segunda-feira, 5 de julho de 2021

Mídia: palavras mutantes...

Fatos & Fotos, 1982

por José Esmeraldo Gonçalves

Estão falando alto pelos botecos... Delta, a cepa. Voto, o impresso.

Delta é a nova cepa da Covid-19, capaz de impulsionar novo ciclo de contaminação. Segundo os infectologistas, a lentidão da vacinação pode deixar o país exposto à Delta. O risco só diminuirá quando a imunização alcançar 80% da população. 

Voto impresso é o golpe que o governo prepara contra as eleições de 2022. Poderá ser usado, se aprovado, como uma espécie de comprovante do voto vendido. Algo a ser mostrado a quem pagou pela "mercadoria" entregue, como se fosse um boleto quitado e carimbado.   

Quase 40 anos depois, as duas palavras, Voto e Delta, voltam a se encontrar no noticiário, agora nas circunstâncias descritas acima. Mas em 1982 Delta era o elemento-chave do escândalo Proconsult, um complô contra a eleição de Leonel Brizola para o governo do Estado do Rio de Janeiro. A palavra estava em todos os jornais e revistas. E o voto (impresso) era o alvo daquela enorme tentativa de fraude eleitoral.  

Em 1982, o voto era analógico, não havia a maquininha do "confirma". O eleitor preenchia a cédula e depositava na urna. Era comum políticos donos de currais eleitorais entregaram ao eleitor "de cabresto" a cédula já preenchida com o "x" e os nomes do candidatos indicados. Se a cédula era o "impresso" da época, a totalização dos votos após a apuração manual dos mesários era feita por computadores. Grupos de mídia, políticos e empresários insatisfeitos com a liderança de Brizola nas pesquisas viram nesse sistema uma brecha para a fraude eleitoral. Os fraudadores ligados ao regime militar montaram um programa que transferia votos nulos e brancos para Moreira Franco, adversário de Brizola e o nome preferido pela ditadura. A variável que levava à fraude para a totalização foi chamada de Diferencial Delta. A maracutaia foi denunciada pelo jornalista Procópio Mineiro, da Rádio Jornal do Brasil. Em seguida, Brizola denunciou o golpe à imprensa internacional, abortou o crime e teve confirmada sua vitória por larga margem.

sábado, 3 de julho de 2021

A atriz Aline Moraes resumiu o espírito da coisa nas manifestações de hoje contra o meliante investigado

Rio, 03/7/2021. Reprodução Twitter

Há 60 anos Hemingway morria em Paris • Por Roberto Muggiati

Ernest Hemingway no Quênia, em 1953.
Foto: U.S. National Archives and Records Administration

Dois de julho de 1961, uma ensolarada manhã de domingo em Ketchum, Idaho. O velho levanta da cama às sete horas, pega um fuzil de caça de cano duplo e estoura a cabeça. Em Paris, são três horas da tarde e estou almoçando com Ruth Fleming, negra, intelectual de Nova York, vivendo um típico romance beat. Às nove da noite sentamos na amurada da rive gauche do Sena para assistir ao crepúsculo tardio do verão. Fumamos em câmera lenta um cigarro tibetano e depois vamos dormir num hotel da Rue de Seine. Na manhã seguinte, na primeira banca de jornal, dou de cara com as manchetes. "HEMINGWAY DEAD", grita o Daily Mail de Londres. "Alvejado quando limpava a arma. Foi suicídio?"


Paris, 3 de julho de 1961. Foto Acervo Pessoal

Vou a uma cabine de fotos automáticas e tiro uma 3x4 exibindo a primeira página do jornal. A sensação de perda é enorme. Numa carta a um amigo, Hemingway escreveu: "Se você teve a sorte de viver em Paris quando jovem, então aonde quer que vá pelo resto da vida ela o acompanhará, pois Paris é uma festa móvel."

Com Olli e Peter, em Paris, nos passos de Hemingway. Foto: Acervo Pessoal

Eu tinha dois amigos em Paris: o finlandês Olli Heikkinen e o norte-americano Peter J. Solomon. Com pouco mais de vinte anos, éramos um pouco os três mosqueteiros em busca de Hemingway. Olli foi viver em Paris com a mulher, uma ex-Miss Finlândia que virou dançarina do Crazy Horse Saloon. Separaram-se e Olli foi morar num pardieiro na Place de la Contrescarpe, onde Hemingway viveu em Paris nos anos 1920. Quando começou a passar fome, voltou para a casa do pai, operário de uma fábrica de vidros nas lonjuras do leste finlandês, perto da fronteira com a URSS. Fui visitá-lo na época do sol da meia-noite, pouco depois da morte de Hemingway.

