quarta-feira, 25 de maio de 2022

“Stella!” bradou Kerouac como Brando. E morreu... • Por Roberto Muggiati

Vejam só, deixei passar em brancas nuvens o dia 12 de março, centenário de nascimento de Jack Kerouac, logo eu que sou o único brasileiro a manter correspondência com o autor de “On the Road”. Outro dia eu vou contar essa história aqui mesmo. Prefiro agora descolar uma vinheta, uma nota-de-pé-de-página sobre as coincidências irônicas.

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O berro do Brando

É uma das cenas icônicas do cinema. Bêbado, Brando berra obsessivamente o nome da sua mulher no filme de Elia Kazan Um bonde chamado Desejo (1951), inspirado na peça de Tennessee Williams. Pouca gente sabe que “Stella!” foi o grito desesperado de Jack Kerouac – suas últimas palavras, na verdade – em 20 de outubro de 1969 quando começou a vomitar sangue. Jack pedia socorro a sua mulher Stella Sampas, com quem morava em St. Petersburg, Florida, na companhia da mãe do escritor, Gabrielle , Mémère. 

Kerouak com a mulher,
Stella Sampas
(Um jornal da contracultura provocou seus leitores nos anos 70, aqueles da revolução mochileira” inspirada por On the Road: “VOCÊ BOTARIA O PÉ NA ESTRADA SE SOUBESSE QUE JAC KEROUAK MORA COM A MAMÃEZINHA DELE?”)

Levado ao hospital, com hemorragia do esôfago, Kerouac recebeu 26 transfusões de sangue, mas não pôde ser operado por causa do estado crítico do fígado. O “pai dos beats” morreu às 5:15 da manhã seguinte aos 47 anos. A causa oficial da morte foi hemorragia interna (provocada por varizes esofagais), causada por cirrose hepática, decorrente de décadas de abuso alcoólico.

Um fato curioso: numa carta de 1957 – ano em que o lançamento On the Road causou grande comoção nos meios literários – Kerouac instava Marlon Brando a comprar os direitos para a filmagem do romance.

Jack assim vendia seu peixe a Marlon: “Estou torcendo para que você compre On the Road e o transforme em filme. Não se preocupe com a estrutura, sei como comprimir o enredo e criar uma estrutura cinematográfica perfeitamente aceitável. Queria que você interpretasse o papel de Dean [Moriarty] porque ele (você sabe) não é desses babacas ligados em corridas de automóvel, mas um irlandês inteligente de fato (na verdade um jesuíta). Você faz Dean e eu faço Sal (Warner Bros decidiu que eu seja Sal) e vou lhe mostrar como Dean atua na vida real.”

Kerouac queria muito ver seu filme nas telas. Brigou com seu agente que não aceitou os 110 mil dólares oferecidos pela Warner, queria 150 mil. Só dez anos depois de sua morte, os direitos de filmagem foram comprados por Francis Ford Coppola, por insistência de uma namorada, o cineasta do Chefão não tinha nenhum tesão pelos beats. Convocou vários diretores – até seu filho Roman – mas nenhum conseguiu engrenar o projeto. Quando viu Diários de motocicleta, em 2004, Coppola teve um estalo e convidou o diretor do filme, Walter Salles, para transformar o romance de Kerouac em filme. O brasileiro topou, mas pediu um tempo. Vestiu sua toga de humildade, afinal ele tinha apenas um ano de idade quando On the Road foi publicado. Em 2005, Salles – que como piloto de corridas participou da GT3 Brasil – refez com uma pequena equipe as viagens de On the Road, entrevistando os remanescentes beats (Ferlingheti, Gary Snyder, a biógrafa de Kerouak, Ann Charters) e simpatizantes como Lou Reed, Philip Glass, Annie Lennox, do Eurythmics. Deu até uma esticada à Inglaterra para ouvir a viúva de Neal Cassady, Carolyn. Walter fazia em média duas ou três entrevistas por dia, durante abril de 2005, do meu Bunker na Real Grandeza, eu lhe fornecia por e-mail um perfil dos entrevistados e sugestões de perguntas. Por essa cobertura de retaguarda, como “consultor beat”, recebi um cachê que valeu mais pelo prestígio do pagante: a produtora Zoetrope, de Francis Ford Coppola.

VEJA MARLON BRANDO NO CLIP DE UM BONDE CHAMADO DESEJO AQUI

Frase foi Dia: Pessoa otimista

"Sinto-me nascido a cada momento, para a eterna novidade do mundo”.

