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sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Desbolsonarizar o Brasil - De Leneide Duarte-Plon para a Rede Estação Democracia (RED)

 

Foto: Reprodução Facebook

por LENEIDE DUARTE-PLON*, de Paris (link para a RED) 

- https://red.org.br/noticia/desbolsonarizar-o-brasil/

Trabalho histórico, só pode ser bem sucedido sem anistia nem amnésia.

24 de Março. Mais memória, mais verdade, mais justiça. Faixa como esta – exibida por jogadores argentinos, entre eles Messi, em foto não datada, na qual eles vestem uniforme preto com o logotipo da Coca-Cola e da YPF, a companhia de petróleo argentina – nunca foi vista num campo brasileiro com jogadores brasileiros. Vale informar que a YPF foi privatizada pelo governo Menem, em 1999, para satisfazer a ganância do neoliberalismo mundial e pertence hoje a uma empresa espanhola. Alguém imagina jogadores brasileiros abrindo uma faixa semelhante no campo de futebol? 31 de março. Mais memória, mais verdade, mais justiça. Aqui, a amnésia foi cultivada, louvada e empurrada goela abaixo pelos militares.  A sociedade nunca conseguiu impor uma justiça de transição que julgasse militares e civis culpados de crimes contra a humanidade: tortura e desaparecimento de opositores políticos, considerados pelo direito internacional como imprescritíveis.

Não devemos esquecer que a Comissão Nacional da Verdade, parida a forceps no governo Dilma Rousseff, foi amputada das palavras Memória e Justiça por imposição dos militares que nunca admitiram que fosse feita Justiça contra os crimes da ditadura.

Temos muito a aprender com a Argentina, que soube levar ao banco dos réus e à prisão os responsáveis pela barbárie do regime militar que lá vigorou de 1976 a 1983. Nunca esqueçamos que o general Videla morreu na prisão. No Brasil, os presidentes-ditadores morreram no conforto de suas casas ou em hospitais sem nunca ter sido julgados. Seus crimes permanecem impunes.

Itália e Alemanha: como lidar com o passado

Há dois meses, o Le Monde fez uma série de reportagens sobre o fascismo para marcar os 100 anos da Marcha sobre Roma, na qual o  primeiro fascista inaugura o fascismo na Itália. O formidável trabalho de pesquisa histórica e de investigação jornalística do jornal revela um país que não virou totalmente a página do fascismo. O Le Monde qualifica a atitude dos italianos pós-guerra como um laxismo pois enterrou o fascismo sem punir os fascistas. A consequência é o governo pós-fascista de Giorgia Meloni.

Na Alemanha, o trabalho de Memória e de Justiça foi concretizado no Tribunal de Nuremberg, que julgou e puniu os nazistas por crimes contra a humanidade, num trabalho que ficou conhecido como desnazificação. Depois de Nuremberg, a História alemã, assim como as leis, garantem uma espécie de cordão sanitário contra o nazismo.

Na França, depois da guerra, a Justiça julgou e condenou todos os que colaboraram com o ocupante nazista. Épuration  foi o nome que se deu a esta justiça de transição. O ensaísta e jornalista Georges Suarez – biógrafo de Pétain, de Aristide Briand e de Georges Clemenceau – casado com a tia-avó de meu marido, foi o primeiro fuzilado por ter colaborado estreitamente com os alemães. Fora inclusive à Alemanha encontrar Hitler, com outros intelectuais franceses, como diretor do jornal de extrema-direita Aujourd’hui, sob controle alemão. Georges Suarez foi julgado, condenado e fuzilado em novembro de 1944, poucos meses depois da Libertação de Paris.

Que tipo de documentos o Trump dos trópicos, como o chama a imprensa francesa, pode estar escondendo ou mesmo queimando para continuar impune e até mesmo para trazer prejuízo ao novo governo Lula?

Esperemos que os Juristas pela Democracia e outros grupos de defesa do Estado de Direito agirão na Justiça em nome dos interesses de todos os brasileiros.

