacabana.
A marquesa da Sapucaí deixa um legado nobre para as escolas: o respeito à cultura popular e o talento para contar a História. Assim, com H maiúsculo.
(*) (**) - Infelizmente não foi possível registrar a autoria das fotos, que a Manchete costuvava creditar à equipe escalada para a cobertura geral do carnaval.
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| Foto de Cartier-Bresson na capa do LP de Bill Evans [Reprodução] |
Lembro bem as águas do Sena quando – estudando jornalismo com uma bolsa do governo francês – tive a sorte rara de morar no pequeno City Hôtel, na Île de la Cité, ou seja, no centro da foto perfeita de Henri Cartier-Bresson, o mestre do clic zen, daqueles flagrantes roubados em pleno movimento, numa pirueta visual de que só sua cabeça, seu olho e seus dedos eram capazes. Em 1951, excepcionalmente, ele fez uma foto em que o ser humano era completamente anulado pela paisagem: uma vista da Île de la Cité, tomada do Pont des Arts, uma passarela para pedestres, de notoriedade recente –ficou ameaçada de cair por causa do peso dos cadeados de namorados atrelados em suas muretas. A foto é uma obra-prima da composição, céu e rio cortados horizontalmente pelo Pont Neuf e, no centro exato, a ponta da ilha se projeta como a proa de um navio. A riqueza de tonalidades cinzentas é fabulosa. Cartier-Bresson fez cópias da imagem como se fossem tiragens de uma gravura, emoldurando-as com um fio e assinando cada uma. Segundo ele, as cópias foram feitas em “couleur de Loire”, um tom que foi rebatizado “cinza Cartier-Bresson”. Concentrando-se na paisagem e omitindo daquele universo seus costumeiros personagens vivos e saltitantes, Bresson reduz o ser humano a pequenos pontos negros perdidos naquela massa geométrica cinzenta, um comentário sutil sobre a total inutilidade do indivíduo. A foto ilustrou a capa de um álbum do pianista Bill Evans gravado em Paris, a capital mundial afetiva do jazz.
| Amarrando o sapato debaixo do chorão na ponta da ilha, o Pont Neuf ao fundo [Arquivo pessoal] |
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| Trecho do romance Nadja que fala do City Hôtel e foto da praça [Reprodução] |
“Esta Place Dauphine é um dos lugares mais profundamente retirados que conheço, um dos piores terrenos baldios que existem em Paris. Toda vez que estive lá, senti abandonar-me pouco a pouco o desejo de ir para outro lugar, precisei argumentar comigo mesmo para me livrar de certas amarras muito doces, agradáveis, insistentes e, no fundo, destruidoras. Além do mais, morei algum tempo num hotel nesta praça, “City Hôtel”, onde as idas e vindas a toda hora, para quem não se satisfaz com soluções simplistas, são suspeitas.”
Mon cher André, ficar sabendo que, 33 anos depois, morei no quartinho da mansarda do City Hôtel, com vista para o Louvre, dormindo as poucas horas que dormia no mesmo colchão em que você dormiu, me traz uma sensação muito forte de pertencer, de uma forma física, ao que de melhor a cultura do século 20 ofereceu. Só me resta arrematar com a frase final e definitiva de Nadja:
La beauté sera CONVULSIVE ou ne sera pas. (A beleza será CONVULSIVA ou não será nada.)
Lembro as águas do Sena – antes sequer de sonhar em morar na ilha – em minha primeira incursão, com amigos da Cité Universitaire, numa noite fria de janeiro na calçada que margeia o rio – Gene Kelly dançou ali com Leslie Caron em Sinfonia de Paris – e de repente uma cena bizarra nos arranca do nosso enlevo: uma mulher com vestido da belle époque se atira no rio do alto da ponte ao lado da catedral de Notre Dame. Só um ano depois, num cinema de São Paulo, fiquei sabendo que era uma dublê de Jeanne Moreau na filmagem de Jules e Jim.
| Com Helena Costa nos buquinistas do Sena [Arquivo pessoal] |
No início de fevereiro, de temperaturas historicamente amenas, parisienses acorriam para nadar nas águas do rio.
