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quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Sacco e Vanzetti, 90 anos: um passado não tão distante...



Sacco e Vanzetti - Uma tragédia estadunidense

por Augusto Buonicore (*)

Há noventa anos, em 23 de agosto de 1927, Nicolau Sacco e Bartolomeu Vanzetti foram executados na cadeira elétrica numa prisão estadunidense. Este foi considerado um caso flagrante de erro judicial e causou enorme indignação. Manifestações de protesto ocorreram em todo o mundo. Mesmo sem provas, eles foram condenados à morte.

A principal razão dessa sentença injusta foi o preconceito de classe. Os dois eram imigrantes italianos e anarquistas. Na época, os Estados Unidos viviam em meio a uma violenta onda anticomunista. Milhares de militantes de esquerda estavam sendo presos e dezenas deportados.

Os anos que se seguiram à Primeira Grande Guerra Mundial foram bastante conturbados para o povo estadunidense. Haviam vencido a guerra, mas os soldados que voltavam do front tinham dificuldades em arranjar empregos numa indústria que tentava se reconverter para um tempo de paz. A inflação cresceu e agravou-se o arrocho salarial. Esta situação gerou descontentamentos, protestos e também criminalidade.

Durante o ano de 1919 mais de 4 milhões de trabalhadores entraram em greve e foi fundado o Partido Comunista nos Estados Unidos - na verdade foram criados dois partidos comunistas: um dirigido por Charles Rutenberg e outro por John Reed. Eles se unificariam apenas em maio de 1921.

Naqueles tempos agitados, alguns militantes anarquistas partiram para ações terroristas. Em abril, o prefeito de Seattle afirmou ter recebido uma bomba pelo correio e outra explodiu quando aberta pela empregada de um senador - que havia sido presidente da comissão para emigração. Segundo a polícia, trinta e duas bombas haviam sido endereçadas às autoridades e a grandes empresários estadunidenses. Estranhamente nenhum deles se feriu.

Em maio de 1919 o líder anarquista Luigi Galleani foi expulso dos Estados Unidos. Em resposta, a casa do procurador-geral dos Estados Unidos, Alexander Mitchell Palmer, foi atingida por bombas. No local foram deixados panfletos anarquistas. A opinião das classes médias, insuflada pelos meios de comunicação conservadores e o governo, se voltou contra os imigrantes. Exigiram leis ainda mais severas e a expulsão sumária dos estrangeiros suspeitos de subversão. A partir de então, se desencadeou uma verdadeira caçada policial aos militantes "vermelhos": anarquistas, comunistas e socialistas.

No dia 7 de novembro de 1919 - data do segundo aniversário da Revolução Russa-, as sedes dos dois partidos comunistas, que nada tinham a ver com os atentados, foram invadidas e depredadas. Milhares de pessoas foram presas e processadas. Esse foi o prelúdio de uma perseguição ainda maior. Semanas depois, em janeiro de 1920, foram realizadas batidas policiais em 33 cidades. Foram expedidos mais de seis mil pedidos de prisão e relacionados os nomes de mais de 3 mil estrangeiros para deportação. Em Boston cerca de 500 imigrantes marcharam acorrentados até a casa de correção.

Um fato iria indignar a opinião pública progressista. Em maio, a polícia comunicou que o líder anarquista André Salsedo saltara do 14º andar do prédio do Departamento de Justiça na cidade de Nova Iorque, onde participava de um interrogatório. As autoridades afirmaram que ele havia se suicidado, mas muitos duvidaram da versão oficial.

Vários liberais, que até haviam ficado assustados com os atentados terroristas, não concordaram com a repressão massiva e indiscriminada levada a cabo contra os imigrantes. Dezenas de advogados e jornalistas condenaram as práticas autoritárias e ilegais empregadas. Se a repressão assustou os liberais, pode-se imaginar o efeito terrível causado entre a população de imigrantes pobres e constantemente ameaçada de expulsão.

Tendo perdido parte do apoio dos operários e das classes médias, os democratas foram derrotados na eleição presidencial em 1920. Iniciou-se então uma Era Republicana, que duraria até 1933. O slogan do presidente eleito, Warren Harding, era "Primeiro os Estados Unidos!". Uma onda nacionalista conservadora varreu o país de ponta a ponta.