O filósofo e psicanalista Vladimir Safatle escreveu :

A amnésia construída nos mínimos detalhes por uma Lei de Anistia dos crimes da ditadura – prisões políticas, tortura e desaparecimento de corpos de assassinados pelos agentes da ditadura – explica em parte a eleição de um nostálgico dos 21 anos de chumbo que o Brasil viveu.  Como na vida psíquica do sujeito, na vida social o que ficou recalcado sem ser devidamente retrabalhado retorna inexoravelmente, numa explosão de devastação e sofrimento.

O trabalho de memória é pré-condição da reconstrução. Esquecer ou forçar o esquecimento é preparar a volta do que foi recalcado.

Eufemismos e distorções de quem reescreve a História

Acostumado a chamar o golpe de 1964 de “movimento”, o ministro da Suprema Corte do Brasil, Dias Toffoli criticou a Argentina por julgar e punir os carrascos da ditadura militar. Inacreditável, vindo de um homem que, presume-se, deve defender a punição de crimes contra a humanidade.

Os argentinos já condenaram 1.088 responsáveis por crimes contra a humanidade. As declarações do magistrado revelam desconhecimento sobre a História e o papel da justiça de transição.

Toffoli, aquele que nomeou dois generais como assessores, se faz porta-voz dos militares que cometeram crimes durante o governo do capitão-fantoche e prega, de maneira velada, a impunidade para os cúmplices do futuro ex-presidente do Brasil. Para isso, precisa criticar o magnífico trabalho feito pela justiça argentina.

Qualquer tentativa de perdão a Bolsonaro é apostar no fracasso da democracia, na falência das instituições e na frustração das expectativas de que o país consiga se reerguer, escreveu o jornalista Bernardo de Mello Franco.

Não preciso listar os crimes de Bolsonaro. Cabe à Justiça investigar.

Mas Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP, citou alguns : “Abuso de poder político, econômico e religioso; orçamento secreto, auxílios eleitoreiros não revogados por apatia do STF; coação pública (por lideranças locais, como no escândalo de Coronel Sapucaia, revelado por Caco Barcellos) e assédio privado (de empresários sobre empregados, por exemplo), que atualizaram o voto do cabresto; a insurreição da Polícia Rodoviária Federal para atrapalhar votos do nordeste”.

Conrado Hübner Mendes resume :

A impunidade de Bolsonaro não só permitirá que ele se reeleja mais adiante, como fará brotar clones tão ou mais perigosos. Para desbolsonarizar o futuro é indispensável reparar o passado e não subestimar a ameaça do presente.

Para concluir, evoco o grande poeta chileno Pablo Neruda:

Por estes mortos, nossos mortos, peço castigo. Para os que salpicaram a pátria de sangue, peço castigo. Para o verdugo que ordenou esta morte, peço castigo. Para o traidor que ascendeu sobre o crime, peço castigo. Para aquele que deu a ordem de agonia, peço castigo. Para os que defenderam este crime, peço castigo. Não quero que me dêem a mão empapada de nosso sangue. Peço castigo. Não vos quero como embaixadores, tampouco em casa tranquilos. Quero ver-vos aqui julgados, nesta praça, neste lugar. Quero castigo.

(De “Os Inimigos”, no livro ‘Canto Geral’ (1950), de Pablo Neruda – Tradução de Paulo Mendes Campos (1979).

*Jornalista internacional, moradora de Paris. Autora de livros como A Tortura Como Arma de Guerra (Civilização Brasileira, 2016).

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

O golpe é retórica? Coronel afirma ao Fórum 21 que "cúpulas já estão no poder".




Entrevista à jornalista Leneide Duarte-Plon para o Fórum 21 (link abaixo)

O coronel da reserva Marcelo Pimentel tornou-se uma figura midiática por suas críticas à participação de membros das Forças Armadas na política, que ele designa como o « partido militar », fato que despertou nos brasileiros todos os fantasmas que povoam a História do Brasil. Voz militar dissidente, Pimentel nada contra a corrente também quanto ao golpismo do “partido militar”. 

 Em entrevista exclusiva, Marcelo Pimenta desconstrói o discurso golpista : « O "golpe", além de desnecessário (as cúpulas já estão no poder), é meramente retórico e tem a finalidade de manter a sociedade temerosa e em estado de "anomia", o que facilita o controle das percepções da opinião pública de acordo com os interesses daquelas cúpulas para seus projeto de poder hegemônico, como, por exemplo, aparecer no momento oportuno para « evitar » ou « impedir » o "golpe" do "capitão golpista". »

Na entrevista, ele admite que a Funai foi aparelhada pelos militares para servir à visão desenvolvimentista dos fardados.

