terça-feira, 4 de junho de 2019

Frère Jacques, o médico da Manchete • Por Roberto Muggiati


         
Dr. Haroldo Jacques, que dirigiu a conceituada revista Medicina de Hoje, lança nova edição do livro "A Linguagem da Saúde -  Entenda os Aspectos Físicos, Emocionais e Espirituais que Afetam a sua Vida" (Madras Editora), em coautoria com o psicanalista Luiz Alberto Py. Na Livraria da Travessa, no Leblon, no dia 10 de junho, às 19h.

          
          Por muitos anos – pelo menos vinte – o Dr. Haroldo Jacques foi, informalmente, o médico da Manchete. No período que cobriu os anos 70 e 80 ele dirigiu a revista mensal da Bloch Medicina de Hoje. A megaempresa de comunicação – até mesmo depois que cresceu com a aquisição da TV Manchete, a partir de 1983 – não dispunha de um plano de saúde para seus funcionários. Para Adolpho Bloch, seus empregados eram imunes à doença. Havia apenas um ambulatório, escondido nos desvãos do Teatro Adolpho Bloch, em que atendiam dois médicos: a Dra. Tamara Rubinstein Hazan e o dr. Salvador Hazan, respectivamente mulher e irmão do Chefe da Engenharia, Isaac Hazan. No nepotismo Adolpho acreditava: a Casa estava cheia de Blochs, Sigelmanns, Rubinsteins, Hazans. Melmanns e Dines ocupando os mais diversos postos.

          A certa altura, para amenizar a pressão das cobranças que lhe faziam, Adolpho contratou um plano barato, que inaugurou matando uma das figuras mais saudáveis da empresa, o chefe da portaria, Seu Álvaro, um daquela chusma de portugueses adotados pela Bloch depois da Revolução dos Cravos. De terno azul marinho na portaria, falando todas as línguas, Topo Giggio – foi o apelido que lhe pespegaram – nas horas de folga se metamorfoseava e exibia-se diante do prédio da Manchete montado numa supermoto, de quepe e blusão de couro, guapo membro da confraria Harley Davidson. O plano acabou logo em seguida, para sorte dos muitos funcionários que já haviam agendado consultas ou até cirurgias.

Em meados dos anos 80, Célio Lyra, dos Serviços Editoriais, se meteu a escolher sozinho uma amostra de fotógrafos da Manchete para a revista francesa Zoom e teve um colapso nervoso. Sua internação no Hospital Samaritano, um dos mais caros do Rio, custou uma nota preta à Bloch. Valendo-se do episódio, David Klajmic convenceu Oscar Sigelmann a fazer uma permuta com a Golden Cross, um dos melhores planos de saúde da época. Claro, o benefício durou poucos anos e era restrito aos diretores e altos executivos sem atingir a massa dos funcionários.

Final dos anos 70, redação da Manchete: o editor da revista, Roberto Muggiati (o Eremita, apelido da época), Haroldo Jacques, um visitante e o Dr. Raimundo Carneiro. Médico particular de Adolpho Bloch, Raimundo dirigia o Hospital dos Servidores do Rio de Janeiro, um dos melhores do país. (Quando sofreu seu episódio cardíaco em 1980, o Presidente João Batista Figueiredo foi internado no HS). Foi Raimundo quem internou Justino Martins no Hospital dos Servidores em agosto de 1983. Diagnosticado o câncer terminal do diretor da Manchete, Raimundo insistiu com Adolpho par que o internasse num hospital da Zona Sul. Adolpho jamais perdoou ao Justino a conta dos últimos dez dias que ele passou na Clínica Sorocaba, em Botafogo. Concedeu-lhe a honraria do velório na portaria do prédio do Russell, mas isso era mais para ostentar o cerimonial blochiano sob a gigantesca escultura da árvore de Krajcberg. Foto: Acervo RM.

Isso faria do Doutor Haroldo Jacques uma das figuras mais requisitadas da Bloch. Como editor da Medicina de Hoje, ele acabou se tornando o consultor de plantão daqueles(as) que ousavam abordá-lo pelos corredores para lhe expor suas mazelas. Humano e solícito, Haroldo sempre atendeu a todos com a maior boa vontade. Como dirigia uma revista mensal tranquila e precisava atender os pacientes do seu consultório médico, Haroldo não frequentava a Bloch todo dia. Aparecia sempre para a feijoada das sextas, com um comentário bem humorado sobre o traje: “Fatiota inteiramente branca e sapato branco é uniforme de pai-de-santo, pipoqueiro e, eventualmente, médico.” Naqueles almoços divertidos, eu, Cony e Haroldo transformamos a melodia de Frère Jacques numa canção de escárnio, com uma letra sacana em bom português.

Além dessa incursão jornalística, Haroldo Jacques publicou vários livros levando a medicina para o leigo, como Receitas simpáticas para doenças antipáticas, que fez em parceria com a renomada chef Silvana Bianchi. Agora, ele lança (Travessa do Leblon, segunda-feira, 10 de junho), uma nova edição do livro que fez com o psicanalista Luiz Alberto Py, A linguagem da saúde/Entenda os aspectos físicos, emocionais e espirituais que afetam a sua vida. Com o carimbo da Manchete, é claro: duplo prefácio de Carlos Heitor Cony e deste que vos escreve.



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