domingo, 4 de junho de 2023

Encontrando Godot • Por Roberto Muggiati

Samuel Beckett: cabeça de bala de fuzil

Foi na última vez que vi Orly, voltando definitivamente para o Brasil, depois de dois anos de Paris e três de Londres. Na antessala de embarque do aeroporto, vi de repente aquela cabeça única, inconfundível. Samuel Beckett, no bar, tomava cerveja (nada mais dublinense) descontraidamente – logo ele? – com três rapazes, pinta de irlandeses. Beckett tinha 59 anos, parecia sem idade, imortal. Daí a quatro anos ganharia o Nobel. Atrás de uma coluna, num canto, Godot espreitava. Ao ver aquela cabeça incrível, bala de fuzil, congelei. Seis anos antes, em Curitiba, eu tinha lido o livro-fetiche do Luiz Carlos Maciel, Samuel Beckett e a solidão humana. O homem era um monumento. Foi a única ocasião na vida em que eu – anarquista e ateu – quase acreditei ter visto Deus de perto. Em tempo: Godot é um trocadilho bilíngue de Beckett juntando God – Deus em inglês – com o sufixo diminutivo francês ot (inho)...

Um comentário:

Prof. Honor disse...

Humor negro, como Beckett usou, é a melhor arma contra a realidade