O Caso Sacco e Vanzetti

As classes médias - insufladas pela grande burguesia - temiam pela sua situação privilegiada. Sentiam-se ameaçadas pela massa de imigrantes provinda da Europa. Eram espanhóis, portugueses, e especialmente italianos. Além de sua fisionomia e língua latinas, traziam estranhas ideias que pareciam colocar em risco a ordem e o modo de vida norte-americano: o anarquismo e o socialismo.

No dia 15 de abril 1920 ocorreu um assalto a uma fábrica de calçados na pequena cidade de South Braintree, estado de Massachusetts. Na ocasião, o agente pagador e um segurança da empresa foram mortos. Tudo indicava que este era mais um crime realizado por uma das muitas quadrilhas que infernizavam a vida de fabricantes e comerciantes da região. A "boa sociedade" impaciente e amedrontada com a escalada de violência exigia uma rápida solução para o caso.

Algumas semanas depois, em 5 de maio, dois homens foram presos próximos de Boston. Para sua desgraça, estavam armados, coisa comum para a maioria dos cidadãos dos Estados Unidos. No entanto, havia três outros fatos que deporiam contra eles: eram operários, estrangeiros e anarquistas. Estereótipo de tudo aquilo que não deveria ser um cidadão estadunidense modelo. Seus nomes eram Nicolau Sacco e Bartolomeu Vanzetti.

Quando os prenderam, os policiais perguntaram se eram socialistas, anarquistas ou sindicalistas. Isso reforçou neles a desconfiança de que se tratava de simples perseguição política. Não imaginaram que pudessem ser envolvidos numa conspiração visando a imputar-lhes um duplo homicídio. Assim, negaram sua militância e procuraram não envolver os demais camaradas. Mas a polícia já tinha suas fichas: os suspeitos eram "perigosos" anarquistas.

Imediatamente se montou um processo-farsa visando a incriminá-los e conduzi-los à cadeira elétrica. Os inimigos da América livre precisavam receber uma lição exemplar. O preconceito de classe e de "raça" conduziu o júri a condenar à morte dois homens sem provas conclusivas.

O Promotor procurou apresentá-los como maus americanos ou mesmo não-americanos, pois haviam se recusado a lutar na Primeira Guerra Mundial e se refugiado no México, como milhares de outras pessoas. Diante de tais acusações, Sacco respondeu: "durante treze anos trabalhando duro, não consegui juntar dinheiro no banco. Não consegui que meu filho fosse para um colégio (...). Eu vi que os melhores homens (...) tinham sido presos e morreram na prisão e ninguém os tirou de lá. Debs, um grande homem em seu país, está preso por ser socialista. Queria que as classes trabalhadoras tivessem melhores condições de vida, mais educação (...), mas puseram-no na prisão. Por quê? Porque a classe capitalista é contra isto; a classe capitalista não quer que nossos filhos tenham educação superior ou que entrem em Harvard (...), n&atild e;o querem que os trabalhadores se eduquem; querem que os trabalhadores fiquem sempre por baixo.".

Sobre suas posições diante da guerra mundial, da qual ele havia se recusado a participar, afirmou: "Nós não queremos lutar com fuzis; não queremos destruir os jovens. A mãe sofre para criar o filho (...), quando chega o dia de obter uma recompensa daquele menino, os Rockefellers, os Morgans e outras pessoas da classe alta os mandam para a guerra (...). Não é uma guerra para a civilização dos homens. São guerras para negócios. Ganham-se milhões de dólares nestas guerras. Que direitos temos de nos matar uns aos outros? Trabalhei com irlandeses, com alemães, com franceses. Amo-os tanto quanto poderia amar minha mulher e o povo que me recebeu (...), por isso não acredito na guerra."

Mais de 107 pessoas testemunharam que os acusados não estavam na cena do crime. Entre elas estava um garoto que vendia peixes com Vanzetti e um funcionário da embaixada italiana, local que Sacco havia visitado no dia do crime. Tudo foi desconsiderado pelo juiz e o júri. As testemunhas de acusação, sob forte pressão de opinião pública conservadora, se contradiziam. Um especialista em balística afirmou que o projétil que matou os dois funcionários poderia ser da arma de Vanzetti (e não que teria sido). Isso pareceu aos linchadores de plantão uma prova mais que definitiva contra os réus.