Fernando Pessoa



domingo, 22 de maio de 2022

Mídia - Talibã obriga apresentadoras de TV a cobrirem o rosto

 


Reprodução Twitter

Fundamentalismo religioso é, por definição, autoritário e opressor. O Afeganistão de volta ao controle dos talibãs é agora território de abusos. As mulheres estão vivendo o inferno na terra. O Brasil já tem o fundamentalismo religioso no seu dia a dia.  Fanáticos montam estrutura política. No horizonte o quadro promete ser pior. Não chegaremos às burcas de pano, mas "burcas" de falsa moralidade já estão por aí. E os partidos políticos cortejam essa horda que já atormenta o Brasil, persegue outros credos, espanca homossexuais, e mama em verbas públicas. Essa semana uma vereadora de Curitiba apresentou projeto para proibir a exposição de verduras, frutas ou leguminosas que tenham a aparência de órgão sexual. Cenoura, pepino, vagem, banana etc. Para ser  comercializadas talvez usem embalagens de plástico preto como a censura da ditadura obrigava a cobrir capas de revistas nos anos 1970.

O talibã baixou essa semana um decreto obrigando as mulheres a cobrirem os rostos ao apresentar programas de TV. Nas ruas elas já são obrigadas  a sofrer com as burcas 

Além do pacotão de euros, a moeda de troca que fez Mbappé ficar no PSG foi o emprego de um brasileiro.

 




Polêmicas: ultra direita, assediador, fraudes, minimizou Covid, ameaçou Bolívia de golpe... Musk é o cara do governo

 

Reprodução Twitter

Na capa da Carta Capital: a política da morte

 


Na capa da IstoÉ: pátria roubada, Brasil

 



A lei da bala livre

Do Globo, hoje. Reprodução

sábado, 21 de maio de 2022

Publimemória: do Russell para o mundo. E para o "galinheiro". Entenda porque...

A revista Manchete produzia edições anuais em inglês, francês e, pelo menos uma vez, em russo. Essa última, revista especial que acompanhou a comitiva do então presidente Sarney a Moscou. Eram produtos dirigidos e realizados com apoio de empresas exportadoras para os países focalizados e de multinacionais daqueles países instaladas no Brasil. Uma fórmula que dava comercialmente certo. As redações contribuíam com textos sobre os vários setores exportadores e produziam um panorama fotográfico da indústria, dos pontos turísticos, da Amazônia, praias, a visão urbana das capitais. Equipes fotográficas pecorriam o Brasil para captar essas imagens. Em conjunto, elas mostravam um Brasil de várias épocas. Todo esse acervo produzido desde os anos 1950 até a década 1990 está desaparecido desde que foi leiloado, em 2010 - mal divulgado e sem qualquer noção do valor cultural do acervo -  pela Massa Falida da Bloch Editores. O arquivo da Manchete (e Fatos & Fotos, Fatos, Domingo Ilustrado,  Desfile, EleEla, Geográfica, Mulher de Hoje, Sétimo Céu, Amiga, País& Filhos, Manchete Esportiva, Enciclopédia Bloch, Carinho, Tendência, Medicina de Hoje, Manchete Rural, Jóia, Conecta) estaria se perdendo em um galpão - ou seria um antigo "galinheiro"? - no interior do Estado do Rio de Janeiro.  É até hoje um completo mistério esse desfecho. Por que um indivíduo se dispôs a pagar cerca de R$300 mil, na época - valor bem abaixo do avaliado - para arrematar um arquivo e sumir com milhões de cromos, negativos e cópias fotográficas? Não há resposta inteligível. Manchete publicou fotos, pela primeira vez, em abril de 1952, há pouco mais de 70 anos. Pelas leis brasileiras, fotos caem em domínio público a partir de 70 anos. Agora, a cada virada da folhinha, milhares de imagens originais se tornarão públicas. O problema é: o acervo ainda existe? Em que condições foi guardado? O que salva a memória é a Biblioteca Nacional, que digitalizou toda a coleção da revista Manchete.  Visitem esse extraordinário acervo e vejam o que, tratando-se de imagens originais - a irresponsabilidade ou outra motivação insondável destruiu.

Quinta coluna

sexta-feira, 20 de maio de 2022

Mulher quer apito, vai Catar na Copa... • Por Roberto Muggiati

Neuza Back: árbitra brasileira na Copa do Mundo. Foto FIFA

Pela primeira vez uma mulher vai apitar um jogo da Copa do Mundo. Demorou, mas aconteceu: a Copa depois do Catar será a do centenário, provavelmente no Uruguai, onde tudo começou em 1930. Aconteceu, mas nem tanto: serão três juízas e três assistentes. As árbitras escolhidas são Stéphanie Frappart (França), Salima Mukansanga (Ruanda) e Yoshimi Yamashita (Japão). Stéphanie apitou a final da Copa do Mundo feminina, vencida pelos Estados Unidos em 2019, e atua regularmente em jogos no campeonato francês masculino. (Foi ela quem apitou este ano a final masculina da Copa da França vencida pelo Nantes no Stade de Paris.)