Lembro do Sena no início da primavera lambendo os galhos dos salgueiros chorões no Square du Vert-Galant, onde eu sentava num banco de madeira para ler os novos lançamentos dos autores beat da City Lights Bookshop de San Francisco, comprados ali perto, também às margens do Sena, diante da majestosa rosácea da Notre Dame, na livraria Le Mistral , hoje Shakespeare and Company . (É no Vert Galant que se passa o conto de Júlio Cortázar Las babas del diablo, inspiração do filme Blow-Up, que Antonioni ambientou na Swinging London. Bolsista em Paris em 1951, Cortázar rompeu com a ditadura argentina e ficou na França até morrer, em 1984.)
Lembro as águas do Sena, os beats estavam em Paris, num hotel decrépito na viela medieval Gît-le-Coeur, a poucos passos do rio. A viúva Rachou não tinha sequer um nome para sua espelunca, que virou Beat Hotel, sugestão do poeta Gregory Corso. William Burroughs ficava no quarto, afagando o gato e se drogando. Allen Ginsberg morava com o companheiro Peter Orlovsky, eu o abordei um dia – todo de preto, a gola da camiseta branca sobressalente lhe dava um ar de clérigo – esquivou-se e sumiu correndo.
| Bombom Campos Malle no seu apartamento em Paris, anos 70 [Arquivo pessoal] |
A verdade do affaire Bombom-Bernard eu conheci bem mais de perto, na carne: Bombom decidiu ter um caso comigo só para enciumar o amante. Podres de rico, os Malle eram fornecedores de açúcar de beterraba do Imperador desde os tempos de Napoleão. Bombom deu o cheque-mate numa noitada comigo no New Jimmy’s, a discoteca da Régine. Bebemos o melhor champanhe e Bombom pendurou a despesa na conta de Bernard. Nunca mexa com o bolso de um francês. O plano de Bombom deu certo e ela já estava de casamento marcado com Bernard naquela tarde em que ouvimos de mãos dadas Monk tocar ao piano April in Paris, um solo genial de um minuto e quinze segundos, cada nota e cada silêncio perfeitos, a gravação sempre me reconduz àquele momento mágico. Bombom me abandonou como um traste velho sem deixar um traço, nem mesmo um pentimento do seu Chanel N° 5, e partiu para a Índia, onde o irmão trabalhava na embaixada do Brasil. Viciado naquela doce vida de sexo, vinho e jazz, vi meu mundo desabar. Bebi o dia inteiro e naquela noite caminhei até o Sena no local onde existia a Torre de Nesle, do alto da qual as devassas princesas de Borgonha – as irmãs Blanche, Marguerite e Jeanne de Navarra – mandavam jogar seus jovens amantes depois de uma noite de orgia. Desci os degraus até o rio e fiquei a mirar o reflexo do meu rosto nas águas poluídas. Fui arrancado do meu torpor pelo som de um saxofone acariciando a mais bela melodia do jazz, Round Midnight. Era Barney Wilen, meu vizinho, com as janelas abertas na noite abafada. Hipnotizado pela canção, dei meia-volta, marchei rumo ao boulevard Saint-Germain e fui repensar a vida. Sentei-me num restaurante de calçada diante de uma travessa de ostras frescas e uma taça de vinho branco gelado. O francês é sábio: não há chagrin d’amour que resista ao instinto do bon goûter e da joie de vivre. Meu projeto de suicídio foi adiado sine die com relativo sucesso.
Lembro as águas do Sena na noite de 24 de abril, os generais de direita da Argélia articulavam um putsch para invadir Paris e tomar o poder. Voltando do lançamento do livro American Express, de Gregory Corso, encontrei todas as pontes que levavam à Île de la Cité bloqueadas por fileiras de ônibus, sucata dos anos pré-guerra, e centenas de gendarmes – com suas casquettes e pélerines antiquadas – fazendo a triagem de cada passante: “Vos papiers, s’il vous plaît?” Felizmente, naqueles tempos conturbados, eu andava sempre com o passaporte e a Carte de Séjour de bolsista, e pude dormir o sono dos justos no meu quartinho do City Hôtel.