Sem poderem contar com um processo justo, em 14 de julho de 1921, Sacco e Vanzetti foram condenados à morte na cadeira elétrica. "Não se esqueçam. Estão matando dois homens inocentes", gritou Vanzetti. Sacco, por sua vez, escreveu uma carta para seu filho no qual afirmava: "eles podem crucificar os nossos corpos, como estão fazendo, mas não podem destruir nossas ideias que permanecerão."

O Comitê de Sindicatos de Roma enviou um apelo ao presidente dos Estados Unidos solicitando-lhe que a pena fosse comutada. A Internacional Comunista conclamou a constituição de uma frente operária mundial em defesa de Sacco e Vanzetti. No mês de outubro, o Partido Comunista Francês organizou uma grande manifestação em frente à embaixada norte-americana. Segundo a imprensa comunista, foram necessários 10 mil policiais e 18 mil soldados para deter a multidão indignada. Mobilizações contra as condenações ocorreram na Itália, Suíça, Holanda, Espanha, Portugal, Inglaterra, México, Chile, Argentina, Panamá e Brasil. Até na China e na Índia os trabalhadores protestaram.

Supostos anarquistas, por sua vez, continuavam ameaçando as autoridades com suas bombas. Isso levou o Comitê de Defesa a lançar uma nota que dizia: "Os planos sinistros e as ameaças atribuídas a pessoas presumivelmente ligadas ao movimento Sacco e Vanzetti são de tal maneira nocivos aos esforços envidados para salvar nossos companheiros da cadeira elétrica que só podem ter tido origem entre os nossos inimigos. Ou foram planejadas por pessoas desejosas em desmoralizar a causa dos dois prisioneiros."

Logo após a decretação da sentença de morte, o imigrante português Celestino Madeiros confessou ter participado do assalto em South Braintree e apresentou uma versão bastante razoável do ocorrido. Negou categoricamente o envolvimento de Sacco e Vanzetti no crime. Um policial chegou a afirmar que na época do latrocínio havia sérias suspeitas em relação a uma quadrilha de assaltantes profissionais que atuava na região. Os Morelli, como era chamado o bando, assaltavam carretas de fretes. Uma das áreas onde atuavam, e na qual tinham "olheiros", era justamente South Braintree.]


Outro policial, o agente Fred Weyand, afirmou que "era opinião corrente entre os agentes locais do Departamento de Justiça, que tinham algum conhecimento do caso, que aquele crime havia sido obra de um grupo de assaltantes profissionais." Diante das novas provas, a defesa pediu outro julgamento. Entretanto, o juiz rejeitou o pedido.

O processo foi tão viciado que começou a comover não somente os setores de esquerda, mas também amplos setores sociais, inclusive os liberais. Intercederam por eles Romain Rolland, Thomas Mann, Albert Einstein, Anatole France, Madame Curie e Bernard Shaw. Até mesmo o Vaticano pediu clemência para os dois condenados. Os editoriais dos principais jornais europeus lamentaram a sentença e advogaram um novo julgamento.

Em junho de 1925 foi criado um ramo estadunidense do Socorro Vermelho. Esta entidade, sob direção comunista, produziu inúmeros materiais de propaganda e organizou comícios por todo o país. Vanzetti, agradecido, escreveu a James Cannon, então dirigente do Partido Comunista: "O eco de sua campanha em nosso favor tocou-me muito fundo. Repito e repetirei sempre que somente o povo, nossos camaradas, nossos amigos, o proletariado revolucionário do mundo, é que poderão nos salvar do poder maligno das hienas capitalistas e reacionárias e vingar o nosso nome e o nosso sangue perante a história."

No mês de maio de 1926, a Suprema Corte de Massachusetts indeferiu os pedidos de novo julgamento. Em abril do ano seguinte - depois de sete anos de prisão -, a sentença de morte foi confirmada. Nova onda de protestos se espalhou pelo país e o mundo. Escreveu Vanzetti: "não apenas não cometi um delito em toda a minha vida (...), como combati toda a vida para eliminar os crimes que a lei oficial e a lei moral condenam, como também o delito que a moral oficial admite e santifica: a exploração do homem pelo homem." E concluiu: "estou tão convencido de que estou com a razão e que se vocês tivessem o poder de matar-me duas vezes e eu pudesse nascer duas vezes, voltaria a viver para fazer exatamente o que fiz até agora."