Para o Brasil sobrou uma bandeiragem, a escolhida foi a catarinense Neuza Back, que atua em São Paulo. Foi auxiliar na primeira partida da final do Campeonato Paulista de 2020, entre Corinthians e Palmeiras; participou também da Copa do Mundo feminina de 2019; do Mundial de Clubes da Fifa de 2020, vencido pelo Bayern de Munique; e dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Neuza Inês Back, 37 anos, nasceu em Santa Catarina na região metropolitana de Chapecó, numa cidade com o bonito nome de Saudades. Mas está longe de ficar na saudade: com catorze anos de carreira, ainda tem muito gramado e glória pela frente.

A mulher já ocupa o seu lugar na arbitragem do futebol, mas a coisa ainda continua politicamente correta (e careta) e paternalista. Quando deixarão uma mulher apitar uma final de Copa do Mundo masculina? Com certeza não antes que comece a circular o Expresso 2222 de Gilberto Gil, que “parte direto de Bonsucesso pra depois...”

O presidente do Comitê de Arbitragem da Fifa, o italiano Pierluigi Collina afirmou que ele e sua equipe estão felizes por terem conseguido incluir  as mulheres no corpo de arbitragem pela primeira vez na história das copas do mundo. E arrematou: “Espero que, no futuro, a seleção de árbitras de elite para competições masculinas importantes seja percebida como algo normal, e não mais como excepcional”.

Va tutto bene, Collina. Mas logo no Catar? A pergunta que não quer calar: serão elas obrigadas a usar burka? E outra: poderão atuar com shortinhos apertados e as coxas à mostra?

O hipócrita segundo a Bíblia

As instituições estão funcionando no modo hipócrita. Reprodução


Durante a posse dos novos ministros do TST, ontem, Bolsonaro se dirigiu ao ministro do STF Alexandre Moraes e o cumprimentou. Moraes comanda processos em que o conspirador do Planalto  é alvo. Bolsonaro ataca o STF e o ministro com irada frequência. 


A falsidade de Al Pacino (com John Cazale) em O Poderoso Chefão 2

O cumprimento lembra uma cena de O Poderoso Chefão 2. Pouco antes de mandar eliminar Fredo Corleone (John Cazale), que o traiu, Michael Corleone (Al Pacino) afaga o irmão.

No filme, o gesto é um típico recado para um dos guarda-costas cumprir a ordem fatal do chefe. Não estamos no campo da ficção e a contenda entre Bolsonaro e Moraes não terá o desfecho dramático que o diretor Francis Ford Copola impôs ao seu filme: a coincidência se dá apenas no campo da falsidade. 

Nenhum dos dois gostou do "carinho" hipócrita. Devem ter tomado banho de sal grosso e mastigado galho de arruda após a encenação. Um pouco antes da cena Bolsonaro não seguiu os aplausos da plateia a Moraes; um pouco depois continuou a atacar o STF, o TSE e lançou mais ameaças sobre as eleições. Para usar a linguagem bolsonariana, diz a Bíblia: "Como dente estragado ou pé deslocado é a confiança no hipócrita na hora da dificuldade". Provérbios 25:19

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Memória da redação: bota fé...

Houve uma época em que a redação da Manchete fazia duas chamadas de capa principais. Uma, a que ia para as bancas; outra, para consumo interno, apenas saudável deboche. Fechamentos de revistas são às vezes tensos e a chamada de capa, que deveria funcionar como um apelo de venda da edição, quase um slogan, era geralmente uma das últimas coisas a fazer antes da happy hour. Uma espécie de pênalti cobrado aos 45 minutos do segundo tempo.  
Alberto Carvalho, secretário de redação da Manchete, usava seu humor certeiro para fazer a chamada alternativa impublicável. Uma vez, diante da foto de capa com dois dos maiores ídolos do Brasil, ele mandou essa: "o craque e o perna de pau". A capa reproduzida acima seria própria para muitas variações em torno do tema o padre e a moça. Bota fé... na bunda, bem que poderia ser uma das sacadas diretas do Alberto. A justificativa da Manchete para essa capa com o padre Marcelo Rossi e a Tiazinha é um primor de cinismo. "Usando batina ou chicote, eles têm um ponto em comum: são o grande fenômeno da mídia dos últimos tempos". A imagem é obviamente uma montagem. O padre, em modo meio sorriso, jamais imaginou que se fundiria com a  modelo. Esta, por sua vez, também não sabia que morderia um chicote, com expressão sadô, provocando o reverendo. Para essa capa o poeta romano Horácio mandaria ao par sua famosa mensagem: carpe diem. Em bom portugues, curta o momento. (José Esmeraldo Gonçalves)

Frase do Dia: omissão é adesão

"O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons."

