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quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Dark Culture: o lado escuro da cultura urbana virou colecionável

Casa onde a Família Manson assassinou o casal Leno e Rosemary LaBianca, em 1969,
foi disputada recentemente por compradores. O ator Zak Bagans, do seriado Ghost Adventures, comprou a mansão. 

por Pedro Juan Bettencourt

Dark culture é um termo que vem do final dos anos 1980, tempos da darkwave impulsionada pelos pós-punks e góticos. Algo como transitar pelo lado negro da subcultura urbana.

É o que acaba de fazer o ator e escritor, Zak Bagans, do seriado Ghost Adventures. Ele comprou a casa que pertenceu a Leno e Rosemary LaBianca, o casal assassinado brutalmente por membros da Família Manson em agosto de 1969. O crime aconteceu em Los Angeles um dia depois da morte da atriz Sharon Tate pelo mesmo grupo. Rosemary foi esfaqueado 41 vezes e Leno 12 vezes. Ao saber que a casa que foi cenário do crime e mantém tudo original no interior e estava à venda por cerca de 2 milhões de dólares ele fechou negócio, mas antes teve que disputar com dezenas de interessados. Zak é um colecionador de peças dark culture. Não sabe ainda o que vai fazer da casa, mas acha que é local ideal para experiências paranormais.

Local exato onde Lennon foi assassinado
é atração turística. Reprodução
O ator não está sozinho na tendência macabra. Há quem colecione armas que foram usadas em crimes e quem saia de casa de câmera na mão para fotografar cenários de assassinatos famosos. O portal do Edifício Dakota, onde foi morto o beatle John Lennon, é ate hoje um dos locais mais fotografados de Nova York. O fascínio que os documentários com imagens do Titanic exercem em plateias em todo o mundo é explicado pelo impulso da dark culture com uma dose de interesse histórico. Em Dallas, uma cruz pintada no asfalto marcava o local exato onde John Kennedy. Recentemente, as autoridades apagaram o sinal para evitar acidentes com turistas que invadiam a avenida para fotografar e até posar para selfies com a cara no chão em meio ao trânsito. O quarto do albergue em Auvers-sur-Oise, na França onde Van Gogh suicidou-se com um tiro no peito é atração turística do local. O espaço é tão pequeno que só pode receber três pessoas por vez, o que provoca grandes filas de turistas curiosos. Objetos que pertenceram ao famoso serial killer Edward Gein (personagem real que inspirou o filme "Massacre da Serra Elétrica") podem ser visitados em site na internet e réplicas podem ser vendidas aos interessados. Logo depois do atentado terrorista às Torres Gêmea, em Nova York, pessoas garimpavam no local objetos e até pedaços de esquadrias para guardar como lembrança e até vender. Em 2011, o Newseum, de Washington, reuniu em uma exposição bem visitada restos de celulares,  pedaços dos aviões e outras peças recolhidas dos escombros do World Trade Center.

No Brasil a onda dark não é tão publicamente difundida, mas tem grande potencial. Colecionar recuerdos de crimes não é muito diferente de ir ao Museu da República, no Rio, ver o pijama com furo de bala e o revólver Colt com o qual Getúlio Vargas se suicidou. Tudo é curiosidade dark. Noticia-se que a faca usada contra o então candidato Jair Bolsonaro irá para o Museu Criminal da Polícia Federal, em Brasília. Certamente atrairá bolsomions fanáticos. A casa em São Paulo onde Suzane von Richthofen, o então namorado Daniel Carvinhos e o irmão deste, Cristian Cravinhos, mataram os pais da jovem, Manfred e Marísia von Richthofen é um referência da dark culture à brasileira. No Rio, o costão da Avenida Niemeyer onde foi encontrado o corpo de um jovem assassinada pelo playboy Michel Frank entrou para a história policial da cidade, assim como a escola em Realengo onde 12 crianças foram mortas a tiro por um aluno, e a calçada de um prédio próximo à Igreja da Candelária, cenário da chacina que vitimou oito menores. Na Ilha Grande (RJ), uma  atração são as ruínas do antigo presídio onde ao longo de décadas centenas de presos foram assassinados. Para os visitantes, é impossível circular no que resta de celas e corredores sem pensar no sangue que correu ali. Em Salvador, durante décadas, cabeças decapitadas dos cangaceiros mortos pelas volantes entravam no roteiro dos visitantes. Colocadas em tubos de vidro com formol eram expostas no Museu do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues até que o bom senso prevaleceu e foram entregues às famílias de Lampião, Maria Bonita e demais integrantes do bando.

O compartilhamento de fotos e vídeos de assassinatos é a mais recente a tenebrosa manifestação da dark culture.

Com tanta violência, o Brasil tem tudo para ser a pátria amada da dark culture. Se já não for.

ATUALIZAÇÃO em 7/10 - Mais dark culture. O presidente da Ucrânia, Vladimir Volydymyr, acaba de abrir a sala de controle do reator nº 4 de Chernobyl para os turistas, desde que eles usem traje especial, luvas e capacete. Volydymyr também decretou que a região de Chernobyl, que recebe visitantes não oficiais há anos, é agora formalmente uma área turística. A decisão se deve ao aumento da curiosidade impulsionada pela minissérie do mesmo nome que fez sucesso mundial na HBO. A sala do reator 4 foi onde começou a tragédia de Chernobyl.

sábado, 28 de setembro de 2019

O bode que deu vou te contar...

