segunda-feira, 10 de junho de 2019

Alberto Dines, nossa longa vida pelas Redações dos jornais e a histórica primeira página do JB, sem manchete. Por Nelio Barbosa Horta

Alberto Dines no front jordaniano, em 1967, quando cobriu para Manchete a guerra no Oriente Médio.

Em 1962, no almoço de comemoração de um ano da revista Fatos & Fotos, ao lado de Austregésilo de Athayde, Juscelino Kubitschek e Adolpho Bloch


por Nelio Barbosa Horta 

Eu achava que o Dines ia chegar aos 100 anos. Era uma pessoa extremamente saudável. Extrovertido, criativo, feliz ao lado de sua companheira, a jornalista Norma Curi, que também foi do JB nos anos dourados. Confesso não pensei que nos deixaria antes do centenário, trazendo muita tristeza a todos que tiveram, como eu, a honra de trabalhar e conviver com ele na sua longa e brilhante trajetória pelos jornais e revistas brasileiros.

Conheci o Dines nos anos 50, no antigo Diário da Noite, jornal verde, cujo secretário era o Carlos Eiras (só os mais antigos se lembrarão dele), jornal do Paulo Vial Corrêa, do Austregésilo de Athayde, do Fernando Bruce, do Brício de Abreu, (o Briabre), do Marcelo Pimentel, do Nelson Rodrigues e que ficava na Rua Sacadura Cabral, 103.

Como o jornal enfrentava grandes dificuldades financeiras, apesar da grande equipe, o Dines foi contratado e transformou o DN verde em tabloide, numa desesperada tentativa de recuperá-lo. Conseguiu, já que houve momentos em que o novo tabloide triplicou a vendagem, coisa rara na época.

Deixando o DN, Dines foi ser editor da Fatos&Fotos, revista de Bloch Editores, onde seu brilhante espírito de liderança e competência se fez sentir, já que ele chegou a balançar e a concorrer com a tiragem da revista mais importante da Bloch, a Manchete. Naquela redação havia muita gente competente, o Macedo Miranda, o Ney Bianchi, o Itamar de Freitas, o Paulo Afonso Grisoli. Na Arte, o Ézio Speranza, eu e o Laerte Gomes. Trabalhei no Diário de Notícias, que tinha o José Carlos Oliveira, o Luiz Alberto, o Ascendino Leite, o Teixeira Heizer e tantos outros. Depois trabalhei na Folha da Guanabara, com o Rennée Deslandes.  Passei pelo Mundo Ilustrado, onde conheci o Hugo Dupin, pai do Fábio Dupin. Mais tarde, Tribuna da Imprensa, com o Hélio Fernandes e o Guimarães Padilha, em plena ditadura. Também trabalhei na precária cenografia da TV Tupi. Meu chefe era o Carlos Thiré, casado com a Tônia Carreiro e pai do Cecil Thiré. Quando saía, por volta das 23 horas, ia, a pé tranquilamente até o Largo de São Francisco pegar o bonde São Januário que me levava até São Cristóvão, onde morava. O Aterro ainda não existia...

Voltei a trabalhar com o Dines em 1º de maio de 1965, Dia do Trabalho, naquele lindo prédio da Av. Rio Branco, quando ele me convidou para o JB, para me juntar à equipe que ia fazer da edição de  domingo um “jornal diferente”, segundo suas palavras. Não havia vaga na Arte e eu fui ser repórter- especial . Meu chefe era o Aluizio Flores, o “Amiguinho” lembram dele?

 Como o JB estava em grande fase de expansão, o jornal se dava ao luxo de “exportar” profissionais, o Dines me mandou para a Gazeta do Povo, de Curitiba, para uma reestruturação gráfica e editorial. Fiquei lá por três meses. Muito frio, 16 horas de ônibus pela viação Penha, mas acho que o nosso trabalho foi reconhecido, apesar do jornal ter saído, naquele período, com a “cara do JB”.

Na volta para a Redação do JB encontrei grandes profissionais e editores: Wilson Figueiredo, Oldemário Touguinhó, Luiz Orlando Carneiro, Carlos Lemos, Gazzaneo, Joaquim Campelo, Humberto Vasconcelos, Macksen Luiz, Zózimo, Zuenir Ventura, Luiz Paulo Horta, Fleury, Regina Zappa, Bella Stall, Ana Arruda, Iesa Rodrigues, Rose Esquenazi, Sandra Chaves, Celina Côrtes, Léa Maria e tantos outros e outras, todos brilhantes profissionais.

Em 2004, participei da equipe que ganhou o último Prêmio Esso do JB com a 1ª página: Ministro Berzoíni: “ Eu odeio filas”. Na equipe, o Augusto Nunes, o Otávio Costa, o Marquinho e eu.