Martin Luther King

Sinal dos tempos - Escrotoplastia em alta no Brasil

por O.V.Pochê

Segundo a Escola Superior de Urologia, a procura por escrotoplastia (que reduz o tamanho do escroto caído) aumentou 20% nos últimos dois anos. A informação é do IG Saúde, hoje. Mas a matéria não esclarece se haverá necessidade de um posto cirúrgico exclusivo no Planalto 

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Cannes: Letra Z é a polêmica da vez escrita pela guerra na Ucrânia

Em Cannes, filme Z muda de nome para Final Cut. Foto Divulgação.


O Z nos equipamentos russos.
Reprodução Twitter

por José Esmeraldo Gonçalves

A letra Z pintada em tanques, carros de combate e veículos de transporte de tropas russas é o símbolo que provocou protestos até no atual festival de cinema de Cannes.

O primeiro filme exibido fora da competição essa semana foi obrigado a mudar de nome. Chamava-se Z,  virou "Final Cut". É uma comédia sobre zumbis, mas o veto ao título original foi motivado para evitar que sugerisse um apoio à Rússia. Para os soldados russos a letra significa "Pela Vitória" ("Za Pobedu" ). 

O Z de Costa Gavras, com Invés Montand. Reprodução Manchete

Z também foi o título do filme de Costa Gavras sobre o assassinato do deputado Gregoris Lambrákis pela ditadura de ultra direita dos coronéis gregos nos anos 1960. Na época, a letra Z era pichada nas ruas de Atenas como uma forma de denunciar o crime silenciado na mídia. Z é a primeira letra da palavra grega "Zei" ("Ele Vive").

O Z no filme A Marca de Zorro, com
Tyrone Power

Finalmente Z a marca de Don Diego de la Vega, o  Zorro, personagem  fictício de vários filmes sobre o herói da luta contra o domínio espanhol sobre parte dos Estados Unidos . Do cinema também é Guerra Mundial Z, sobre um vírus que provoca um surto apocalíptico de zumbis. Não se sabe ainda se todas essas obras serão levadas a mudar de nome. 

Projeto do (ensino em casa) homeschooling será votado hoje. Depois da "geração condomínio" vem aí a "geração quarto e sala"

 


Frase do Dia: Prole

 Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”

MACHADO DE ASSIS, frase final de Memórias póstumas de Bras Cubas, 1880


terça-feira, 17 de maio de 2022

A conspiração bandida está nos gabinetes e porões. Mídia quer saber porque as instituições silenciam

 

Folha de São Paulo, hoje


Carta Capital dessa semana

A mais recente edição da Istoé


Arquitetura, memória e crítica

por J.A.Barros

Estou enviando anexo uma foto de um casarão, acho que do século XIX, por achar a construção tão bonita e majestosa, símbolo da criatividade sofisticada do homem voltado para o belo e o seu conforto e para evidenciar aos olhos da cidade o que é uma residência. 

Na verdade estou negando a falsa genialidade de um arquiteto brasileiro concebeu prédios enfaixados por metros e mais metros de  vidros em forma de janelas que abertas só cediam um terço de ar para o seu interior. Avançando nas suas fantasias copiou o iglu - que é apenas um abrigo temporário dos esquimós quando saem para caçar nas planícies geladas - e o introduziu nas cidades, notoriamente, na cidade de concreto Brasíliane bizarramente na sede do Congresso, sendo um deles de cabeça para baixo lembrando uma bacia de se tomar banho. Em Niterói, concebeu um enorme iglu para ser um cinema. A Catedral de Brasília lembra em posição de descanso fuzis apoiados uns nos outros. Trabalhei em dois prédios concebidos por esse arquiteto. No primeiro, para trabalhar, precisamos instalar ventiladores gigantescos que rodavam o dia inteiro. No segundo, as janelas de vidro só abriam 1/3, o que obrigou a empresa a instalar ar refrigerado para todos os 12 andares do prédio. 

Isso é modernidade? Ou tal apreço pela forma, que esquece que quem vai habitar essas formas é o ser humano.