Vanzetti fez um apelo de clemência ao governador de Massachusetts, Tufts Fuller. Enquanto isso, crescia a pressão internacional. O próprio ditador italiano Mussolini escreveu uma carta ao governador: "A agitação dos elementos de esquerda pelo mundo afora aumenta de intensidade, nestes últimos dias, como se pode depreender dos atentados em Buenos Aires contra a fábrica da Ford e a estátua de Washington (...). Espero que S. Excia.possa dar um exemplo à humanidade. Este exemplo demonstrará (...) a diferença entre os métodos bolcheviques e os da grande República norte-americana, ao mesmo tempo em que retirará das mãos dos elementos subversivos um instrumento de agitação."

Num artigo o escritor ficcionista H. G. Wells provocava a justiça estadunidense: "Não posso compreender que pessoas de bom-senso (...) possam ter outra convicção senão a de que Sacco e Vanzetti são tão inocentes dos assassinatos de South Braintree, pelo qual foram condenados à morte, quanto Júlio César ou - para citar um nome mais próximo do assunto - Karl Marx."

Formaram-se piquetes na frente da sede do governo estadual que eram dispersos violentamente pela polícia. Na cidade de Nova Iorque, cerca de 100 mil trabalhadores fizeram uma paralisação de protesto. Para desembaraçar-se do problema, o governador nomeou uma comissão especial de advogados e figuras iminentes, liderada pelo juiz Lowell, para estudar o caso e dar um parecer. Esta comissão, depois de alguns dias, confirmou a justeza da sentença de morte. A Suprema Corte e o presidente dos Estados Unidos recusaram o indulto.

Bombas explodiram nas cidades de Nova Iorque e Filadélfia. Uma grande força policial, como havia muito não se via, foi mobilizada nas principais cidades estadunidenses. O Partido Comunista organizou uma grande manifestação contra as execuções. O adiamento da sentença criou expectativas positivas, mas falsas. O jornal soviético Pravda afirmou: "A poderosa onda de protesto da União Soviética, juntando-se à voz da classe operária do mundo inteiro, forçou a burguesia plutocrata norte-americana a hesitar e transacionar". O jornal do Partido Comunista Alemão, por sua vez, disse: "Os milhões de trabalhadores na frente avançada da batalha contra a injustiça social tiveram uma primeira vitória. Sacco e Vanzetti estão provisoriamente salvos."

Poucos dias depois eles voltaram ao corredor da morte da penitenciária de Charleston. E foram executados na madrugada do dia 22 para 23 de agosto de 1927. O primeiro a ser morto foi Celestino Madeiros, aquele que se dizia um dos verdadeiros culpados pelo crime. Logo em seguida Nicolau Sacco enfrentou-se com os seus carrascos. Ao entrar no recinto da execução exclamou: "Viva a Anarquia!". Enquanto o corpo do seu camarada era retirado, Bartolomeu Vanzetti ingressou na sala da morte. Suas últimas palavras foram: "Sou um homem inocente. Agora desejo perdoar algumas pessoas pelo que fizeram contra mim." Em poucos segundos a tragédia estava consumada. Dois trabalhadores inocentes estavam mortos.

No dia seguinte, o jornal comunista L'humanité exibia em letras garrafais a manchete "Assassinos!". Uma grande indignação tomou conta dos operários franceses, que depredaram lojas e atacaram a polícia. Uma multidão enfurecida avançou em direção à embaixada dos Estados Unidos. No conflito que se seguiu, centenas de pessoas ficaram feridas.

Na Alemanha realizaram-se manifestações e também ocorreram choques com a polícia. Num dos maiores comícios já visto na República de Weimar, o líder comunista Ernest Thalmann comparou a morte de Sacco e Vanzetti ao assassinato de Rosa de Luxemburgo e Karl Liebknecht. Em Londres uma multidão concentrou-se à frente do Palácio de Buckingham e cantou o hino socialista Bandeira Vermelha. Os deputados do Partido Trabalhista protestaram. O governo soviético deu a uma rua de Moscou o nome dos dois mártires. Mais tarde virariam nome de fábricas e escolas. Eclodiram conflitos violentos em Portugal e na Espanha. Na Argentina foi decretada greve geral.