 Pimentel pensa que o 'partido militar' em torno do presidente está isolado na instituição e que não oferecerá grandes problemas para um terceiro governo Lula.

 Fórum21: Mais de 2,3 mil militares ocupam postos no governo de forma irregular, aponta auditoria da CGU.  Segundo relatório, irregularidades vão da ocupação simultânea de cargos militares e civis ao recebimento de salários acima do teto. Exército e ministérios da Defesa e Economia dizem apurar os casos apontados pela controladoria. O Brasil se tornou uma república militar?

 Marcelo Pimentel: O Brasil, infelizmente, regrediu em vários aspectos institucionais e político-institucionais. A politização das Forças Armadas/dos militares e a militarização da política e da sociedade, processos dinamizados pela atuação quase partidária dos militares, ao estilo de um Partido Militar, demonstra muito bem essa regressão. A imagem das Forças Armadas – que era muito positiva até 2018 desde que se empreendeu o afastamento recíproco das FA e dos militares da política e de governos – vem sendo deteriorada pela ambição política de boa parte das cúpulas hierárquicas das Forças Armadas. Como um integrante dessas cúpulas, isso me contraria intelectualmente. Considero o fenômeno do protagonismo político das cúpulas hierárquicas das Forças Armadas, em sua atual versão, anacrônico, impróprio, indevido, insensato, anti-histórico e, às vezes, ilegal, como no caso de generais e coronéis que, contrariando a Lei 6.880/80 (o Estatuto dos Militares), usam designações hierárquicas em atividades político-partidárias e quando ocupam cargos civis (Art. 28, XVII e XVIII), o que demonstra, pela impunidade, a leniência das autoridades militares e civis e da própria sociedade, especialmente do jornalismo sempre tão atento em descumprimentos de normas por agentes públicos. Sim, pode-se dizer que este é um governo militar.

 Fórum21: Há quem diga que afastar as Forças Armadas do poder político seria preservá-las do papel vergonhoso a que estão sendo expostas. O que você pensa?

 Marcelo Pimentel:  Penso que o Brasil - sua sociedade civil - foi e continua muito leniente com o protagonismo político das cúpulas hierárquicas das Forças Armadas, que, num país de História como a nossa em que as Forças Armadas, por intermédio de suas lideranças, sequer reconhecem o Golpe de 64 e a Ditadura, é muito preocupante.

Fórum21:  Para que são formados os militares brasileiros hoje?

Marcelo Pimentel : Para lutar uma guerra e vencer batalhas. Infelizmente, como a palavra convence, e o exemplo arrasta, os militares brasileiros hoje estão se comportando como militantes políticos de acordo com a visão de mundo e a postura das atuais cúpulas hierárquicas das Forças Armadas. Isto é muito perigoso e precisa ser urgentemente diagnosticado pela sociedade civil para que seja reerguida a "muralha" que deve separar Forças Armadas e militares da luta política e de governos - quaisquer governos. Essa muralha é constituída de neutralidade política, imparcialidade ideológica, apartidarismo no sentido amplo, isenção funcional, profissionalismo essencial e estrita constitucionalidade, princípios que devem fundamentar palavra e ação das cúpulas hierárquicas das Forças Armadas das democracias liberais (sentido político).


LEIA A MATÉRIA COMPLETA NO FÓRUM 21 AQUI

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Marighella: o filme sem tela pode virar série na TV

por José Esmeraldo Gonçalves 

Para Carlos Marighella, a luta continua.

Executado há 50 anos, o líder revolucionário, fundador da Aliança Libertadora Nacional (ALN), enfrenta, in memoriam, uma batalha para chegar às telas de cinema do Brasil.

"Marighella", de Wagner Moura, exibido no exterior e premiado em vários festivais, deveria estrear no dia 20 de novembro, a próxima quarta-feira, Dia da Consciência Negra. Em nota recente, a produtora O2 Filmes informou que o lançamento do filme, que tem no elenco, entre outros, Seu Jorge, Adriana Esteves e Humberto Carrão, foi cancelado porque a produção não conseguiu “cumprir os trâmites” exigidos pela Agência Nacional de Cinema.