Peter Jay Solomon era filho de uma tradicional família de banqueiros judeus de Nova York e estagiava num banco americano na região da Opéra. Em suas folgas de almoço, comíamos sanduiches no Harry’s Bar e folheávamos os livros da Brentano’s. Também voltou para a casa dos pais, mas marcou um encontro comigo em 1963 nas touradas de Pamplona, cenário do romance de Hemingway que retrata a "geração perdida", O Sol Também Se Levanta. 

Quase todo mundo que eu conhecia em Paris na primavera de 1961 estava com o pé na estrada a caminho de Pamplona. Americanos, canadenses, nórdicos, meridionais — aquela fauna estrangeira que se esparrama pelos boulevards e cafés de calçada quando o sol volta a brilhar. Muitos costumavam se reunir num café do Odéon frequentado por espanhóis para ouvir as guitarras, ver a dança flamenca e viver a fiesta por antecipação.

Naquela segunda-feira, 3 de julho, quando os jornais noticiaram a morte de Hemingway, já deviam estar todos em Pamplona, para a festa das San Fermines. Dois anos depois, morando em Londres, fui até Pamplona para o encontro marcado com Peter Jay. Quando cheguei à pensión designada, ele já havia partido com a noiva, até hoje não soube o que aconteceu e nunca mais o vi. Decidi ficar e aproveitar a fiesta. Comprei uma bota, aquele odre de couro que os espanhóis enchem de vinho barato e esguicham garganta abaixo. Eu errava sempre o alvo e o vinho espalhava-se pelas roupas claras, tinto como sangue. Pelo menos não era o sangue que manchava as roupas dos espanhóis mais afoitos, que corriam pelas ruas estreitas que desembocavam na arena, perseguidos por um tropel de miúras furiosos.

Quando não havia corridas, sentava-me em meio a uma horda internacional no centenário Café Iruña, frequentado por Hemingway e cenário do filme de 1957 O Sol Também Se Levanta. Hemingway estivera ali pela última vez no verão de 1959, imaginem, apenas quatro anos antes... Coerente com sua opção ideológica, chegando a lutar na Revolução Espanhola, ficou 14 anos sem pisar na Espanha franquista, só voltando a partir de 1953, por força de sua paixão pelas touradas.

No discurso que mandou para ser lido em Estocolmo quando ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 1954, Hemingway escreveu; "Na melhor das hipóteses, o fato de escrever implica numa vida solitária..." Mas ele não parou de escrever, mesmo minado por uma série de doenças: diabetes, hipertensão, arterioesclerose, obsessão da morte. A escolha final foi consciente. Como escreveu Carlos Baker na sua biografia de Hemingway: "Agarrara-se durante anos à máxima ‘Il faut (d’abord) durer.’ Agora ela fora trocada por outra máxima: ‘Il faut (après tout) mourir.’ "

Na obra de Hemingway, Paris é uma cidade mitológica. Pamplona também. As pessoas passam, Paris e Pamplona ficam. No espírito do Eclesiastes, seu texto favorito da Bíblia, a terra permanece e Hemingway vê as pessoas mais com piedade do que com ironia. Esse sentimento é sintetizado em O Sol Também Se Levanta pelo refrão de Mike Campbell, bêbado no meio da fiesta, comparando o ser humano aos balões (globos iluminados, em espanhol) e aos fogos de artifício que explodem à noite no céu de Pamplona:

"Globos iluminados” –  disse Mike. “Um bando miserável de globos iluminados."

