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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Arqueologia em centro de tortura: não vão encontrar o meu esqueleto nos porões do DOI-Codi, mas faltou pouco... • Por Roberto Muggiati


Vladimir Herzog em foto na redação na TV Cultura. O jornalista cfoi assassinado por torturadores da ditadura militar no DOI-Codi, em São Paulo, no dia 25 de outubro de 1975.
Foto Reprodução TV Cultura

A coordenadora do projeto, Déborah Neves (à esquerda): pesquisas tentam identificar
indícios de vítimas ditadura militar torturadaas e assassinadas no DOI-Codi paulista.
Foto de Felipe Bezerra/Jornal das Unicamp 

Durante quinze anos – de 1969 a 1983, funcionou nos fundos da 36ª Delegacia
Policial de São Paulo, na Rua Tutoia, o DOI-Codi (Destacamento de Operações de
Informação – Centro de Operações de Defesa Interna) – um complexo criado pela
ditadura militar para torturar e exterminar opositores do regime. De 1969 a 1983,
mais de sete mil pessoas passaram por lá e algumas não saíram, como Vladimir
Herzog, que não resistiu aos castigos corporais e teve sua morte dissimulada por um
grotesco “suicídio” nas grades da cela. Os prisioneiros chegavam encapuzados e
ficavam presos em celas diminutas, incomunicáveis e sem direito a defesa, à espera
das torturas.

Cinco universidades públicas, entre elas a USP e a Unicamp, iniciaram um
projeto de escavação no local onde ficava o DOI-Codi para fazer um levantamento
completo da extensão dos atos de violência ali praticados. Diz Andres Zarankin
professor de antropologia e arqueologia da UFMG, que também participa da
empreitada: “Dente, brinco, cabelo. Anel? Exato. Elementos pequenos que caíram e
vão nos permitir reconstruir essa história, a partir desses fragmentos. Existe toda uma
narrativa por trás desses pequenos objetos e a mesma coisa dentro do prédio”.

Segundo o Jornal da Unicampo, os arqueólogos vão examinar as paredes das celas, para verificar se encontram mensagens escritas nas camadas mais antigas de pintura. E uma investigação inédita
no país vai tentar encontrar vestígios de sangue invisíveis a olho nu, usando luzes
especiais.

O DOI-Codi paulista foi chefiado pelo major Carlos Alberto Brilhante Ustra e
atuou inicialmente de forma clandestina como sede da Operação Bandeirante (Oban),
a partir de 2 de julho de 1969. Cerca de 70 pessoas teriam morrido sob tortura no
local.

Adriano Diogo, militante do movimento estudantil, foi daqueles que chegaram
embuçados ao DOI-Codi. O major que lhe retirou o capuz perguntou:
– Você sabe onde está?
– Não faço a mínima ideia...
– Você está na antessala do Inferno.

Ironicamente, a Rua Tutoia fica no bairro do Paraíso.

Até o final de setembro de 1969 eu morava em São Paulo e fazia parte da
equipe de jornalistas pioneira da revista Veja. Em 9 de dezembro de 1968, numa
badalada noite de autógrafos, lancei o livro Mao e a China; na sexta-feira 13 foi
decretado o AI-5. Verdadeira declaração de amor ao comunismo chinês, último livro
lido por Carlos Lamarca antes de morrer metralhado no sertão baiano, Mao e a China
saiu das estantes das livrarias para exibição em mostras de “material subversivo”
apreendido pelo exército. Eu tinha tudo a ver com Vladimir Herzog: éramos da mesma
idade e ele ocupou minha vaga quando deixei o Serviço Brasileiro da BBC em Londres.
Vários colegas meus da Veja e da Realidade – para a qual eu também colaborava –
foram levados encapuzados para o DOI-Codi.

Minha sorte foi ter trocado a Veja em São Paulo pela chefia de redação da
Fatos&Fotos, no Rio de Janeiro. A volta ao “balneário da República”

Para mais informações sobre as escavações arqueológicas no Doi-Codi de São Paulo, visite o Jornal da Unicamp AQUI

sábado, 23 de novembro de 2019

Henry Sobel (1944-2019): o rabino que desafiou a ditadura

O rabino Henry Sobel no culto ecumênico para Vladimir Herzog, ao lado do reverendo
James Wright e de D. Paulo Evaristo Arns. Foto de Vic Parisi/Reprodução Manchete

A cerimônia reuniu milhares de pessoas na Sé Catedral de São Paulo. Foto; Vic Parisi

por José Esmeraldo Gonçalves

O rabino Henry Sobel era um líder religioso que não negava sua voz às questões seculares.

Talvez por isso os jornalistas o procurassem tanto, desde os anos 1970, para opinar sobre temas que iam do divórcio à pena de morte - tópicos discutidos no Brasil daquela época -, e do ecumenismo aos direitos humanos, da violência urbana à educação e a busca pela paz mundial. Com extraordinária cordialidade, atendia a todos os veículos.

Mas os jornalistas também não esquecerão Sobel pela coragem com que se manifestou, em palavras e atitudes, quando a ditadura militar torturou e assassinou Vladimir Herzog, em outubro de 1975, em São Paulo. Ao lado de D. Paulo Evaristo Arns, ele desafiou não apenas o regime autoritário, mas setores da sua própria comunidade. Em versão tosca e construída, os militares alegavam que Herzog havia se suicidado na prisão. Diante disso, e de acordo com os preceitos judaicos, o jornalista deveria ser sepultado em ala separada, na parte externa do cemitério. Henry Sobel recusou-se a assim proceder e venceu as pressões. Herzog repousa na parte interna do Cemitério Israelita do Butantã. A recusa do rabino simbolizou o veemente protesto que denunciou o assassinato do jornalista. Dias depois, ao lado de Paulo Evaristo Arns e do reverendo James Wright, Sobel participou de uma histórica cerimônia ecumênica que reuniu milhares de pessoas na Sé Catedral de São Paulo. Um ato religioso para Herzog, um ato político pela liberdade no Brasil.

A dura luta pela verdade prosseguiu nos anos seguintes. Em 1977, Manchete cobriu mais uma cerimônia ecumênica que lembrava os dois anos do crime e pedia justiça. Mais cedo ou tarde, as verdadeiras circunstâncias da morte de Herzog seriam reveladas, dizia-se no púlpito. O que acabou acontecendo.

A propósito de Henry Sobel, que morreu ontem, aos 75 anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso postou no twitter uma declaração que retrata bem a participação do rabino na história que ajudou a escrever.

"Foi um bravo na hora difícil", definiu FHC.