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quinta-feira, 23 de junho de 2022

Por que Maria Lúcia Dahl não contracenou com Marlon Brando no Último Tango? • Por Roberto Muggiati

 

Maria Lúcia Dahl faria o papel de Rosa, a mulher de Marlon Brando

Morando em Paris em 1972, Maria Lúcia Dahl foi convidada para atuar em O Último Tango em Paris. Bernardo Bertolucci foi colega de Gustavo Dahl no Centro Sperimentale de Cinematografia em Roma e ficou amigo dela também. Prometeu-lhe o segundo papel feminino mais importante do filme, o de Rosa, a mulher de Marlon Brando, que se suicida com a navalha do amante num mar de sangue na banheira do hotelzinho mambembe, propriedade de sua mãe. O Último Tango não é só sobre Sexo, é também sobre a Morte. Antes do funeral, Rosa é velada no quarto do hotel, toda de branco cercada de rosas. Uma das cenas mais notáveis do filme é o monólogo de Marlon Brando diante da defunta, uma DR unilateral desesperada em que tenta exorcizar toda a dor da perda.

Quando Maria Lúcia me contou essa história, lembrei a ela que Kevin Costner teve seu primeiro destaque no cinema no papel de um cadáver que reúne um grupo de amigos em The Big Chill/O reencontro. Ela depois contaria em sua coluna do Jornal do Brasil em novembro de 2008 como foi duplamente passada para trás e perdeu o papel. “Respondi [a Bertolucci] que para ficar ao lado de Marlon Brando toparia ser uma morta muito viva, que o espreitaria sutilmente com o rabo do olho.”

Entra em cena a vilã da história, a figurinista do filme, que a princípio Maria Lúcia elogia: “Metka vestia a Maria Schneider com chapéus de aba larga, vestidos compridos e botas, num novo estilo hippie chique.” 

Decepção. “Mas acabaram contratando outra atriz, Veronica Lazar, para fazer a tal morta. Disseram-me que ela fez carreira na Itália e casou com o Adolfo Celi. Eu, hein, Rosa...” 

E a explicação: “De repente, no meio da conversa sobre um passado remoto lembrei-me de uma cena que tinha sepultado no meu inconsciente. Foi exatamente na época do filme que, recém-separada do meu marido exilado, fui deixar, como combinado, minha filha pequena para passar o fim de semana na casa dele. Como ninguém respondesse à campainha, vi que a porta da casa e a do quarto estavam abertas e fui entrando. Encontrei meu ex-marido dormindo nos braços da Metka. Ela abriu um olho e, assim que me viu, fechou-o novamente, como eu havia planejado fazer com a entrada em cena do Marlon Brando – e fingiu-se de morta. Reprimi tanto esse fato que a ficha deve ter ficado entalada em algum lugar do meu coração ou do cérebro, até concluir que ela, a revolucionária do figurino, deve ter feito a cabeça do Bertolucci contra mim.” 

quarta-feira, 25 de maio de 2022

“Stella!” bradou Kerouac como Brando. E morreu... • Por Roberto Muggiati

Vejam só, deixei passar em brancas nuvens o dia 12 de março, centenário de nascimento de Jack Kerouac, logo eu que sou o único brasileiro a manter correspondência com o autor de “On the Road”. Outro dia eu vou contar essa história aqui mesmo. Prefiro agora descolar uma vinheta, uma nota-de-pé-de-página sobre as coincidências irônicas.

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O berro do Brando

É uma das cenas icônicas do cinema. Bêbado, Brando berra obsessivamente o nome da sua mulher no filme de Elia Kazan Um bonde chamado Desejo (1951), inspirado na peça de Tennessee Williams. Pouca gente sabe que “Stella!” foi o grito desesperado de Jack Kerouac – suas últimas palavras, na verdade – em 20 de outubro de 1969 quando começou a vomitar sangue. Jack pedia socorro a sua mulher Stella Sampas, com quem morava em St. Petersburg, Florida, na companhia da mãe do escritor, Gabrielle , Mémère. 

Kerouak com a mulher,
Stella Sampas
(Um jornal da contracultura provocou seus leitores nos anos 70, aqueles da revolução mochileira” inspirada por On the Road: “VOCÊ BOTARIA O PÉ NA ESTRADA SE SOUBESSE QUE JAC KEROUAK MORA COM A MAMÃEZINHA DELE?”)

Levado ao hospital, com hemorragia do esôfago, Kerouac recebeu 26 transfusões de sangue, mas não pôde ser operado por causa do estado crítico do fígado. O “pai dos beats” morreu às 5:15 da manhã seguinte aos 47 anos. A causa oficial da morte foi hemorragia interna (provocada por varizes esofagais), causada por cirrose hepática, decorrente de décadas de abuso alcoólico.

Um fato curioso: numa carta de 1957 – ano em que o lançamento On the Road causou grande comoção nos meios literários – Kerouac instava Marlon Brando a comprar os direitos para a filmagem do romance.

Jack assim vendia seu peixe a Marlon: “Estou torcendo para que você compre On the Road e o transforme em filme. Não se preocupe com a estrutura, sei como comprimir o enredo e criar uma estrutura cinematográfica perfeitamente aceitável. Queria que você interpretasse o papel de Dean [Moriarty] porque ele (você sabe) não é desses babacas ligados em corridas de automóvel, mas um irlandês inteligente de fato (na verdade um jesuíta). Você faz Dean e eu faço Sal (Warner Bros decidiu que eu seja Sal) e vou lhe mostrar como Dean atua na vida real.”