Pet clics: bons pra cachorro! • Por Roberto Muggiati

Foto de William Wegman (link para site do fotógrafo indicado no post)

Foto de William Wegman. Link para site do fotógrafo indicado no post


Foto de Elliott Erwitt. Foto para Instagram do fotógrafo indicado no post


Foto de Elliott Erwitt. Link para Instagram do fotógrafo indicado no post

Assediado por distopias e pandemias, vendo gente feia e medíocre destilando ódio e burrice por toda parte, resolvi compartilhar com os amigos algumas coisas legais que nos levam para longe deste insensato mundo (nenhum rancor ou pessimismo da minha parte, estou numa boa.) Conheçam aqui dois fotógrafos geniais: William Wegman, um weimaraner-lover de carteirinha, e Elliott Erwitt, amigo de quatro-patas de todas as raças, inclusive dos geniais SRDs. Duas amostras de cada um como aperitivo: se gostarem, procurem mais nas redes caninas. Partidário da máxima “às vezes uma foto diz mais do que mil palavras”, eu me calo, aqui e agora.

sexta-feira, 2 de julho de 2021

Brasil vai às ruas amanhã contra o vacinoduto

Os mercadores da morte

Na capa da Piauí: a cepa 171 da Covid

Hasselmann e Hoffmann: leoas à caça

 

Reprodução O Globo



por O.V.Pochê

Recentemente, Bolsonaro gabou-se por ser “Sou imorrível, imbroxável e também incomível”. Não contava com a astúcia de duas felinas que a foto de capa do Globo mostrou ontem.  A deputada federal Joyce Hasselmann, ao microfone, e Gleise Hoffmann, à direita, de máscara vermelha, são ideologicamente distantes, mas o "incomível" conseguiu uni-las na apresentação do super pedido de impeachment.  Além da simetria dos sobrenomes, Joyce, 43, e Gleise, 55, têm afinidades geográficas. São paranaenses, a primeira de Ponta Grossa, a segunda, de Curitiba. O fato é que ambas, cada uma na sua trincheira, têm DNA de guerreiras. O pedido de impeachment tem notórias dificuldades para avançar em uma Câmara dos Deputados em sua maioria aparelhada pelo bolsonarismo. De qualquer forma, o "imbrochável" está no radar do pega pra capar das duas parlamentares. 

Assalto ao SUS

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Januário Garcia (1943-2021): o adeus de um militante da imagem

 

Reprodução Instagram


Reprodução Instagram


A devastação causada pela Covid-19 é dramática pelo número absurdo - mais de 520 mil brasileiros mortos - e choca quando o foco é cada vítima. São vidas individualmente valorosas que a cifra coletiva dilui. Permanecerá para sempre incalculável a enorme perda do Brasil em potencial humano, do mais humilde ao mais célebre. Por culpa da negligência criminosa da milícia dos insensatos, o país sangra como nenhum outro nessa trágica pandemia. Em nome das vítimas, o Brasil tem que cobrar essa conta.  

O fotógrafo e ativista do movimento negro, Januário Garcia, morreu ontem vítima da Covid-19. Tinha 77 anos e muito a cumprir na sua brilhante trajetória, com atuação em veículos como O Dia, O Globo, Manchete, Fatos & Fotos, Jornal do Brasil, O Dia e O Globo. 

Em 1994, Januário e o repórter Geraldo Lopes fizeram para a Manchete uma matéria com as baianas das escolas de samba reunidas no estúdio da Rua do Russel, poucos dias antes dos desfiles. Título: o rodopio dos orixás. Nunca o hall do prédio, onde elas rodaram saias e balandandãs, rivalizou tanto com a apoteose da ala das baiana no Sambódromo. 

Saravá, caro Januário.

O Pipoquinha está bombando! • Por Roberto Muggiati

 

Michael Pipoquinha - Foto: Divulgação\Reprodução YouTube

Limoeiro, Letônia, qualquer lugar vale para uma boa cepa do jazz. Este vídeo mostra o baixista brasileiro Michael Pipoquinha em ação vibrante com a Big Band da Rádio da Letônia tocando Teen Town, composição do baixista do Weather Report, Jaco Pastorius.

https://youtu.be/7BEgZLC05Vk

 Nascido há 25 anos em Limoeiro do Norte, no Ceará, 

Michael Pipoquinha começou no violão aos dez anos, mas, filho de contrabaixista, logo se apaixonou pelo instrumento. Mergulhou nos estudos, ganhou bolsas e conheceu seu ídolo, Arthur Maia – aos doze anos já estudava e tocava com ele. Aos treze anos, apresentando-se no quadro “De olho nele” no Domingão do Faustão, chamou a atenção do país em rede nacional. Já então Pipoquinha ganhava espaço com seus vídeos caseiros no YouTube e não parou mais – seus vídeos na internet chegam a milhões de visualizações.