E, aparentemente, não se fala mais nisso.

Assim como os golpes de Estado, a censura no Brasil agora atua travestida de inúmeros pretextos. Basta ler notas semelhantes das mais diversas instituições a propósito de apreensão de livros, de vetos a exposições, a palestras em universidades, de barreiras políticas, morais ou religiosas no acesso a financiamentos públicos e até agressões, intimidações e invasões de espaços culturais por milícias neofascistas.

A justificativa para o cancelamento da estréia de "Marighella" parece apenas uma versão construída para disfarçar o que já era esperado no atual ambiente político do Brasil. Aliás, "versão" é um recurso de dissimulação e fake news que tanto os órgãos de segurança da ditadura quanto o baronato da grande mídia, na época, usou para desconstruir os fatos na vida do guerrilheiro.

Em 2012, o fotógrafo da Manchete, Sérgio Jorge, denunciou na Istoé, a farsa montada pelo delegado Sérgio Fleury, que era uma espécie de capo executor oficial da ditadura, ao criar a versão oficial para a morte de Marighella, em São Paulo, no dia 4 de novembro de 1969.  "Eu vi os policiais colocando o corpo no banco de trás do carro", revelou o fotógrafo sobre a montagem da cena de confronto.  Segundo dois frades dominicanos que iriam encontrar o guerrilheiro, este foi executado no meio da rua, a queima-roupa. Não houver confronto. Marighella estava desarmado e foi fuzilado ao se encaminhar para o Fusca onde os policiais haviam colocado os dominicanos e onde seu corpo foi depositado em seguida. Os frades foram protagonistas involuntários da segunda farsa montada pela ditadura e divulgada pela mídia: a versão da "traição", segundo a qual os religiosos foram os responsáveis por dedurar Marighella.

A jornalista e escritora Leneide Duarte-Plon publicou semana passada na Carta Maior o artigo "50 anos da execução de Marighella e a farsa da "traição" dos dominicanos", que desmonta mais essa fake news da ditadura em parceria com os jornais. Conta a jornalista: "Logo depois da execução de Marighella, cujo corpo foi colocado dentro do carro depois de morto para compor a narrativa das fotos que a imprensa receberia, os órgãos de segurança da ditadura começaram uma sórdida campanha, bombardeando a mídia com fake news, atribuindo aos dominicanos uma suposta 'traição'. Eles teriam traído o antigo aliado, dando informações que permitiram a morte de Marighella. O que hoje chamamos de fake news sempre existiu. Os regimes totalitários desde sempre utilizaram a mentira para justificar invasões de territórios, prisões de dissidentes políticos ou mesmo para convencer a população que uma reforma traz benefícios quando, na verdade, representa perda de direitos. No Brasil de hoje, a mentira (fake news) é o combustível de toda ação governamental. Na época da ditadura não era diferente. No nosso livro "Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar", lançado em 2014, Clarisse Meireles e eu reconstituímos o episódio da prisão dos dominicanos e da mentira de Estado, que se impôs através dos órgãos de imprensa da época".

Testemunhos como o de Sérgio Jorge, livros como o de Leneide e Clarisse, além da obra de Mário Magalhães,  "Marighella, o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo", em que se baseou o filme,  recolocam os fatos diante da história.  O brasileiro tornou-se uma referência revolucionária em todo o mundo. Seu livro "Manual da Guerrilha Urbana" virou um tutorial famoso para muitos focos de luta popular. Que o diga Sebastião Salgado, que também trabalhou para a Manchete. Em matéria publicada na revista MIT, quando entrevistou Salgado, o jornalista Roberto Muggiati conta  como Marighella indiretamente salvou a vida do fotógrafo. Leia o recorte abaixo.


Enquanto "Marighella" permanece sem data de lançamento nos cinemas, a Rede Globo anuncia sua transformação em uma série de quatro episódios a ser exibida no ano que vem.

Caso "entraves" burocráticos não atropelem o projeto. 

PARA LER A REPORTAGEM COM SÉRGIO JORGE NA ISTOÉ, CLIQUE AQUI

PARA LER O ARTIGO DE LENEIDE DUARTE-PLON NA CARTA MAIOR, 
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