Na noite de autógrafos do Gregory Corso conheci uma francesa de vinte anos, Jacqueline. No dia 1º de maio, passeávamos de mãos dadas pelos Champs Elysées, o feriado era conhecido também como o dia do Muguet de Mai. Era costume a namorada colocar na lapela do seu jules um buquezinho de muguet (lírio-do-vale). Jaqueline comprou um num dos quiosques que se alinhavam pela avenida e espetou na lapela da jaqueta de camurça do meu figurino existencialista. Com feromônios e testosterona a mil, seguimos em direção do palacete do embaixador Paulo Carneiro, que tinha as portas literalmente sempre abertas. Logo Jacqueline e eu nos pusemos à vontade e deitamos e rolamos nos sofás do salão rococó.
A mulher de Paulo não quis morar em Paris quando ele foi nomeado embaixador do Brasil junto à Unesco. Vivendo assim em confortável solteirice, Paulo sabia muito bem os usos galantes que sua entourage fazia de sua casa, por isso – um perfeito gentleman – costumava chegar sempre assobiando alto para alertar os eventuais transgressores. Jacqueline e eu nos recompusemos a tempo e saudamos o dono da casa, que apenas sorriu de leve.
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| Maria Lúcia Dahl [Arquivo pessoal] |
| Marília Carneiro [Arquivo pessoal] |
Caminhamos de mãos dadas às primeiras luzes daquele dia de primavera pelo Jardin des Tuileries, Joaquim Pedro e Maria Lúcia, eu e Marília, que casaria em breve com o filho do embaixador, Mário Carneiro, mas se sentia desculpada pelo noivo no outro hemisfério.
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| Os três amigos no boulevard Saint-Germain: Olli Heikkinen, Peter Jay Solomon e Roberto Muggiati [Arquivo pessoal] |
| Foto com o jornal sobre a morte de Hemingway [Arquivo pessoal] |
Em meus seis meses de City Hôtel, por contingências monetárias, ocupei vários quartos. O melhor foi uma mansarda no quinto andar com vista para o Sena e o Museu do Louvre. Na última etapa, acabei relegado a um cubículo de 4×4 metros, sem janelas, com um piso de lajotas de argila hexagonais. (Ironicamente, a França é conhecida como Hexágono, pela forma do seu mapa.) Numa tarde de verão, dublê de cinéfilo e jazzófilo, decidi ir a um cineminha do Boul’Mich’ assistir ao filme do fotógrafo da revista Life Bert Stern, Jazz on a Summer’s Day, a mãe de todos os rockumentários sobre os festivais do final dos anos 60, como Monterey Pop, Woodstock e Altamont. Filmado durante o Festival de Jazz de Newport de 1958, entrelaçava as apresentações musicais com detalhes pitorescos da plateia e cenas do cotidiano da pacata ilha, que protagonizava nos dias do grande evento. Antes de sair do quarto, dei os últimos repasses na pia, onde lavava meias e cuecas com sabão em pó – uma operação de rotina que batizei de “a espuma dos dias” – mil perdões, Boris Vian, pelo uso tão banal do título de seu belo romance.
Apesar de sua sordidez, o City Hôtel mantinha no térreo um simpático Salon de Thé Le Rigaudon, no lugar do que deveria ser a portaria. Era cuidado por três vieilles dames, assistidas por Monsieur Marcel, seu pau-para-toda-obra, em todos os sentidos. Acolheram-me com chacotas. Tinha acontecido o pior: eu deixara a torneira da pia aberta. O chão do meu pequeno bunker alagou e a água infiltrou para o quarto inferior, caindo nas malas de uma turista sobre um armário. O estrago só não foi pior porque a inquilina estava no quarto.
– Alors, mon jeune homme, on fabrique du papier mâché dans sa chambre? – perguntou uma das garces num tom de deboche. A alusão era à pilha de jornais entulhados num canto do quartinho e que ficaram totalmente encharcados. Explico: meu pai, apesar do orgulho de ter um filho bolsista em Paris, receava que eu perdesse as “raízes” curitibanas, e me abastecia regularmente pelo correio com exemplares da Gazeta do Povo, o jornal onde eu trabalhara durante seis anos, antes de embarcar para Paris. Aqueles tentáculos bairristas me perseguiriam nos dois anos de residência na França e nos três anos seguintes em que trabalhei no Serviço Brasileiro da BBC de Londres.