Entre os dias 22 e 23 de agosto realizaram-se inúmeras manifestações de protestos no Brasil. Deixemos a palavra com o historiador e sociólogo Clóvis Moura: "Na Lapa houve conflitos sérios entre trabalhadores e policiais (...). No Ipiranga esses conflitos se repetiram: em Frente à Fábrica Nami Jaffet um piquete convidava os colegas a participarem da greve e do comício em solidariedade. A diretoria da empresa, no entanto, chamou a polícia que efetuou várias prisões. Entre os presos estavam três jovens operárias (...). Na estamparia A Liberty, na rua Piratininga, a polícia agiu com violência (...). Às onze horas foram pedidos reforços para as fábricas Matarazzo, na Água Branca, e Crespi, na Mooca." Os trabalhadores se reuniram num grande comício na Praça do Patriarca.

Greves ocorreram também no Rio de Janeiro. A União dos Operários em Fábricas de Tecidos lançou um manifesto no qual afirmava: "É hoje o dia designado pela justiça norte-americana para o assassínio de nossos companheiros Sacco e Vanzetti (...). É necessário que os operários em fábrica de tecidos não trabalhem hoje, dia 23 de agosto de 1927, como um protesto à eletrocussão de Sacco e Vanzetti (...). Que nenhum operário trabalhe hoje em sinal de protesto pelo assassínio de dois inocentes, vítimas do capitalismo." Além dos trabalhadores das indústrias de tecidos, paralisaram-se os das indústrias de mobiliários. Houve greve generalizada e grande comício na cidade de Petrópolis. Manifestações operárias, organizadas por anarquistas e comunistas, se viram em quase todos os estados brasile iros.

Ao velório dos dois mártires compareceram mais de cem mil pessoas, a maioria delas era de operários. O chefe de polícia impediu que os caixões fossem carregados pelo povo e que o cortejo pudesse ser acompanhado por uma banda de música. Também foram proibidos cartazes ou qualquer manifestação política de protesto contra as autoridades. Os participantes deveriam permanecer em silêncio durante o percurso.

O enterro de Sacco e Vanzetti: a Marcha da Tristeza. 

Calcula-se que cerca de duzentas mil pessoas participaram do cortejo, que seria denominado Marcha da Tristeza. Em certos momentos, durante o trajeto, bandos policiais atacaram a massa que trazia braçadeiras vermelhas com a inscrição "Recordem a justiça crucificada". Somente 50 anos depois daqueles assassinatos, o governador de Massachusetts, Michael Dukakis, reconheceu os erros grosseiros cometidos durante o julgamento e indultou os dois operários anarquistas.

Antes de morrer, Nicolau Sacco deixou uma última mensagem ao seu filho Dante: "lembre-se sempre dos dias de alegria e não use tudo apenas para você, desça um degrau e ajude sempre os mais fracos que gritam por ajuda, ajude as vítimas e os perseguidos, porque eles serão os seus melhores amigos." De fato, seriam os mais fracos e as vítimas das perseguições políticas impostas pelo capitalismo que procurariam manter as lembranças daqueles que tombaram pela causa da liberdade e da emancipação humana.

(* )Historiador, mestre em ciência política pela Unicamp

sábado, 18 de junho de 2016

Em decisão inédita na história das Olimpíadas, 4 mil atletas russos são proibidos de participar dos Jogos. A bicampeã Yelena Isinbayeva, que não está envolvida em uso de substâncias proibidas, desabafa: "Deixem-me competir no Rio"




No Twitter, Isinbayeva pede para competir no Rio e apela para não ser punida pelo fato de outros atletas russos terem usado substâncias proibidas. 

Reprodução twitter.com/yelenaisinbaeva


por José Esmeraldo Gonçalves
Doping é uma prática que deve ser rigorosamente combatida. Ninguém discorda. Atinge diretamente o espírito competitivo do esporte e falsifica resultados. Um atleta treina e se aperfeiçoa durante anos, chega ao ponto de alto rendimento, e vê sua medalha escapar para o adversário que pegou o atalho químico para subir ao pódio. Itália, Estados Unidos, Inglaterra, Rússia, França, Turquia e Brasil estão entre os países que têm registrado casos de doping.

Há casos emblemáticos no esporte olímpico norte-americano como o de Florence Griffith Joyner, ganhadora de três medalhas de ouro no atletismo e que foi flagrada usando substâncias proibidas. Morreu de ataque cardíaco provavelmente em consequência de doping. O jamaicano Usain Bolt denunciou em entrevista recente à revista FHM casos de doping no atletismo dos Estados Unidos.

Em novembro do ano passado, a Rússia foi denunciada em um relatório da Agência Mundial Antidoping (Wada) por supostamente ter implantado no atletismo "um esquema de doping generalizado".