Já na época, ao ouvi-lo pela primeira vez, um crítico exultou: “Pipoquinha é Pastorius puro!”, referindo-se ao gênio trágico do baixo, surrado até morrer, aos 35 anos, numa briga de bar na Flórida. Pipoquinha nunca escondeu sua admiração por Pastorius. “Uma gravação que realmente me marcou é Jaco tocando ‘Havona’ com o Weather Report. Tenho muitos heróis: na área do baixo seriam Jaco, Arthur Maia, Sergio Groove, Thiago do Espírito Santo, Victor Wooten, Nico Assumpção, John Patitucci e o grande Luizão Maia.”

Além dos milhares de ouvintes cativos da internet, Michael Pipoquinha tem conquistado fãs em apresentações ao vivo na Europa, África e América do Sul. Tocando o baixo elétrico com a velocidade de um cavaquinho, “Little Popcorn” fez uma feliz fusão das raízes nordestinas com o jazz, mais precisamente, com o bebop – um som que poderíamos chamar de forrop. “Minha maior alegria é comover as pessoas e leva-las à sensação de que realmente a música cura a alma”.

OUÇA MAIS: PIPOQUINHA NO XODÓ

https://www.youtube.com/watch?v=nfr7-f3Cr_8

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Que futebol é esse? A 'bolinha' da Copa América

Chupa, Melania. Jill Biden é capa da Vogue

por Clara S. Britto
Durante o mandato de Donald Trump, Melania Trump bem que se esforçou. Selecionou figurinos, gastou tubos de botox, abusou das griffes, mas não conseguiu um sonho: ser capa da Vogue americana. A revista declinou. Colocar o sobrenome Trump na capa seria avalizar o neo fascismo do magnata presidente. E assim Melania virou uma sem capa. Agora, na solidão da sua suite, uma espécie de chambre na torre, em Mar-a-Lago, na Flórida, teve o desprazer de ver a rival, Jill Biden, emplacar capa da Vogue logo no primeiro ano de Casa Branca.

Sobrou para o vinho

 Pô, aí já ‘tão de sacanagem com os enófilos: depois de batizarem mutações do vírus de ‘cepas’, agora inventaram os ‘sommeliers’ de vacinas...”

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Fotojornalismo - Manchete na Passeata dos Cem Mil: Hasselblad e cores numa hora dessas?

Paulo Scheuenstuhl, Vieira de Queiroz e Antonio Trindade fotografaram em cores a Passeata dos Cem Mil, em 26 de junho de 1968, no Rio, há  53 anos. 

Fotos Manchete


A igreja católica representada na manifestação: padres e... 

...freiras contra a ditadura.

Artistas desafiam a opressão: na extremidade dessa ala vê-se Tonia Carrero e Domingos de Oliveira...


e Grande Otelo. Fotos Manchete

por José Esmeraldo Gonçalves 

Os jornais eram em preto e branco, a TV idem, os cinejornais e documentários que registravam cenas dos protestos, também. A Veja não existia, O Cruzeiro estava falido e decadente. 

Em junho de 1968, mês de intensas manifestações contra a ditadura, fotojornalistas cariocas captaram cenas memoráveis com suas Nikon F e Pentax. As lendárias Rolleiflex que pontificaram na Manchete nos anos 1950 e até inicio da década de 1960 estavam aposentadas. 

Nas mochilas, quase todos os profissionais, incluída a equipe da Fatos & Fotos, carregavam "cargas" de filmes em p&b. 

Menos a Manchete, que reservava páginas coloridas para a cobertura das passeatas. E, com um detalhe, alguns fotógrafos da Bloch trabalhavam com a pesada Hasselblad, pouco adequada para ocasiões como aquela. Normalmente, esse tipo de câmera tinha um visor próprio para ser utilizado à altura da cintura, mas havia um adaptador que  possibilitava ser operada acima, ao nível do olhar do fotógrafo. Havia uma explicação para a Hasselblad, muito usada em estúdio, ir para as ruas; Adolpho Bloch  preferia abrir as tradicionais páginas duplas da revista a partir de cromos 6X6, o formato ampliado da famosa câmera de origem sueca. Gráfico por excelência e rigoroso quanto ao padrão de qualidade de impressão, o criador da Manchete confiava nos bons resultados do formato 6X6. Por isso, havia sempre um fotógrafo equipado com Hasselblad em meio aos protestos no centro do Rio reprimidos com violência e balas reais naquele ano especialmente conturbado. Claro que os outros três ou quatro que completavam as equipes trabalhavam com câmeras 35mm que lhes davam muito mais agilidade. 

