Propina é, como se sabe, bíblica. Em troca de 30 moedas, Judas topou uma delação premiada para entregar Jesus. O fato, na época, não vazou e não virou capa de pergaminho. Só entre 70 a 90 anos depois de Cristo, estima-se, os escritos de Mateus ganharam a forma de evangelho e o escândalo veio à luz. Ao longo dos séculos, casos escandalosos nas vilas, cortes, castelos e papados eram apenas cochichados nos becos e salões e só depois, na poeira dos tempos, viravam material para historiadores.
Os meios de comunicação de massa e a intensidade do audiovisual potencializaram a divulgação multimídia dos escândalos. Seja qual for a editoria - política, economia, realeza, celebridades, esporte, sexo ou religião - em 90% dos casos aparecem fotos, vídeos, gravações e mensagens de texto. Os outros 10% de audiovisual não caem na web e na mídia não porque não existam, mas geralmente por envolver figuras poderosas que, com um aceno, "selecionam" o vazamento.
Para não ir muito longe: corruptos brasileiros notórios, a partir do anos 1950, colecionaram muitas falcatruas mas deixaram pouco material ilustrativo. Mesmo os casos que se transformaram em ruidosos processos ofereceram, no máximo, alguns documentos, uma carta, um bilhete, um ou outro sinal exterior de riqueza. Suspeitas sobre antigas concessões de energia elétrica, de bondes, ferrovias, a construção de Brasília, a operação fraudulenta que destruiu a Panair do Brasil, os bastidores das grandes obras do regime militar, os escândalos financeiros da ditadura, entre os quais os casos Delfin, Lutfalla, Paulipetro, Halles etc. Na década de 1980, o chamado Escândalo da Mandioca, o Coroa-Brastel, o Caso Capemi, o BrasilInvest. Nos anos 1990, os processos que levaram à renúncia de Collor antecederam à fila de eventos dos governos seguintes: os casos Sivam, Banestado, Anões do Orçamento, Banco Nacional, Banco Econômico, Caso Marka e Fonte Cindam, Encol, Precatórios, Privataria etc.
Em comum, tais operações não deixaram vídeos nem flagrantes marcantes. Esse tempo acabou.
Na era digital, principalmente a partir de 2000, a corrupção passou a gerar multimídia quase on line. Além de visual detalhado com cenas de prisões, interior de celas, sítios, apartamentos, viagens, vídeos e áudios que flagram tramoias e armações, os escândalos atuais fazem dos seus protagonistas e coadjuvantes as "celebridades" do momento, os "famosos", no jargão dos sites especializados. Quase sempre, nos rastro das investigações surgem musas que a Playboy acaba estampando. Imagens de festas, mansões, Ferrari, jóias etc, completam o efeito ostentação que torna o noticiário ainda mais atraente. Não só o noticiário, livros e filmes completam o panorama. Antes mesmo das sentenças, a indignação popular com a corrupção parece experimentar algum alívio diante de imagens explícitas de conduções coercitivas, prisões, cabeças raspadas. O luxo substituído pelo esculacho, o olhar humilde em lugar do riso altivo, o uniforme prisional em lugar da roupa de grife.
Isso impressiona as massas escandalizadas.
A maior parte desse material que compõe o atual docudrama brasileiro vem a público através de "vazamentos" geralmente motivados por interesses partidários ou é repassada à mídia por figuras citadas nas investigações, desde delatores e indiciados que fizeram suas próprias gravações a adversários políticos dos envolvidos.
São muitos os exemplos midiáticos nos últimos anos, mas um deles tornou-se quase que a síntese de tudo o que está dito acima. Há cinco anos, no dia 27 de abril de 2012, o Blog do Garotinho, um desafeto de Sérgio Cabral, divulgou uma inesquecível sequência de fotos daqueles que ficaram conhecidos como a Turma do Guardanapo: o então governador do Rio de Janeiro e seus alegres parceiros.
Eram felizes e sabiam.
6 comentários:
Temos um governo com nove ministros, o presidente da república, o do senado, o da câmara, porrada de deputados, senadores, governadores, ex presidentes citados em esquemas de corrupção e todos soltos e atuando,e ainda tem quem diga que a correção vai acabar kkkkkkkkkkkkkk
O pior é que essas pessoas estão mandando, bancando reformas suspeitas, votando isenções de impostos, autorizando venda de terras a estrangeiros, acabando com a saúde pública, com a previdência, bombas que vão aparecer mais adiante
E essas indiciações vão levar anos para serem concluídas porque são acusações sem provas materiais, como recibos, documentos que comprovem os ilícitos penais. Serão apenas uma palavra contra outra, o que não configura me si prova material. Os acusados já negam as acusações quando entrevistados pela imprensa e vão negar diante da Justiça. Ainda são poderosos e tem amigos poderosos que os protegem como protegem o Sérgio Cabral, que mesmo preso recebe almoço e janta, além do café da manhã de restaurantes de primeira linha e tem os passeios de carros pela cidade em dias em que fica chateado na prisão. Paga a um detento para limpar a sua cela diariamente. Por enquanto essa prisão quase um "spa ".
Muito interessante a análise. Me lembrei que até os 90 o material dá corrupção era papelada mesmo. Se não me enganei ACM andava com uma pasta com denuncias para intimidar adversários
Renan Calheiros levantou um tema que, realmente, será fundamental, no processamento dessas acusações contra a corrupção cometidas por esses políticos denunciados pela "Lava Jato ": a materialidade do crime de que são acusados. Não existe, pelo menos até agora, nenhum documento, recibo, gravação ou filme que materializa esses crimes. Sem essa prova física e irrefutável, dificilmente será provar a culpa desses políticos denunciados nas "delações premiadas ". Será palavra contra palavra, nos julgamentos e aí, minha gente, ficará tudo por isso mesmo e ninguém será julgado condenado e preso. Ainda estamos no velho Brasil.
Pelo que ouvi, os processos que estão no STF vão levar de dois a cinco anos para serem julgados. A primeira instância deve ser mais rápida, mas cabem os recursos aos tribunais superiores até chegarem ao STJ. Me revolta ver que os que aparecem nas denúncias podem continuar mandando e desmandando e, por que não?, praticando novos atos.
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