Em um dia como esse, 8 de dezembro de 1964, eu era secundarista em Salvador. Festa de rua. o programa mais acessível ao bolso. A Ribeira, meu bairro, comemorava todas as datas possíveis, as profanas, as católicas e os eventos das religiões afro-brasileiras. Eram tempos tranquilos. Os moradores abriam as portas e convidavam os passantes a provarem comidas ritualísticas como acarajé, abará, caruru e até pipoca. Para beber, licor ou cachaça de jenipapo. Fazíamos na Ribeira o roteiro que o Leblon chama hoje de baratona. Só que gratuita e parando em salas de famílias amigáveis.
Na paz.
Havia uma data em que subíamos no ônibus elétrico e deixávamos a península de Itapagipe rumo à Praça Cairu, a do Elevador Lacerda, ali pertinho do Mercado Modelo e da Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia. 8 de dezembro. Era o dia dela. A festa era puro sincretismo na veia. Conceição da Praia é Oxum para as religiões de matriz africana. Procissão cruzando com oferendas, o coral da igreja, hoje basílica, cantando ao som de tambores. Na rua, barraquinhas de acarajé, feijoada e muitas gabrielas.
Na época não havia intolerância agressiva contra a umbanda e o candomblé. Preconceito, sim, especialmente da classe média pra cima. Mas não existiam pastores a incentivar invasões, agressões e depredações de terreiros. Nem as Claudia Leitte da vida a mudar letras de canções para não pronunciar o nome de Iemanjá.
No verão de 1966, tempo em que os tambores mais aqueciam o Pelourinho, Vinicius de Moraes e Baden Powell lançaram os Afro-Sambas, álbum que hoje é clássico. A dupla levou o Brasil a cantar Ossanha, Xangô, Iemanjá e a cultura negra. Algo que os enredos das escolas de samba fazem hoje com muito brilho. Baden e Vinicius não foram cancelados nos cultos. E o disco pode ser tocado no "terreiro" do You Tube. Ouça lá, mas se for vizinho do Malafaia convém baixar o som.
No mais, respeite a festa de Nossa Senhora da Conceição da Praia/Oxum. Não começou ontem. É realizada desde 1549. É tão somente a celebração religiosa e popular mais antiga do Brasil. Dizem que só não se realizou quando os baianos estavam mais ocupados em guerras para expulsar holandeses e, depois, os portugueses.

Salve Oxum, Salve Ceiça, Salve a liberdade religiosa, salve a liberdade de não ter religião
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