Curiosamente, a maior parte da cobertura jornalística de Maio de 68, em Paris, também foi feita em P&B. Coube à revista ilustrada Paris Match registrar algumas manifestações em cores. 

Em 6X6 ou 35mm, o fato é que os fotógrafos da Bloch produziram um vasto e importante material colorido das manifestações de 1968. Pena que tais cromos estejam virtualmente desaparecidos desde que foram leiloados pela Massa Falida da Bloch Editores. 

É grande a possibilidade da memória em escala cromática da luta da Geração 1968 contra a ditadura tenha apodrecido em uma "galinheiro" do interior do Estado do Rio de Janeiro.    

domingo, 27 de junho de 2021

Vinicius é Manchete

Coluna Lauro Jardim- O Globo

Na capa do Meia Hora: encontre o Brasil cringe

O LGBTQIAP+ e o novo Contrato Sexual • Por Roberto Muggiati

Rio de Janeiro, 2018. Foto Agência Brasil
O jornalismo do Panis Cum Ovum nunca seguiu a fórmula banal do “realizou-se ontem...” Na medida do possível, procuramos sempre ir ao âmago dos acontecimentos, mostrando suas implicações mais extensas profundas. O que ocorre nos dias de hoje equivale ao que ocorreu ao longo de séculos na área social: da escravidão da “civilização” greco-romana e anteriores, à vassalagem na Idade Média, passando pela exploração da classe operária na Revolução Industrial e pela reação dos oprimidos na Revolução Francesa (com seu lema Liberdade, Igualdade, Fraternidade), pelas revoltas sociais do século 19 e pela eclosão do socialismo no século 20, até a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948. Ou seja, vivemos séculos de sangue e sofrimento até o estabelecimento de um Contrato Social – conceito lançado já em meados do século 18 por Jean-Jacques Rousseau.

Resumindo: notadamente a partir da segunda metade do século 19, amenizados os conflitos básicos de igualdade social, entrou em pauta uma questão mais delicada, tendo a ver com a “distribuição do desejo” e com a eliminação de todo tipo de repressão na área comportamental.

Resultante das lutas pelos direitos civis e pelo combate ao racismo, e das reivindicações dos movimentos feministas e gays no século 20, o movimento LGBTQIAP+ traz ao século 21 o que poderíamos chamar de assinatura de um Contrato Sexual (ainda não vi o termo usado em lugar algum, mas define perfeitamente a situação).

Para uma visão mais detalhada do rico fenômeno de diversidade que estamos vivendo, à margem de distopias e pandemias, tomei a liberdade de transcrever esta postagem do site Orientando:

- O que significa LGBTQIAPN+?

LGBTQIAPN+ é uma sigla que abrange pessoas que são Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Poli, Não-binárias e mais. Lésbicas e pessoas gays são pessoas que sentem atração pelo mesmo gênero, e por pessoas que consideram seus gêneros parecidos. Lésbicas são sempre mulheres, ou pessoas não-binárias que se alinham com o gênero mulher de alguma forma. Gays historicamente eram homens, mas hoje em dia, é também aceito que mulheres ou pessoas não binárias utilizem a palavra gay para se identificarem como pessoas que sentem atração pelo mesmo gênero e por pessoas que se consideram de gêneros parecidos. Pessoas bi são pessoas que sentem atração por dois ou mais gêneros. Pessoas transgênero, ou trans, são pessoas cujo gênero designado ao nascimento é diferente do gênero que possuem. Mesmo assim, nem todas as pessoas que se encaixam nesta definição se identificam como trans; como é o caso de certas travestis, de certas pessoas não-binárias e de certas pessoas que não vivem em culturas onde só existem dois gêneros. De qualquer modo, a maioria das pessoas que não são cis – neste caso, qualquer pessoa cujo gênero designado ao nascimento é parcialmente ou completamente diferente do gênero que possui, ou cujo gênero não pode ser traduzido adequadamente para o modelo de gênero eurocêntrico como homem ou como mulher – é bem-vinda na comunidade trans.

