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quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Memórias da redação - Watergate? O que Manchete teve a ver com aquilo?

Reprodução cedida pelo jornalista Lincoln Martins, ex-diretor da Ele/Ela

por José Esmeraldo Gonçalves 

Em 1973, Watergate fervia em Washington. O filme The Post, em cartaz 45 anos depois, reaquece o escândalo que derrubou Nixon.

Naqueles dias da tempestade jornalística gerada pela invasão do escritório do Partido Democrata e pela cobertura implacável do Washington Post, a Casa Branca sob pressão consumia quilos de Diazepam, o ansiolítico da moda.

Mas, em um dos escritórios, havia um funcionário que encontrou tempo e calma para enviar à Manchete uma prosaica carta de congratulações, em nome de Nixon, saudando a distribuição da revista brasileira em Nova York, Washington e Boston.

Escrever aquela carta protocolar deve ter sido a atividade mais entediante do jornalista Herbert Klein no dia 17 de janeiro de 1973, principalmente porque ele era Diretor de Comunicação do Poder Executivo na gestão de Richard Nixon.

Nixon e Herbert Klein,
em 1971
Na verdade, o nome era pomposo para um cargo quase decorativo. Klein havia sido secretário de imprensa de Nixon durante várias campanhas eleitorais, incluindo a da primeira eleição para deputado, a corrida presidencial mal sucedida de 1960 (que Kennedy venceu) e, finalmente, a conquista da Casa Branca em 1968. Só que, ao assumir, Nixon escolheu como Secretário de Imprensa Ronald Ziegler, protegido de H.R.Haldeman, que se envolveu até a medula no Caso Watergate. Chefe de gabinete de Nixon, Harry Haldeman foi condenado a 18 meses de prisão por perjúrio, conspiração e obstrução da justiça

A mídia americana registrou que, por ser preterido, Klein ficou magoado com Nixon. O núcleo que cercava o presidente chegou a suspeitar, no auge do escândalo, que ele era o Deep Throat que passava informações aos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein. "Ele não é o nosso cara, é?", duvidou  Nixon. Klein ouviu o próprio presidente falar isso em uma gravação e, logo após, recebeu uma ordem para passar a se reportar a Ronald Ziegler. Sua resposta foi pedir demissão.

Isso lhe aconteceu poucos meses depois de ter escrito a carta reproduzida acima e um ano antes da renúncia de Nixon, em 1974.

A carta foi endereçada a Amilcar Moraes, presidente da M&Z Representatives, que distribuía nos Estados Unidos, além da Manchete, o Jornal do Brasil, o Globo e o Pasquim. Amilcar encaminhou uma cópia da carta a Lincoln Martins, então diretor da EleEla, revista que sua distribuidora também levava a algumas bancas americanas.

Herbert Klein morreu em 2009, aos 91 anos, e nunca foi acusado de participar do escândalo de Watergate. A "traição" de Nixon acabou livrando seu antigo assessor de imprensa do valão a céu aberto do escândalo político.

Quando os repórteres queriam saber do envolvimento de Klein com o caso, ele apenas ironizava: "Se eu tivesse feito aquilo, teria feito melhor".

E, não, ele não era o Deep Throat. Como se sabe, a identidade do informante foi finalmente revelada em 2005 quando Mark Felt, diretor do FBI nos anos 1970, confessou em artigo que escreveu para a Vanity Fair que era o homem que passava informações para o Washington Post.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

NOSTALGIA DO CHUMBO – Nos tempos da linotipo


Por Roberto  Muggiati 


li.no.ti.po  s. f. Tip.. Máquina que compõe e funde linhas em bloco, de uma liga de chumbo, estanho e antimônio, com o auxílio de matrizes reunidas mediante operação de um teclado.


Na semana passada, dois colunistas importantes se comoveram com as linotipos que, contracenando com Tom Hanks e Meryl Streep, os protagonistas de The Post, praticamente roubam a cena no filme de Spielberg. Na quinta-feira, 15, Luiz Fernando Veríssimo escreveu, na crônica Amores: “The Post é uma história de amor, o amor de jornalistas pelo jornalismo. Me comovi com os linotipos. A mudança da impressão quente para a fria foi radical.” No sábado, 17, foi a vez de Arnaldo Bloch, no artigo O linotipo de Spielberg: “Em The Post, a bicicleta voadora está no correr dos caracteres nas caixinhas alimentadas pelo linotipista, exibindo as palavras-chave do grande furo.”


Vou aderir à homenagem e evocar, dos meus primeiros tempos de jornalismo, a visão daqueles linotipistas heróicos sentados diante de suas máquinas e tendo ao seu lado um copo de leite, considerado um antídoto seguro contra as inalações do chumbo, em estado permanente de efervescância na gráfica.

Comecei a trabalhar em jornal aos dezesseis anos – precisamente no dia 15 de março de 1954, uma segunda-feira – na Gazeta do Povo de Curitiba, que ficava num casarão da Praça Carlos Gomes.

