domingo, 2 de abril de 2017

Faz-me rir: a Folha e a falha...

Nos anos 1960, a compositora Edith Veiga fez muito sucesso com uma canção chamada "Faz-me rir". "Faz-me rir o que andas dizendo/ Não te enganes dizendo mentiras" (...) "Essa cínica farsa de agora, faz-me rir, ai faz-me rir", dizem alguns versos. "Faz-me rir" também já foi apelido de um bandido carioca e, recentemente, de uma gangue presa na Bahia.

A Folha lança um novo projeto editorial. O jornalão costuma fazer isso após tempestades. É um mea culpa formal, geralmente sofrido e mais teórico do que prático.

Lendo-o, é conveniente  botar pra tocar Edith Veiga.

A Folha participou do golpe de 1964 e engajou-se na ditadura durante os anos 70, especialmente na primeira metade, não apenas nas páginas do jornal mas com o forte apoio corporativo do grupo à repressão. No começo dos anos 80, a Folha lançou as bases de uma mudança editorial. Foi o primeiro veículo conservador, a apoiar as Diretas-Já. Na Constituinte e ao longo dos anos 90, o jornal manteve o alinhamento com as posições liberais conservadoras e a economia de mercado, próprias da elite política brasileira. Não fez campanha para Collor, mas apoiou em editorial uma das suas mais desastradas medidas, o brutal confisco da poupança. Na sequência, aliou-se a FHC e deixou o "pluralismo" de lado a partir daí. Na era Lula, entrou de cabeça no "jornalismo de guerra". E, finalmente, atuou com ferocidade no processo do recente golpe que derrubou uma presidente eleita. 

Mas uma vez, para a Folha, o pêndulo "moral e ético" balançou e parece ter chegado a hora do "apaziguamento". Em textos que apresentam o novo projeto, o jornal fala em "fazer prevalecer os valores do jornalismo profissional na cacofonia própria do meio digital, em que informação e entretenimento, realidade e rumor, notícias e "notícias falsas" tendem a se confundir e quase tudo se expressa com igual estridência, reproduzido de forma desligada do contexto original". Falou. Mas faltou dizer, diante do quadro de lastimável manipulação da mídia dominante, incluir aí fake news e pós-verdades circulantes nos grandes meios impressos atolados em política partidária. 

O novo "dragão da maldade" da atualidade é, para as grandes corporações de mídia, a incômoda internet. Ao mesmo tempo em que avalia como inevitável entrar no bonde digital, os meios da direita tentam desvalorizar e caluniar a nova mídia independente e passar a ideia de que só a "mídia das famílias" é capaz de fazer jornalismo. Tentam confundir a opinião pública colocando no mesmo saco de fake news "correntes de email", inverdades difundidas em páginas pessoais, falsos vídeos e montagens grosseiras, e sites e portais de qualidade, com editores e repórteres investigativos capazes de trazer à tona o que ao coral da velha mídia interessaria deixar sob o tapete. 

Para se ter uma ideia, a Folha defende, na apresentação do seu projeto, ninguém menos do que Michel Temer e as bandeiras do polêmico e notório núcleo quer o cerca. Há muitos outros me-engana-que-gosto no documento. Confiram: "parcela significativa da pauta deve apontar problemas, questionar autoridades, investigar irregularidades no âmbito público ou privado e organizar a cobertura de processos judiciais relevantes. Deve fazê-lo, contudo, de modo criterioso e prudente, evitando incidir em prejulgamento e exposição indevida de pessoas e empresas. É obrigatório veicular a versão dos fatos conforme a parte acusada, sobretudo antes da sentença definitiva, e noticiar absolvições que sobrevierem"; "mesmo com as cautelas recomendadas e adotadas, um jornal comete erros e imprecisões; pode, em certas circunstâncias, prejudicar indevidamente a imagem pública de pessoas e organizações; "é preciso reforçar o sistema interno de freios e contrapesos –a obrigação de publicar contestações fundamentadas, a atividade do ombudsman (profissional dedicado a representar direitos do leitor, das fontes e dos personagens do noticiário) e a veiculação metódica de retificações de equívocos constatados"; "o jornalismo da Folha se desenvolve num registro crítico, apartidário e pluralista";  "manter atitude apartidária desatrelada de governo, oposições, doutrinas, conglomerados econômicos de grupos de pressão"; estabelecer distinção visível entre material noticioso, mesmo que permeado de interpretação analítica, e opinativo".