No Brasil, muitas vezes se colocam as identidades travesty ou travesti e transexual também na letra T (como termos separados de transgênero). Travesty geralmente é um termo usado por pessoas que poderiam se dizer transfemininas e que é marcado por resistência e inconformidade em relação ao padrão cis sobre o que uma pessoa trans “aceitável” deveria ser. Transexual é um termo geralmente associado com pessoas trans que querem fazer um ou mais tipos de transição corporal, embora nem todas as pessoas que se definam como transexuais façam ou queiram fazer isso.

A bandeira queer, que representa todes que se identificam como queer. Existem também variações desta bandeira para representar pessoas queer com identidades específicas.

Queer é um termo vago, que muitas vezes foi e ainda é utilizado como termo pejorativo em países de língua inglesa. Significa, basicamente, “estranhe”. Algumas pessoas definem sua orientação como queer, por não quererem/saberem defini-la e ao mesmo tempo não serem hétero; algumas pessoas definem seu gênero como queer, ou como genderqueer (“gênero queer”), por não quererem/saberem defini-lo além de “nem homem, nem mulher”, ou por desafiarem as normas de ser homem ou mulher.

Mas queer também pode ser um termo que abrange qualquer pessoa fora das normas de gênero, sexo e relacionamentos, e muitas pessoas que se consideram da comunidade queer também usam outros rótulos para suas orientações e/ou para sua identidade de gênero.

Em algumas ocasiões, genderqueer é um termo citado como parte do G, mas é mais comum que esteja dentro do Q de queer.

Questionando significa que a pessoa não sabe qual é sua identidade.

A pessoa pode estar questionando sobre alguma(s) identidade(s) específica(s): uma mulher pode estar questionando entre bi e lésbica, não sabendo se realmente sente atração por gêneros além de mulher, enquanto outra pessoa diz que está questionando ser bi porque não tem certeza se é mas é a única coisa que parece encaixar no momento. A pessoa pode também simplesmente definir seu gênero ou orientação como questionando, porque não faz ideia de onde se encaixa.

Pessoas intersexo são pessoas que, congenitamente, não se encaixam no binário conhecido como sexo feminino e sexo masculino, em questões de hormônios, genitais, cromossomos, e/ou outras características biológicas.

Pessoas assexuais são pessoas que nunca, ou que raramente, sentem atração sexual. Pessoas arromânticas são pessoas que nunca, ou que raramente, se apaixonam.

O A na sigla inclui tanto estas orientações como todas as do espectro assexual e as do espectro arromântico, que incluem orientações como quoissexual (alguém para quem o conceito de atração sexual não faz sentido), akoirromântique (alguém que não consegue continuar apaixonade uma vez que a outra pessoa também está apaixonada pela pessoa akoirromântica), e grayssexual (alguém que sente atração sexual de forma fraca, vaga e/ou rara).

Estes espectros estão inclusos no termo a-espectral, que também pode ser ocasionalmente usado para explicar que orientações fazem parte da letra A da sigla.

Pessoas agênero não possuem gênero, ou ao menos se sentem mais ou menos contempladas por esta definição. Algumas pessoas agênero não se consideram trans ou não-binárias, embora possam usar tais termos também.

Pessoas pan sentem atração por todos os gêneros, ou independentemente do gênero. Pessoas poli sentem atração por muitos gêneros. (Falo aqui de pessoas polissexuais/polirromânticas; não confundir com poliamor, que é ter mais de ume parceire num relacionamento compromissado.) A inclusão do P ajuda a ressaltar que pessoas multi que não se consideram bi também estão inclusas na comunidade.

Pessoas não-binárias são as que não são somente, completamente e sempre homens ou somente, completamente e sempre mulheres. Engloba pessoas sem gênero, com vários gêneros, com gêneros separados de homem e mulher, com gêneros parecidos com homem ou mulher, entre outras. Pessoas não-binárias podem se dizer trans, mas algumas não se consideram trans. Além disso, a inclusão separada da letra N ajuda a ressaltar que pessoas não-binárias estão inclusas na comunidade, e não só pessoas trans binárias.

O + está ali para pessoas não-cis que não se consideram trans (ou não-binárias, ou agênero), e por todas as outras orientações que não são hétero. Por exemplo, pessoas cetero/medisso são pessoas não-binárias que só sentem atração por outras pessoas não-binárias, pessoas omni sentem atração por todos os gêneros (algumas pessoas se dizem omni e pan; outras utilizam omni para evitar a conotação de “atração independentemente de gênero”), e pessoas abro possuem atração que muda constantemente (uma pessoa abrossexual pode ser gay em alguns momentos, assexual em outros, e pansexual em outros, por exemplo). Existem múltiplas possibilidades de orientações, e não é prático incluir cada uma na sigla.