Esqueci rápido meu vexame, cooptando a frase majestática de Luís 15, “Après moi le déluge!” (“Depois de mim o dilúvio!”). Eu tinha pela frente as férias de verão, o Grand Tour nórdico, Holanda, Escandinávia e Finlândia do sol-da-meia-noite (onde vivi um domingo inesquecível na ilha de Kaunisaari) e o Grand Tour mediterrâneo, o sul da França e a Itália de cabo a rabo, incluindo a Sicília.
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| Grafito numa ponte do Sena: “Aqui afogamos os argelinos” [Reprodução] |
Meu último momento mágico em Paris foi em 19 de novembro de 1961, um sábado, quando assisti ao quarteto de John Coltrane, acrescido do saxofonista, clarinetista e flautista Eric Dolphy, na sua primeira turnê europeia. Era a nova fase de Coltrane, experimentando a sonoridade diferente do sax soprano e improvisando por mais de meia hora sobre o tema My Favorite Things, do musical da Broadway The Sound of Music.
Tive a sorte naquela noite de presenciar um espetáculo extramusical no intervalo dos shows. Numa épicerie ao lado do Olympia, num smoking bem cortado, Coltrane exercitava os dedos e os dentes num ovo duro. Do lado de fora, uma pequena multidão se comprimia para assistir ao espetáculo – os fãs mais açodados com o nariz colado à vitrina. Flagrar o ídolo numa atividade banal é um privilégio raro. Guardo com carinho a lembrança daquela noite, principalmente porque os dois gênios se foram cedo: Dolphy em 1964, aos 36 anos; Coltrane em 1967, aos 40.
Ao voltar, encontrei o horizonte brasileiro sobrecarregado com as nuvens do golpe militar iminente. Ainda guardava, intensas em mim, as memórias de Paris e daqueles tempos tumultuados, mas felizes, em que as águas do Sena assistiam a tudo impassíveis e soberanas. Ninguém descreveu o rio lendário melhor do que o poeta Jacques Prévert, nascido em Neuilly-sur-Seine: “La Seine n’a pas de soucis/Elle se la coule douce/Le jour comme la nuit/Et s’en va vers le Havre/Et s’en va vers la mer/En passant comme un rêve/Au milieu des mystères/Des misères de Paris". Em tradução literal: “O Sena não tem apreensões/ Ele corre docemente/De dia e de noite/E segue rumo ao Havre/E segue rumo ao mar/Passando como um sonho/Em meio aos mistérios/Às misérias de Paris.”
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| Trump com novo modelo de curativo. Reprodução CNN |
Donald Trump é o candidato mais velho a concorrer a presidente dos Estados Unidos. É, também, o primeiro condenado pela justiça a tentar a Casa Branca. E poderá ser o primeiro a usar um esparadrapo na orelha durante mais tempo. Ferido de raspão por um lunático tipo um "Adélio gringo" (a polícia americana ainda não encontrou motivação política no atentado), ele tem caprichado na visibilidade do esparadrapo sempre branco e que virou peça de marketing de campanha. O "gado" (cattle) trumpista passou a usar curativos em solidariedade ao magnata.
Trump parece tão apegado ao esparadrapo que estreou um novo modelito de formato quadrado, como a CNN mostrou. Seu staff não anuncia uma data para a orelha subir no palanque sem o curativo.
