por José Esmeraldo Gonçalves
Para Carlos Marighella, a luta continua.
Executado há 50 anos, o líder revolucionário, fundador da Aliança Libertadora Nacional (ALN), enfrenta, in memoriam, uma batalha para chegar às telas de cinema do Brasil.
"Marighella", de Wagner Moura, exibido no exterior e premiado em vários festivais, deveria estrear no dia 20 de novembro, a próxima quarta-feira, Dia da Consciência Negra. Em nota recente, a produtora O2 Filmes informou que o lançamento do filme, que tem no elenco, entre outros, Seu Jorge, Adriana Esteves e Humberto Carrão, foi cancelado porque a produção não conseguiu “cumprir os trâmites” exigidos pela Agência Nacional de Cinema.
E, aparentemente, não se fala mais nisso.
Assim como os golpes de Estado, a censura no Brasil agora atua travestida de inúmeros pretextos. Basta ler notas semelhantes das mais diversas instituições a propósito de apreensão de livros, de vetos a exposições, a palestras em universidades, de barreiras políticas, morais ou religiosas no acesso a financiamentos públicos e até agressões, intimidações e invasões de espaços culturais por milícias neofascistas.
A justificativa para o cancelamento da estréia de "Marighella" parece apenas uma versão construída para disfarçar o que já era esperado no atual ambiente político do Brasil. Aliás, "versão" é um recurso de dissimulação e fake news que tanto os órgãos de segurança da ditadura quanto o baronato da grande mídia, na época, usou para desconstruir os fatos na vida do guerrilheiro.
Em 2012, o fotógrafo da Manchete, Sérgio Jorge, denunciou na Istoé, a farsa montada pelo delegado Sérgio Fleury, que era uma espécie de capo executor oficial da ditadura, ao criar a versão oficial para a morte de Marighella, em São Paulo, no dia 4 de novembro de 1969. "Eu vi os policiais colocando o corpo no banco de trás do carro", revelou o fotógrafo sobre a montagem da cena de confronto. Segundo dois frades dominicanos que iriam encontrar o guerrilheiro, este foi executado no meio da rua, a queima-roupa. Não houver confronto. Marighella estava desarmado e foi fuzilado ao se encaminhar para o Fusca onde os policiais haviam colocado os dominicanos e onde seu corpo foi depositado em seguida. Os frades foram protagonistas involuntários da segunda farsa montada pela ditadura e divulgada pela mídia: a versão da "traição", segundo a qual os religiosos foram os responsáveis por dedurar Marighella.
A jornalista e escritora Leneide Duarte-Plon publicou semana passada na Carta Maior o artigo "50 anos da execução de Marighella e a farsa da "traição" dos dominicanos", que desmonta mais essa fake news da ditadura em parceria com os jornais. Conta a jornalista: "Logo depois da execução de Marighella, cujo corpo foi colocado dentro do carro depois de morto para compor a narrativa das fotos que a imprensa receberia, os órgãos de segurança da ditadura começaram uma sórdida campanha, bombardeando a mídia com fake news, atribuindo aos dominicanos uma suposta 'traição'. Eles teriam traído o antigo aliado, dando informações que permitiram a morte de Marighella. O que hoje chamamos de fake news sempre existiu. Os regimes totalitários desde sempre utilizaram a mentira para justificar invasões de territórios, prisões de dissidentes políticos ou mesmo para convencer a população que uma reforma traz benefícios quando, na verdade, representa perda de direitos. No Brasil de hoje, a mentira (fake news) é o combustível de toda ação governamental. Na época da ditadura não era diferente. No nosso livro "Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar", lançado em 2014, Clarisse Meireles e eu reconstituímos o episódio da prisão dos dominicanos e da mentira de Estado, que se impôs através dos órgãos de imprensa da época".
Testemunhos como o de Sérgio Jorge, livros como o de Leneide e Clarisse, além da obra de Mário Magalhães, "Marighella, o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo", em que se baseou o filme, recolocam os fatos diante da história. O brasileiro tornou-se uma referência revolucionária em todo o mundo. Seu livro "Manual da Guerrilha Urbana" virou um tutorial famoso para muitos focos de luta popular. Que o diga Sebastião Salgado, que também trabalhou para a Manchete. Em matéria publicada na revista MIT, quando entrevistou Salgado, o jornalista Roberto Muggiati conta como Marighella indiretamente salvou a vida do fotógrafo. Leia o recorte abaixo.
Enquanto "Marighella" permanece sem data de lançamento nos cinemas, a Rede Globo anuncia sua transformação em uma série de quatro episódios a ser exibida no ano que vem.
Caso "entraves" burocráticos não atropelem o projeto.
PARA LER A REPORTAGEM COM SÉRGIO JORGE NA ISTOÉ, CLIQUE AQUI
PARA LER O ARTIGO DE LENEIDE DUARTE-PLON NA CARTA MAIOR,
CLIQUE AQUI
Jornalismo, mídia social, TV, streaming, opinião, humor, variedades, publicidade, fotografia, cultura e memórias da imprensa. ANO XVI. E, desde junho de 2009, um espaço coletivo para opiniões diversas e expansão on line do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", com casos e fotos dos bastidores das redações. Opiniões veiculadas e assinadas são de responsabilidade dos seus autores. Este blog não veicula material jornalístico gerado por inteligência artificial.
Mostrando postagens com marcador fotógrafo Sérgio Jorge da Manchete. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador fotógrafo Sérgio Jorge da Manchete. Mostrar todas as postagens
sexta-feira, 15 de novembro de 2019
Marighella: o filme sem tela pode virar série na TV
Marcadores:
Cartqa Maior,
fotógrafo Sérgio Jorge da Manchete,
istoé,
José Esmeraldo Gonçalves,
Leneide Duarte-Plon,
Manchete,
Marighella filme,
revista MIT,
Roberto Muggiati,
sebastião salgado,
Seu Jorge,
Wagner Moura
Assinar:
Postagens (Atom)