Mesmo assim, dependendo do grupo ou da pessoa, é possível que retirem algumas letras, ou que adicionem outras, como O de omni e/ou D de demi.

Como nem todas as pessoas contam pessoas assexuais, arromânticas, intersexo, pan ou poli como “reais” ou como “marginalizadas o suficiente para serem LGBT”, é bom deixar explícito que aqui estas identidades são aceitas; por isso que não resumimos a sigla em LGBT ou em LGBT+.

Alternativas inclusivas:

Algumas pessoas utilizam o termo comunidade queer. No entanto, como queer é uma palavra que já foi muito usada com conotação pejorativa e isso pode deixar pessoas traumatizadas com o termo desconfortáveis, não é uma expressão mundialmente aceita. Além disso, o termo é vago, o que faz com que fique fácil de excluir pessoas intersexo, assexuais e arromânticas da comunidade.


Bandeira NHINCQ+, pronúncia “nhin-que mais”, significa Não-Hétero, Intersexo, Não-Cis, Queer e mais identidades relacionadas. Esta sigla tem o objetivo de ser o mais inclusiva possível, mas sem depender da adição de novas letras. O problema principal, além da falta de popularização, seria a centralização em características que as comunidades não são (cis, hétero) ao invés do que são (lésbicas, assexuais, trans, etc). A sigla tenta contornar isso pelo uso de queer (uma identidade que centraliza o que alguém é) e pelo +, mas muitas pessoas podem não ficar contentes com isso. Caso alguém queira saber mais, existem os links desta página.

 


Bandeira MOGAI, que também pode ser usada para quem usa IMOGA

PITOM (Pessoas Intersexo, Trans, e/ou de Orientações Marginalizadas) pode ser uma alternativa. Esta é uma adaptação melhorada de MOGAI (Marginalized Orientations, Gender Alignments and Intersex, ou, em português, Orientações Marginalizadas, Alinhamentos de Gênero e Intersexo); algumas das reclamações em relação a MOGAI são que intersexo não parece encaixar bem com os outros termos utilizados, e que Alinhamentos de Gênero pode não ser a melhor expressão para incluir pessoas trans e não-binárias. PITOM cobre estes problemas, sua única falha é não incluir bem pessoas que não são cis, mas que não querem se chamar de trans. Também existem pessoas que não querem focar a sigla na marginalização.

Algumas pessoas usam IMOGA ao invés de MOGAI, para resolver o pleonasmo de “pessoa marginalizada intersexo”. Já MOGMI é uma alternativa a MOGAI que usa modalidades de gênero (gender modalities) ao invés de alinhamentos de gênero.

O termo variante pode ser usado para pessoas que não se conformam aos ideais sociais e culturais de gênero, sexo, orientação, sexualidade, relacionamentos, expressões e de outras formas de autoidentificação. Este termo tem a intenção de ser amplo e inclui inconformidade de gênero, não-monogamia, altersexo e fetiches (desde que responsáveis/consentidos), além de pessoas intersexo, heterodissidentes e cisdissidentes.

Outros termos acabam sendo vagos demais, ou exclusionários; SAGA (Sexuality And Gender Acceptance; Aceitação de Sexualidade e de Gênero) não inclui pessoas intersexo, não deixa explícito que só estamos falando de um grupo oprimido, e não inclui pessoas que poderiam ser oprimidas por orientações românticas. GSRM (Gender, Sexuality and Romantic Minorities; Minorias de Gênero, Sexuais e Românticas) foi uma sigla originalmente feita por alguém que queria incluir parafilias (como pedofilia e necrofilia) em “minorias sexuais”, fora que exclui pessoas intersexo e não deixa explícito quem conta como minoria de gênero.

Por fim, temos Q(U)ILTBAG, uma alternativa pronunciável a LGBTQIA+ (o P não está presente, e o U é de enfeite ou com o significado de undecided; alguém que não decidiu sua identidade). É um termo ok, especialmente se considerar que é raro alguém realmente excluir pessoas pan/poli da comunidade se não excluem pessoas bi, mas é desconhecido demais e algumas pessoas reclamam da falta de espaço para outras letras.