Cinco meses depois eu vivia as emoções de minha primeira edição extra, com o suicídio de Getúlio Vargas. Eu trabalhava na redação, no primeiro andar. Minha tarefa era colocar em português decente as notícias que chegavam do Rio. Ainda não tínhamos teletipo e os telegramas caíam literalmente do céu: um velho senhor tranca¬fiado num cubículo, a cabeça dobrada ao peso de enormes fones de ouvido, recebia os últimos despachos em código Morse e os traduzia datilografando numa velha Remington. Por coincidência, o telegrafista Vergès era um kardecista convicto e tudo aquilo me parecia uma operação espírita. Uma notícia típica da época podia dizer em bom telegrafês: “DEP FED DIX HUIT ROSADO AVIONOU MOSSOROH PARA ENCONTRO SUAS BASES ELEITORAIS.” Ou seja: “O deputado federal potiguar Dix-Huit Rosado Maia viajou de avião para Mossoró a fim de se encontrar com suas bases eleitorais.”

Num galpão ao lado do casarão, as fotos eram transformadas em clichés por um ex-soldado russo, Konstantin Tchernovaloff, que lutara na Guerra Civil de 1920 — não sei se nos brancos ou nos vermelhos — e parecia um cossaco diabólico em meio aos clarões do seu arco voltaico. Os clichês metálicos eram pregados depois em blocos de madeira da mesma espessura das linhas de tipo vomitadas pela Mergenthaler de 1m75 de altura. Um revisor, com a clássica pala verde na testa, ocupava um mezanino que era um purgatório entre a redação (no primeiro andar) e a oficina (no térreo), versão moderna do Inferno de Dante, envolvendo com seus vapores de chumbo a bateria de linotipistas disposta diante das páginas – que eram parafusadas em molduras de ferro como nos pasquins do Velho Oeste — e da prensa plana obsoleta que imprimia as nossas verdades absolutas de todo dia.

Obrigado, Spielberg, pela lembrança.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Álbum de redação: Katherine Graham na Manchete

Por Roberto Muggiati

Em 1986, com Adolpho Bloch e Katherine Graham, no 10° andar do prédio da Manchete. Foto Acervo RM

Com seu jornalismo combativo, The Washington Post se celebrizou em 1974 ao provocar a renúncia do Presidente Richard Nixon na megacobertura do Caso Watergate, que durou dois anos. O episódio valeu o superfilme Todos os homens do Presidente (1976), em que os repórteres-estrelas Bob Woodward e Carl Bernstein foram interpretados por Robert Redford e Dustin Hoffman, e Jason Robards ganhou o Oscar de Ator Coadjuvante no papel do editor Ben Bradlee.

Tom Hanks (Ben Bradley) e Meryl Streep (Katherine Graham)  em cena do filme The Post: a guerra secreta.
Foto Divulgação


Uma foto histórica. Em abril de 1973, 15 meses antes da renúncia de Richard Nixon e com o jornal sob alta pressão da Casa Branca, Katherine Graham e os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein conversam com os editores
Howard Simon e Ben Bradley. Foto Mark Goffrey/Reprodução Pinterest

No filme, dirigido por Alan J. Pakula, a dona do jornal, Katherine Graham, não aparece. Agora, no novo filme de Steven Spielberg, The Post: a Guerra Secreta ela tem um papel-chave, interpretada por Meryl Streep. O conflito da história gira em torno da dona do Washington Post e do editor Ben Bradlee, interpretado por Tom Hanks, o ator-fetiche de Spielberg. Trata dos danos que poderia causar ao jornal a publicação de documentos confidenciais sobre a Guerra do Vietnã, os famosos “Pentagon papers”.

Em 1986, editor da revista Manchete, ajudei Adolpho Bloch a receber a dona do Washington Post, que visitava o Brasil. Ms. Katherine Graham se mostrou dócil e simpática, mas senti uma firmeza formidável por trás daquela aparência (enganosa) de avozinha do Meio-Oeste americano. O encontro foi na espaçosa sala de visitas do décimo andar do 804, com sucos e biscoitos – era verão e fazia muito calor no Rio, um chá seria totalmente fora de questão. Katherine Graham (1917-2001) tinha 69 anos. Conversamos generalidades, o mundo tinha mudado muito. Era o segundo mandato de Ronald Reagan, a Guerra Fria vivia seus estertores, Gorbachev preparava o fim do Império Soviético com a Glasnost e a Grã-Bretanha era comandada por um Reagan de saias, Margaret Thatcher (outro papel de Meryl Streep). Em Pindorama, reinava Sarney, iniciando o segundo ano do seu desastroso governo.

Voltando à Manchete: para nosso vexame supremo – era fim de tarde de uma sexta-feira – o bairro do Flamengo sofreu um apagão geral. Foi uma experiência insólita: à luz de velas, prontamente providenciadas por Dona Arminda e seu batalhão de serviçais, – Adolpho a dois anos de completar seus “quatre-vingt ans” – e a dona do Washington Post robusta, mas à beira dos setenta anos, tivemos de descer os dez andares até o majestoso saguão abençoado pela escultura gigantesca do Krajcberg.

Agora, trinta e dois anos depois, só me resta rever Ms. Graham encenada por Meryl Streep, no filme de Spielberg.