Para a Manchete, o julgamento de Charles Manson foi a sentença dos hippies. 

por José Esmeraldo Gonçalves

Na gíria atual, 'bode' é o apelido que a periferia dá às motos. Na origem, significava tristeza, depressão. Também era usado como sinônimo de bad trip, a viagem lisérgica de quinta classe sem direito a bagagem de mão nem lanche a bordo.

A mídia americana reavivou recentemente cenas e memórias de Woodstock. A revisita datada manteve o tom nostálgico da euforia do rock e dos hippies que marcou aquele festival com repercussão global.

Sharon Tate. Reprodução
O cinema e a TV americanos se ocuparam de outro acontecimento de 1969, este no sentido oposto, o do "bode", que abalou aquele agitado agosto, há 50 anos. Pelo menos duas produções, além de documentários jornalísticos exibidos pela TV, tiveram como tema o assassinato da atriz Sharon Tate, grávida de oito meses meses e então casada com o diretor Roman Polanski, pela Família Manson, uma seita liderada por Charles Manson.

Três anos antes, ao deixar a prisão onde cumprira pena por roubo e estelionato, Manson se aproximou dos hippies de São Francisco e Los Angeles. Apropriou-se de alguns estereótipos do movimento dos jovens - roupas, cabelos, inspiração budista, a postura anti-sistema  - e formou seu próprio grupo. Tornou-se um guru para muitas meninas de classe média que moravam nas ruas por opção filosófica e comportamental. Logo promovidos a seita, eles viviam de pequenos roubos, pegavam comida em abrigos e portas de restaurantes. Manson convenceu seus seguidores de que logo haveria uma grande guerra entre negros e brancos. Como parte da estratégia de antecipar o conflito planejou assassinar celebridades de Hollywood. Imaginava que negros seriam apontados como culpados, o que desencadearia repressão policial violenta. A consequente resposta dos guetos se tornaria o gatilho da guerra mansoniana.

Não é exagero dizer que centenas de outras teorias surgiram sobre a motivação da Família Manson ao assassinar Sharon Tate. Ele mesmo "viajou " até a morte (em 2017) em versões sobre os propósitos da ação.

O certo é que o impacto emocional causado pelo crime brutal tornou-se - junto com o concerto dos Rolling Stones em Altmont, Califórnia, em dezembro de 1969, quando um garoto foi assassinado a facada na plateia - um marco do começo da  estigmatização e decadência do movimento hippie. A morte da atriz não provocou a "guerra" imaginada por Manson. Quem lubrificou as armas e lustrou as botas foi a repressão do governo americano que viu ali a oportunidade para uma ofensiva política contra o pacifismo, uma das bandeiras dos jovens. A Casa Branca - então de Richard Nixon - estimulou a formação de organizações de jovens conservadores ao mesmo tempo em que o FBI atacou "células" (o nome sinistro dado às comunidades) que organizavam protestos contra a guerra do Vietnã. Foi também nessa época que surgiu a política oficial de "guerra às drogas" então com um alvo único e preferencial: os jovens hippies.

Em todo o mundo, a mídia conservadora espelhou a estratégia de Nixon. A Manchete (capa acima) é um mero exemplo da repercussão política do fato explorado pela direita. Afinal, o  Brasil em plena ditadura também estava em guerra contra os jovens "subversivos". A propósito, com o "olho rútilo" da direita, Nelson Rodrigues, colunista da revista, escreveu uma crônica sobre os hippies. Título? "A revolução dos idiotas". 

Voltando ao "bode" agora em versão cinematográfica atualizada: as produções que "viajam" de alguma forma em torno da tragédia de Sharon Tate são: "Era Uma Vez em… Hollywood", de Quentin Tarantino, em exibição nos cinemas brasileiros, e a nova temporada do seriado "Mindhunter", do Netflix.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O último ritual: morre Charles Manson, o guru que mandou matar a atriz Sharon Tate...


Suástica na testa. l.A.
Há poucas horas, Debra Tate, irmã da atriz Sharon Tate, recebeu uma ligação do Departamento de Correção e Reabilitação de da Califórnia. Era um funcionário da prisão avisando da morte de Charles Manson, aos 83 anos, de causas naturais.

O telefonema fechou um ciclo que começou nos dias 9 e 10 de agosto de 1969, quando Manson e seguidores da sua seita assassinaram nove pessoas, aleatoriamente, em bairros ricos de Los Angeles. Entre as vítimas estava a atriz Sharon Tate, 26 anos, casada com o diretor Roman Polanski, de quem esperava o primeiro filho.

A caminho do julgamento. Reprodução Instagram
No final da década de 1960, Charles Manson liderava um culto apocalíptico - à Rolling Stone, ele contou que se "inspirou no Beatles" e se descreveu como uma reencarnação de Jesus Cristo, "não me importa se vocês acreditam ou não" - e seus seguidores esperavam que a onda de crimes fosse atribuída a negros e desencadeassem uma guerra racial na cidade nas grandes cidades. Desse apocalípse, ele acreditava que nasceria o "novo mundo".





A  morte de Sharon Tate ocupou a mídia mundial. Revistas conservadoras como a Life e a Manchete generalizaram a tragédia e atribuíram os crimes aos "hippies". Para Life, era o 'a face escura da vida hippie"; para a Manchete, "a fúria assassina dos hippies". O Sunday News apostou em ritual; o Globo em oferenda a Satã.

Manson foi condenado à morte em 1971. Posteriormente, quando a Califórnia aboliu a pena de morte, teve a sentença comutada para prisão perpétua.

Ele jamais se declarou arrependido.

Nos últimos anos, em foto dos arquivos policiais e em vídeos no you Tube, apareceu com uma suástica tatuada na testa.