segunda-feira, 12 de junho de 2023

Meu café da manhã na Tiffany's, Natal de 1976 • Por Roberto Muggiati

Audrey Hepburn em "Bonequinha de Luxo"
("Breakfast at Tiffany’s") durante a cena-título na loja da griffe em Nova York.
Foto:Divulgação Paramount  

O coraçãozinho da Tiffany sobre o tubinho preto da Audrey Hepburn.


Para ler ao som de Moon River, da trilha de Bonequinha de Luxo: Audrey Hepburn e Henry Mancini

https://www.youtube.com/watch?v=Bk93NaY70Tg

Quando viajei com minha mulher Lina para Nova York em dezembro de 1976 eu já estava namorando a Lena, colega de trabalho na Bloch. E apaixonado. É uma situação terrível essa superposição de casamentos. No futebol imperava a nova estratégia de Coutinho e seu jargão parecia ter tudo a ver comigo: overlapping, ponto futuro, polivalente... 

Uma manhã acordei cedo, Lina dormia ainda, fui caminhar por NY, já toda decorada para o Natal. Tinha visto num jornal a promoção especial para namorados da Tiffany, que ficava perto do meu hotel. Aquela saída sozinho era um crime deliberado, com a intenção de comprar o pendente de coraçãozinho de prata para a Lena, custava apenas US$19,99, mas era uma lembrança inestimável.

Lina tinha estabelecido protocolos especiais para nossa união informal. Fã de Sartre e Simone, propunha uma franqueza total. Caso um de nós se apaixonasse por outra pessoa, informaria ao parceiro. Ingênuo, cumpri o combinado e confessei que estava apaixonado pela Lena. Lina reagiu da pior maneira possível. Era nove anos mais velha do que eu, que era catorze anos mais velho do que a Lena. Ferida na autoestima, decidiu vingar-se arrancando todo o meu dinheiro. Não só ficou com nosso apartamento na Rua das Acácias, na Gávea, como com uma pensão mensal. Tive de recomeçar do zero com a Lena e em abril de 1978 casamos em cerimônia coletiva no cartório da Djalma Ulrich, em Copacabana. Lina, que era casada com o maior doleiro do Rio, podre de rico, tinha assinado a separação em branco, abrindo mão de seus direitos. 

Quis conhecer a Lena e o insólito encontro se deu justamente dentro do nosso fuscão diante da porta do prédio do Russell, 804. Entrou para as “memórias da redação” com toda a galera da Bloch assistindo das janelas e torcendo por algum derramamento de sangue. Lina repetia o protocolo de “passagem de pasta” ao qual me submetera em Paris, quando decidimos morar juntos, prometendo que cuidaria dela com o maior desvelo ao seu amante francês, Jerôme – um arquiteto que circulava pelos bulevares numa Porsche de capota arriada, como nos melhores filmes da nouvelle vague. 

Ao contrário do marido doleiro, Lina era péssima nos negócios: vendeu o apartamento da Gávea, comprou um studio em Paris, mas foi ludibriada e acabou perdendo o imóvel. Em 1983, voltou ao Rio e entrou na justiça contra mim. 

Só em 1987 – dez anos após o fim de nossa união – mediante uma polpuda quantia que levantei com meu Fundo de Garantia da Bloch, ela me deixou em paz. Nunca mais a vi, nem no seu enterro, em 2009, aos 80. 

Outro dia, mexendo nos seus guardados, Lena reencontrou o coraçãozinho da Tiffany, que estava sumido há décadas. Um reencontro providencial: eu não tinha meios para lhe dar uma lembrancinha de rubi por nossos 45 anos de casamento, completados em abril.

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