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No Twitter, Isinbayeva pede para competir no Rio e apela para não ser punida pelo fato de outros atletas russos terem usado substâncias proibidas. |
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Reprodução twitter.com/yelenaisinbaeva |
por José Esmeraldo Gonçalves
Doping é uma prática que deve ser rigorosamente combatida. Ninguém discorda. Atinge diretamente o espírito competitivo do esporte e falsifica resultados. Um atleta treina e se aperfeiçoa durante anos, chega ao ponto de alto rendimento, e vê sua medalha escapar para o adversário que pegou o atalho químico para subir ao pódio. Itália, Estados Unidos, Inglaterra, Rússia, França, Turquia e Brasil estão entre os países que têm registrado casos de doping.
Há casos emblemáticos no esporte olímpico norte-americano como o de Florence Griffith Joyner, ganhadora de três medalhas de ouro no atletismo e que foi flagrada usando substâncias proibidas. Morreu de ataque cardíaco provavelmente em consequência de doping. O jamaicano Usain Bolt denunciou em entrevista recente à revista FHM casos de doping no atletismo dos Estados Unidos.
Em novembro do ano passado, a Rússia foi denunciada em um relatório da Agência Mundial Antidoping (Wada) por supostamente ter implantado no atletismo "um esquema de doping generalizado".
A Federação Internacional de Atletismo (IAFF) abriu uma investigação e, na ocasião, suspendeu a Rússia e estabeleceu condições para a volta do país às competições oficiais. Ontem, a IAFF anunciou que o atletismo da Rússia está fora da Rio 2016. Alega que o país "não deu provas suficientes de combate ao uso de substâncias proibidas".
Com isso, quatro mil atletas russos - tenham ou não feito uso do alegado doping-, estão impedidos de competir.
A decisão é inédita e repercutiu no mundo inteiro.
Há quem levante suspeitas de interferência política extra-esporte em torno do assunto. A Rússia tem atualmente um contencioso em várias frentes com os Estados Unidos e algumas potências ocidentais que seguem as ações diplomáticas e comercias emanadas do Departamento de Estado, em Washington.
A história mostra que após a queda do comunismo houve uma intensa aproximação de países da Europa Ocidental e dos próprios americanos com a Rússia estagnada nos anos 1990. A partir da virada do milênio, a antiga URSS começou a se recuperar, reequipar suas forças armadas e sua indústria de alta tecnologia e a retomar um papel na geopolítica mundial. O Ocidente, que parecia preferir o conforto de dialogar com o fraco e maleável Bóris Yéltsin, esfriou as relações.
Entrou política nas provetas dos laboratórios?
(si non è vero è bene trovato).
Para ficar no campo do esporte, a Copa do Mundo de 2018 também está no alvo dos Estados Unidos no rastro das investigações sobre a Fifa. Setores mais radicais de Washington já acenaram com a proposta de um possível boicote a Moscou como um gesto a se somar aos embargos econômicos em vigor desde a crise da Ucrânia e a decisão da Crimeia, em plebiscito, de voltar a fazer parte da Rússia. Houve um interesse em relacionar a escolha de Moscou para sediar a próxima Copa com as irregularidades investigadas na cúpula da Fifa. Ocorre que, sob a mesma cúpula, o Catar, um aliado estratégico dos Estados Unidos, ganhou a votação para receber a Copa de 2022. Mesmo se levantadas provas de irregularidades, ficaria mais complicado investir contra um e poupar o outro. Provavelmente, nos próximos meses, essa ofensiva voltará a campo. Mas o foco agora são os Jogos Olímpicos. O Departamento de Justiça americano, segundo revelou o New York Times, participou de investigações sobre o doping de atletas russos e tais apurações continuam.
Ontem, a atleta Yelena Isinbayeva, bicampeã olímpica e recordista no salto com vara, considerou a generalização da punição "absurdamente injusta". Ela, como a grande maioria dos atletas atingidos pela medida drástica e não individualizada, não está envolvida na investigação e já passou limpa por centenas de exames ao longo da carreira. "Vou provar para IAAF e Agência Mundial Antidoping que eles tomaram a decisão errada", disse ela, em entrevista coletiva, acrescentando que considera a decisão uma violação aos direitos humanos. Ela prometeu recorrer à Corte Arbitral do Esporte. A IAAF admitiu que a Rússia fez progressos no combate ao doping mas preferiu manter a decisão. Em nota, o Ministério de Esportes da Rússia protestou: "Os sonhos de atletas limpos estão sendo destruídos por causa do comportamento repreensível de outros atletas e dirigentes. Eles sacrificaram anos de suas vidas se esforçando para competir nos Jogos Olímpicos, e agora esse sacrifício será desperdiçado".
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Em fins do ano passado, a IAFF homenageou Isinbayeva.
Reprodução Instagram |
No caso de Yelena Isinbayeva, a injustiça é flagrante pelos próprios critérios institucionais da IAFF. Em fins do ano passado, por ser respeitada e reconhecida, ela foi eleita para a Comissão de Atletas do órgão.
"Estou muito satisfeita por me tornar um membro da Comissão dos Atletas da IAAF" (...) " O Esporte deu-me muito e me fez quem eu sou. É hora de prestar homenagem ao esporte. Estou pronta para partilhar a minha experiência com a geração mais jovem", escreveu ela na sua conta no Instagram ao noticiar a homenagem.
Com a decisão da IAFF, a Rio 2016 também foi punida com o bloqueio a uma força do atletismo e, em especial, com a ausência de Yelena Isinbayeva que, aos 34 anos, faria do Brasil o seu palco de despedida.