terça-feira, 30 de julho de 2024

Olimpíada não tem pódio para religião, mas proselitismo de crenças se infiltrou em Paris 2024

Foto COI/Divulgação
por José Esmeraldo Gonçalves

A Carta Olímpica, uma espécie de Constituição da Olimpíada, é clara: o Artigo 50 do documento estabelece que não é permitida em qualquer instalação olímpica qualquer forma de manifestação ou propaganda política, religiosa ou social. A Carta é um guia para todos os países que participam das competições. 

Apesar disso, o exibicionismo religioso tem tentado nesta edição dos Jogos, quebrar esse princípio. A Olimpíada reúne atletas das mais diversas culturas, fé, ideologia e raças. Contaminar uma festa universal de congraçamento esportivo com proselitismos particulares equivale a introduzir no ambiente esportivo gatilhos de divisão, conflito e até ódio.

Um assunto que dominou a mídia e as redes sociais foi um dos elementos artísticos da abertura oficial dos Jogos. Católicos e evangélicos reagiram com desproporção equivocada a uma suposta releitura da "Última Ceia", que incluía um "ofensivo" painel da diversidade de gênero. A intolerância levou os religiosos a uma interpratação deturpada da representação artística. Segundo o cerimonialista e diretor criativo da cerimônia inaugural, Thomas Jolly, o que o fundamentalismo viu como paródia da "Última Ceia" foi uma cena de banquete de Dionísio. Representado pelo ator francês Philippe Katerine o deus grego surgiu pintado de azul em uma mesa - móvel comum a qualquer banquete e não apenas à citada ceia - cercado de drags queens e dançarinos em uma festa pagã. "A ideia era fazer uma grande celebração ligada aos deuses do Olimpo", disse Jolly em uma entrevista ao canal francês BFM. "Eu queria uma cerimônia que unisse as pessoas, que as reconciliasse, mas também uma cerimônia que afirmasse nossos valores de liberdade, igualdade e fraternidade". Ele acrescentou que tudo isso estava claro na representação. "Dionísio apareceu nessa mesa como o deus da festa, do vinho, e pai de Sequana, deusa relacionada ao rio Sena". Historiadores confirmaram nas redes sociais a presença de detalhes do quadro a "Festa dos Deuses", de Giovanni Bellini (1514). Em todo caso, os organizadores da cerimônia pediram desculpas diante de eventuais interpretações mesmo erradas e negaram intenção de desrespeitar religiosos. 

A propósito, releituras da Última Ceia nem são novidade e nem carregam obrigatoriamente ofensa à fé de quem quer que seja. Veja, abaixo, alguns exemplos dessas paródias bem-humoradas. Além do que as reproduções mostram, há muitas paródias. O histórico painel de Ziraldo nas paredes do Canecão mostrando a chopada dos personagens cariocas é uma dessas inspirações que vêm da bíblia para o humor contemporâneo..

Turma da Mônica/Divulgação  
Super-heróis. Do site Sanatório da Imprensa/Criação: Wanderley Freitas

Aparentemente sem ligação com o episódio da abertura da Olimpíada, mas em direção contrária à laicidade da Olimpíada, o  COB (Comitê Olímpico do Brasil) teve seu dia de exibiconismo religioso. Acompanhando uma foto de integrantes de delegação (abaixo) uma das integrantes da direção assinou um post de caráter religioso. 

Reprodução/Time Brasil

Reprodução TV/COI

A skatista Raissa Leal, medalha de bronze nos jogos de Paris, quebrou o protocolo ao mandar um mensagem religiosa usando a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Não se sabe se por iniciativa própria ou a pedidos a atleta de 16 anos, em plena apresentação, divulgou a mansagem "Jesus é o caminho, a verdade e a vida". 

Agora imagine o que seria a Olimpíada se muçulmanos, israelitas, praticantes de religiões de matriz afro, budistas, sikhistas, espíritas, baharistas etc  usasem parte dos seus tempos de prova na divulgar suas crenças.

Atualização em 30/07/2024: Barbara Butch, a DJ francesa que participou da performance atacada por radicais (ela aparece com enfeite dourado na cabeça na cena da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris) está recebendo ameaças  de morte por parte da extrema direita religiosa da França.

Atualização em 31/07/2024 - O COI aceitou a alegação de Raíssa Leal de que desconhecia a proibição de fazer proselitismo de religião em ambiente olímpico. A atleta receberá apenas uma advertência.  O COI ainda manifesta seu apoio à liberdade de expressão em entrevistas ou declarações dos atletas fora das competições em respeito à Carta Olímpica.

4 comentários:

Norões disse...

Religião tem que ficar de fora das Olimpíadas. Ou os jogos se tornarão insuportáveis de tanto fanatismo nalucom

Corrêa disse...

Historicamente religião é fator de guerras e mortes desde a era romana. Se invadirem as olimpíadas será o fim desse evento esportivo. Poderão criar os Jogos de Jesus .

Reinaldo disse...

Jesus é o caminho e os que debocham dele vai arder no inferno

Eron disse...

Pessoas de bom senso e não fanáticasentendem a concordam com o COI. Historicamente religiões são fatores de guerras, conflitos, ódio e mortes. Seria o fim do espírito olímpico no esporte se qualquer religião for levada para quadras, piscinas, estádios e pistas ou qualquer instalação olímpica. Fora daí cada um exerça sua crença