Os republicanos andam insatisfeitos porque o atentado já não é destaque na mídia e foi superado pela desistência de Biden e indicação de Kamala Harris. Se depender dos eleitores Trump usará o acessório até novembro e irá votar portando a peça que lembra o tiro. Definitivamente, a orelha tornou-se uma entidade política.
por Pedro Juan Bettencourt
Uma Olimpíada não acontece de surpresa. Certo? Para o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) parece que só receberam o aviso sobre os jogos de Paris ontem. No momento em que deviam estar concentrados apenas nos treinos e na adaptação aos locais de competição, clima, fuso horário e na alimentação adequada os atletas estao às voltas com kit insuficiente de uniformes. Os fabricantes jogam a responsabilidade para o COB. E o COB bota a culpa nas federações de cada modalidade. Trata-se incompetência dos dirigentes e uma tremenda falta de respeito do COB (afinal, a entidade brasileira máxima e privada encarregada de supervisionar toda a preparação, acima das federações) com os atletas. A irresponsabilidade se soma ao escândalo estético que é o estilo dos uniformes criados pela grife bolsonarista Riachuelo para o desfile inaugural da Olimpíada. De extremo mau gosto, ultrapassados, parecem desenhados por um fundamentalista fanático. O troço não combina coisa com coisa. Um das versões incorpora algo como um babador triangular gigante. Outro é um estranho conjunto de saia da vovó e jaqueta de guardador de carro, sem ofensa. O ápice é calçar os atletas com sandálias Havaianas.
As meninas do vôlei não vão participar do desfile de aberto no Sena. Alegam que pode ser cansativo, passarão muito tempo em pé e nesse momento toda energia é necessária. Sorte delas: não viverão o vexame de vestir o uniforme mais grotesco, para dizer o mínimo, entre todas as delegações. Para poupar os leitores não mostro fotos das esquisitices. Este blog mesmo já mostrou e as imagens estão nas redes sociais recebendo uma montanha de crítica.
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| Reprodução Instagram |
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| Reprodução Instagram |
| Rio, 1960: Sartre e Simone de Beauvoir. Foto de Gil Pinheiro/Manchete |
| Simone de Beauvoir não gostou de ser flagrada. Foto de Gil Pinheiro/Manchete |
Em 1960 o fotógrafo Gil Pinheiro, da Manchete, foi escalado para seguir os passos de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, no Rio. Depois de algumas horas de plantão no hotel, Gil acompanhou o casal em direção à orla de Copacabana. Sartre havia visitado o parque gráfico da Bloch, em Parada de Lucas, onde foi fotografado em ambiente interior e entrevistado pelo diretor da revista, Justino Martins. Apesar disso, a Manchete precisava - para uma segunda reportagem, de Paulo Mendes Campos - de imagens externas em um cartão postal carioca. Avessos a fotos, eles não toparam. Daí, a solução foi partir para um paparazzo, digamos, culto, dos escritores. A revista não era muito adepta do gênero, preferia fotos mais trabalhadas, em cores. Mesmo assim, se fosse preciso, adotava o recurso de fazer flagrantes, geralmente de atrizes, em visita ao Rio. Naquela década, publicou fotos de, entre outras estrelas, Mylène Demongeot, o então monumento francês, na praia. Claudia Cardinale e Brigitte Bardot também foram seguidas e retratadas, mas nunca um filósofo havia merecido a atenção de um fotógrafo ao estilo paparazzo. O fotojornalista Gil Pinheiro cumpriu a missão, clicou o casal, que saiu do hotel duas vezes, mas não conseguiu trabalhar com discrição, como a redação lhe pediu. Foi descoberto por Simone de Beauvoir. Em uma das fotos acima, vê-se que a escritora não escondeu sua irritação.
A internet é indispensável, mas não há como negar que deixa terra arrasada em costumes, comportamentos, funções, instrumentos, empregos, equipamentos e métodos. Uma das vítimas é o paparazzo. Câmeras de rua e celulares captam milhões de imagens e, com frequência registram cenas jornalísticas. Celebridades - que eram um alvo preferencial dos paparazzi - agora fazem seus próprios "flagras" e poses íntimas que postam em seus canais nas redes sociais.