 Como eu trabalhava de dia em Bloch Editores só podia chegar ao JB à noite, às 18 horas, eu era o “fechador”, responsável pelas edições diárias. Eu ficava na primeira página junto com o copy-desk. Não tinha hora para sair, mas meu esforço era compensado porque o jornal, naquela época, já estava na Av. Brasil, próximo da subida da ponte. Eu morava em Niterói e subia a ponte rapidamente. Eu tinha uma Brasília que vivia enguiçando, quase sempre no vão central. Os funcionários já me conheciam e diziam: “outra vez seu Nelio...”, uma festa!

 Passei por todos os cadernos do JB, especialmente o Caderno Especial, cujo fechamento era às sextas-feiras, de madrugada. Era um super-pescoço e várias vezes eu amanhecia no jornal, esbarrando nos que chegavam para “abrir” as edições do fim-de-semana. Foram 46 anos, ininterruptos, até 2011, no Rio Comprido, já na edição digital.


A antológica capa do JB, em 12 de setembro de 1973
A famosa e histórica primeira página do SalvadorAllende ficou decidida bem tarde. O Dines e o Lemos já tinham deixado a Redação e a ordem da censura para que o jornal não desse manchete foi recebida pelo Maneco (Manoel Bezerra), que era o secretário da noite. O Maneco ligou para o Dines avisando da nova determinação da censura. O Dines chegou rapidamente à Redação e disse:
“-Vamos obedecer à censura, a página sairá sem manchete”.

A ideia da página sem manchete foi dele. Como o Avellar, (José Carlos Avellar) que era o diagramador oficial da primeira página já tinha saído, a “bomba” estourou na minha mão. Confesso que foi a página mais fácil de se fazer. Sem manchete, sem foto, apenas com o “L” dos classificados. Antes de tirar a manchete que seria, ‘Golpe derruba e mata Allende’... O texto, acho que foi a editoria internacional que mandou uma parte (Humberto Vasconcelos, que estava em Santiago) e o Lutero, que escreveu o restante, com a supervisão do Dines, e do Lemos, que àquela altura já haviam voltado ao jornal. Infelizmente, talvez tenha sido aquela página o “estopim” para a saída do Dines do JB.

Deve-se a Nelson Tanure a manutenção do jornal, primeiro impresso e depois “digital” e a Omar Catito Peres o relançamento, há pouco mais de um ano, do grande JB.

Agora, é só saudade. Dines, companheiro de tantas trincheiras, de tantas lutas, o mais completo jornalista do século passado, nos deixou aos 86 anos, em 22 de maio de 2018, há um ano.

Deus o abençoe e até qualquer dia.

4 comentários:

J.A.Barros disse...

Parabéns Nélio Horta pelo seu trabalho, descrevendo a vida de um jornalista dos velhos tempos, trabalhando 18 horas por dia invadindo as noites nos fechamentos das últimas páginas de jornais. Para mim, na minha opinião, você enfrentava um "pescoção" todos os dias. De dia, trabalhava na Block Editores na revista que deixou muitas saudades, a Fatos&Fotos. Nélio Horta, você foi um gigante na sua vida profissional, durante os dias enfrentava os mau humores dos Blocks e à noite a virada violenta de fechar as últimas páginas de jornais nos últimos minutos dos prazos das oficinas gráficas para por o jornal nas ruas dentro de prazos exequíveis. É difícil para quem está do lado de fora das redações entender como era o antigo sistema de fechar revistas e jornais às tantas da madrugada. Hoje, com a computação gráfica, já é permitido um trabalho normal dentro de umas dez horas de trabalho e de fechamento até antes dos prazos exigidos pelas gráficas. Infelizmente, vimos as nossas revistas e jornais sucumbirem pela invasão e tomada de público pelos canais de televisão, que não só invadiram como nos roubaram os nossos anunciantes e por conseguinte as nossas fontes de dinheiro e sem dinheiro esse veículos de informação não resistiram e suas porta se fecharam, fechando também aos nossos grandes consumidores a leve e tradicional leitura de um jornal ou revista, deitados numa rede, alguns tomando goles de uísque com gelo e outros com coca–cola. Mas, vida que segue, sobrevivemos às tragédias dos fechamentos de grandes veículos jornalísticos e hoje com a vida contada em gotas pelo benefício da Previdência, vamos tocando os nossos barquinhos ao sabor dos ventos que enchem as nossas velas e nos levam para aquele magnífico por do sol ao cair das tardes de verão, que numa explosão de cores vermelhas, amarelas e tantas outras se despede do dia para na noite que nos invade deixar descansar nossas mentes e nossos corpos cansados e sonolentos. Parabéns, Nélio Horta: uma vida de jornalista.

Pedro disse...

Tantos bons profissionais citados aí mostram uma era em que o jornalismo valorizava o talento. Parabéns ao autor por trazer isso as novas gerações.

Renan disse...

Maravilha! Deveria haver um museu da imagem e do som só para o jornalismo, para guardar essas memórias.

Paulo Horta disse...

Muito bacana este relato, maravilha de trabalho jornalístico.
Sei como era a ¨pressão na época, servi exercito nos anos de 1972 a 1973 periodo em que o Presidente da Republica era o Gal Medici,
Min. do Exercito - Gal Geisel e
Chefe do SNI, Gal Fontoura.