A Federação Internacional de Atletismo (IAFF) abriu uma investigação e, na ocasião, suspendeu a Rússia e estabeleceu condições para a volta do país às competições oficiais. Ontem, a IAFF anunciou que o atletismo da Rússia está fora da Rio 2016.  Alega que  o país "não deu provas suficientes de combate ao uso de substâncias proibidas".

Com isso, quatro mil atletas russos - tenham ou não feito uso do alegado doping-, estão impedidos de competir.

A decisão é inédita e repercutiu no mundo inteiro.

Há quem levante suspeitas de interferência política extra-esporte em torno do assunto. A Rússia tem atualmente um contencioso em várias frentes com os Estados Unidos e algumas potências ocidentais que seguem as ações diplomáticas e comercias emanadas do Departamento de Estado, em Washington.

A história mostra que após a queda do comunismo houve uma intensa aproximação de países da Europa Ocidental e dos próprios americanos com a Rússia estagnada nos anos 1990.  A partir da virada do milênio, a antiga URSS começou a se recuperar, reequipar suas forças armadas e sua indústria de alta tecnologia e a retomar um papel na geopolítica mundial. O Ocidente, que parecia preferir o conforto de dialogar com o fraco e maleável Bóris Yéltsin, esfriou as relações.

Entrou política nas provetas dos laboratórios?
(si non è vero è bene trovato). 

Para ficar no campo do esporte, a Copa do Mundo de 2018 também está no alvo dos Estados Unidos no rastro das investigações sobre a Fifa. Setores mais radicais de Washington já acenaram com a proposta de um possível boicote a Moscou como um gesto a se somar aos embargos econômicos em vigor desde a crise da Ucrânia e a decisão da Crimeia, em plebiscito, de voltar a fazer parte da Rússia. Houve um interesse em relacionar a escolha de Moscou para sediar a próxima Copa com as irregularidades investigadas na cúpula da Fifa. Ocorre que, sob a mesma cúpula, o Catar, um aliado estratégico dos Estados Unidos, ganhou a votação para receber a Copa de 2022. Mesmo se levantadas provas de irregularidades, ficaria mais complicado investir contra um e poupar o outro. Provavelmente, nos próximos meses, essa ofensiva voltará a campo. Mas o foco agora são os Jogos Olímpicos. O Departamento de Justiça americano, segundo revelou o New York Times, participou de investigações sobre o doping de atletas russos e tais apurações continuam.

Ontem, a atleta Yelena Isinbayeva, bicampeã olímpica e recordista no salto com vara, considerou a generalização da punição "absurdamente injusta". Ela, como a grande maioria dos atletas atingidos pela  medida drástica e não individualizada, não está envolvida na investigação e já passou limpa por centenas de exames ao longo da carreira. "Vou provar para IAAF e Agência Mundial Antidoping que eles tomaram a decisão errada", disse ela, em entrevista coletiva, acrescentando que considera a decisão uma violação aos direitos humanos. Ela prometeu recorrer à Corte Arbitral do Esporte. A IAAF admitiu que a Rússia fez progressos no combate ao doping mas preferiu manter a decisão. Em nota, o Ministério de Esportes da Rússia protestou: "Os sonhos de atletas limpos estão sendo destruídos por causa do comportamento repreensível de outros atletas e dirigentes. Eles sacrificaram anos de suas vidas se esforçando para competir nos Jogos Olímpicos, e agora esse sacrifício será desperdiçado".

Em fins do ano passado, a IAFF homenageou Isinbayeva.
Reprodução Instagram
No caso de Yelena Isinbayeva, a injustiça é flagrante pelos próprios critérios institucionais da IAFF. Em fins do ano passado, por ser respeitada e reconhecida, ela foi eleita para a Comissão de Atletas do órgão.

"Estou muito satisfeita por me tornar um membro da Comissão dos Atletas da IAAF" (...) " O Esporte deu-me muito e me fez quem eu sou. É hora de prestar homenagem ao esporte. Estou pronta para partilhar a minha experiência com a geração mais jovem", escreveu ela na sua conta no Instagram ao noticiar a homenagem.

Com a decisão da IAFF, a Rio 2016 também foi punida com o bloqueio a uma força do atletismo e, em especial, com a ausência de Yelena Isinbayeva que, aos 34 anos, faria do Brasil o seu palco de despedida.