Para não ganhar o carimbo "faz-rir", a Folha só precisa colocar tudo isso em prática.

Como diria o "estadista" que ela celebra: fá-lo-á?  


11 comentários:

J.A.Barros disse...

"Faz-me rir", meu caro JE, ou Nico Bolotrin. As suas "Catilinárias" contra a imprensa "faz-mr rir". Afinal, se não me engano, txrabalhou na Imprensa durante longos e alguns felizes anos de sua vida. Por que agora, se tornou visceralmente contra essa profissão. Ora vai dizer, – não combato o jornalismo em si, mas mas sim as empresas, que exploram o jornalismo. Reconheço como válida essa argumentação e assim passo a aceita-la, com protesto.

N.B disse...

Não escrevi o texto referido, não entendi a citação, mas assino embaixo.

JE disse...

J.A.Barros, esse pequeno resumo sobre a trajetória da Folha vale para a chamada velha mídia brasileira e o seu claro e histórico engajamento conservador. A partir dos anos 1990, provavelmente assustada com a ascensão de novas forças políticas, a grande mídia alistou-se aí já sem qualquer disfarce em permanente conspiração político-partidária e deixou de fazer jornalismo propriamente dito. Obviamente, não merece, sempre que exerce a desonestidade intelectual, o menor respeito. Jornalismo não é religião e não significa que deva render todas mentes, especialmente as mais suscetíveis. Ao contrário, a crítica faz parte do exercício da profissão. Ainda mais sabendo-se que quem mudou pra pior e ultrapassou todos os limites éticos foi a grande mídia como instituição privada e agente de interesses políticos e econômicos.
E, aí você tem razão, as críticas, no caso, são dirigidas ao sistema cartelizado e monocórdico que, no Brasil, não reflete as demandas sociais da maioria.

Corrêa disse...

Não nem pra discutir o jornalismo criminoso brasileiro desde que forçou a eleição de Collor até a derrubada de Dilma. E vem mais por aí, eles estão defendendo abertamente que Dilma seja condenada no TSE e Temer absolvido, defendem os corruptos no governo desde que façam as reformas para prejudicar milhões de pessoas, poupam corruptos denunciados pela Lava a Jato. Fazer o que? Estão recebendo mais verbas de publicidade.

Conrado disse...

A esquerda queria imprensa como na China de Mao e na URSS. Deus na sua sabedoria não permitiu no Brasil. Queira Deus que nos faça um país religioso no futuro com o açoite banindo os subversivos. Deus salve Temer, Eliseu, Moreira, Aécio, Geddel, Bolsonaro, Moro, Yousseff, Paulo Roberto, os homens que salvaram o Brasil dos comunistas e que estão aí sofrendo perseguições.

B72 disse...

Eh e mesma Folha que fez um barulhão com uma ficha falsa de Dilma presa? Um mico maldoso dos picaretas?

Wilson disse...

Quando não tiver nada mais impresso e tudo for internet o povo vai limpar a bunda com quê?

Wedner disse...

Tem gente que defende um jornal que tem colunista citado nas delações dá Odebrecht. Sabe quem é? Dica, é um playboy

J.A.Barros disse...

Trabalhei na Imprensa durante 50 anos de minha vida e posso dizer, orgulhoso até, que com todos os profissionais com quem trabalhei, jamais encontrei neles ou vi neles atos de desonestidade profissional ou princípios negativos, até pelo contrário, 90 por cento deles eram da esquerda e o restante não tinha partidos ou qualquer outra ideologia partidária. Hoje, nos dias que correm, não posso avaliar essa participação ideológica dos profissionais jornalistas.

J.A.Barros disse...

Tem alguns elementos de "baixo nível, que usam termos de baixo calão, inapropriados para este excelente e de primeira qualidade intelectual: Blog.

J.A.Barros disse...

Mas, quem não foi citado nas delações da Odebrecht?