Para os fotojornalistas sobram os fatos e a capacidade de registrá-los com talento como fez o fotógrafo Evan Vucci, da Associated Press, autor da foto icônica e histórica de Donald Trump de punho fechado, bandeira tremulando e traços de sangue no rosto logo após tomar um tiro na orelha. A foto de Vucci ilustrou praticamente todos os veículos do mundo, do New York Times ao Times, da Tribuna de Anta Gorda ao Voiz du Burundi, mas não foi obra de um paparazzo e sim uma clássica foto de oportunidade onde a agilidade e a intuição do fotojornalista, além da sensibilidade para captar a imagem tecnicamente perfeita, foram elementos decisivos. Claro que ele disparou o obturador dezenas de vezes, mas o que há de extraordinário naquela foto é o enquadramento exato de todos os elementos que passaram a mensagem essencial do atentado.
Já o paparazzo, aquele que se especializou em fazer plantão por horas e dias à espera do seu alvo, entrou em processo de extinção. Por dois motivos principais: as mudanças radicais no mercado jornalístico, que abalam o consumo e a cotação de fotos do tipo e a mediocridade do alvos atuais que são influenciadores, modelos fitness, sobreviventes de reality show e subcelebridades em geral.
Se Sartre e Simone de Beauvoir caminhassem no calçadão do Leblon, hoje, correriam muito mais o risco de serem assaltados do que encontrar um paparazzo que os incomodassem.
P.S- Quer saber mais sobre a era de ouro dos paparazzi, os guerrilheiros da imagem? Leia matéria publicada neste blog. Basta clicar no link abaixo.
https://paniscumovum.blogspot.com/2015/04/guerrilheiros-de-imagens-nos-55-anos-do.html
O esforço do ministro da Fazenda Fernando Haddad para tentar taxar milionários e privilegiados que não pagam impostos provocou uma onda de memes que viralizaram na internet. E é essa ação coordenada viral que levanta a suspeita de que os memes foram financiados e impulsionadas por setores acostumados a sonegar impostos ou, no mínimo, praticar a chamada "contabilidade criativa" que dribla a legislação.
Se comprovado que os memes são conteúdo publicitário e foram viraluzados por robôs contratados, o Brasil pode reivindicar o pioneirismo de utilizar uma prática das redes sociais - geralmente espontânea e bem-humorada - como conteúdo publicitário, a chamada matéria paga.
Circulou nas redes sociais e sites a informação de que os uniformes da delegação brasileira para Paris foram fornecidos pelo Ministério do Esporte. O governo federal desmente. Leia a nota oficial.
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| Nostálgico da Jovem Guarda, o COB ressuscita como slogan uma gíria dos 1960. |
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| Uma das opções do uniforme da delegação é, segundo as redes sociais, o look "evangélico". Foto: COB/Divulgação/Reprodução |
por Ed Sá
Por algum motivo, a agência WMCCANN, que criou o slogan da campanha do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), embarcaou em uma trip nostálgica. "Manda Brasa Brasil" dá a impressão de que a qualquer momento Roberto Carlos vai aparecer nas peças institucionais no palco do programa Jovem Guarda dos distantes anos 1960. A opção pelo tempo da vovó também está presente no figurino dos uniformes da delegação, especialmente no look das atletas, uma saia fashion-evangélica que, vai saber, deve homenagear os 100 anos da Olimpíada de Paris de 1924. As meninas parecem estar a caminho do culto ou voltando de um piquenique da turma da igreja. O COB não divulgou o nome de quem criou a estranho modelo. As redes sociais atribuem o look às lojas Riachuelo, empresa cujo controlador é ligado ao bolsonarismo ultra conservador . Outro detalhe: a delegação desfilará no Sena usando sandálias Havaianas. Será demostração de despojamento e humildade? Aviso: atleta humilde demais não ganha medalha.
Ainda como parte do pacote promocional da participação do Brasil no Jogos, o COB escolheu Sabrina Sato como uma das "madrinhas" da delegação. O "cargo" não existe formalmente, mas alguns comitê costumam levar atletas detentores de medalhas de ouro como recurso para aconselhar e motivar estreantes nos ciclos olímpicos. Como Sabrina não é medalhista nem pratica esporte, a motivação é comercial. Ela "concorre' na modalidade merchandising de havaianas. Talvez uma vinculação com algum patrocinador. Segundo o site Terra Sabrina embarcou com 20 malas. Resta torcer para que essa bagagem traga quilos de medalhas olímpicas.