Kerouac queria muito ver seu filme nas telas. Brigou com seu agente que não aceitou os 110 mil dólares oferecidos pela Warner, queria 150 mil. Só dez anos depois de sua morte, os direitos de filmagem foram comprados por Francis Ford Coppola, por insistência de uma namorada, o cineasta do Chefão não tinha nenhum tesão pelos beats. Convocou vários diretores – até seu filho Roman – mas nenhum conseguiu engrenar o projeto. Quando viu Diários de motocicleta, em 2004, Coppola teve um estalo e convidou o diretor do filme, Walter Salles, para transformar o romance de Kerouac em filme. O brasileiro topou, mas pediu um tempo. Vestiu sua toga de humildade, afinal ele tinha apenas um ano de idade quando On the Road foi publicado. Em 2005, Salles – que como piloto de corridas participou da GT3 Brasil – refez com uma pequena equipe as viagens de On the Road, entrevistando os remanescentes beats (Ferlingheti, Gary Snyder, a biógrafa de Kerouak, Ann Charters) e simpatizantes como Lou Reed, Philip Glass, Annie Lennox, do Eurythmics. Deu até uma esticada à Inglaterra para ouvir a viúva de Neal Cassady, Carolyn. Walter fazia em média duas ou três entrevistas por dia, durante abril de 2005, do meu Bunker na Real Grandeza, eu lhe fornecia por e-mail um perfil dos entrevistados e sugestões de perguntas. Por essa cobertura de retaguarda, como “consultor beat”, recebi um cachê que valeu mais pelo prestígio do pagante: a produtora Zoetrope, de Francis Ford Coppola.

VEJA MARLON BRANDO NO CLIP DE UM BONDE CHAMADO DESEJO AQUI

sábado, 8 de janeiro de 2022

Tribos capilares das Guerras • Por Roberto Muggiati

Minha recente incursão no mundo das mulheres de cabelos curtos levou-me a lembrar duas curiosas notas de pé-de-página históricas, referentes às duas Grandes Guerras. Na primeira, que foi uma guerra de trincheiras, os homens – sem capacidade ou sem necessidade de se barbear – deixaram simplesmente crescer barbas, bigodes, cabelos e tudo mais. Os soldados franceses foram batizados de “poilus” – peludos – um apelido amigável. Outro termo que nasceu nas trincheiras, o equivalente ao nosso “estar na fossa”, ou ao termo mais recente “deprê”. A palavra era cafard – no sentido literal barata – porque as trincheiras, com todo lixo e lama acumulados, estavam cheias destes animais nojentos e rastejantes. O sentimento do cafard é precursor da náusea sartreana.

Já a Segunda Guerra notabilizou o oposto: a ausência total de cabelos nas mulheres, as francesas que fizeram sexo com soldados alemães, tiveram os cabelos raspados como punição. Foram as “tondues”, publicamente humilhadas por terem mais do que colaborado com o inimigo e invasor.



Na sequência acima: Timothy Carey; Emmanuelle Riva; e Marlon Brando.

"Poilus" e "tondues" deixaram sua marca no cinema: Timothy Carey, fuzilado no filme de Stanley Kubrick
Paths of Glory/Glória feita de sangue; e Emannuelle Riva em Hiroxima meu amor, castigada na cidade de Nevers por se ter apaixonado por um alemão na 2ª Guerra.

Um salto para frente, até a Guerra do Vietnã. No clássico Apocalypse Now de Coppola, Marlon Brando faz uma ponta genial na última meia hora do filme como o coronel Kurtz, um assassino impiedoso, que aparece – numa forma simbólica de automutilação – com o crânio raspado. 

A propósito: em 1965, candidato ao vestibular da carreira diplomática no Itamaraty, tive de me submeter – como parte dos exames físicos – a um eletroencefalograma, agendado numa dependência da Aeronáutica nas imediações do aeroporto Santos Dumont. A pretexto de facilitar a colocação dos eletrodos em nosso crânio, os milicos rasparam rudemente nossa cabeça com a máquina zero. Ora, e as meninas? Vinte por cento das candidatas. Tiveram suas belas melenas preservadas, nem um fio foi tocado. Aí já é outra história – como escapei da diplomacia e caí nos braços do jornalismo. Depois eu conto...


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Roberto Muggiati escreve: Réquiem para Maria Schneider


Por ROBERTO MUGGIATI

Com 19 anos, a atriz Maria Schneider foi estuprada fisicamente por Marlon Brando e moralmente por Bernardo Bertolucci numa das cenas mais tórridas de O Último Tango em Paris.

Num vídeo de 2013, republicado por uma ONG espanhola em novembro, Bertolucci conta que a atriz Maria Schneider, na época com 19 anos, não sabia o que aconteceria na cena em que Paul, personagem de Brando, usa manteiga como lubrificante para sodomizar Jeanne.

A sequência é uma das mais famosas e polêmicas da história do cinema, e intensificou a censura ao longa no mundo inteiro. (No Brasil ele esperou dez anos para chegar às telas.) Maria Schneider nunca mais apareceu nua e, apesar dos muitos filmes que fez até morrer e câncer,  aos 58 anos, em 2011, só pontificou em outra obra, também de um diretor italiano: Profissão repórter (1975), em que contracena com Jack Nicholson. Drogas, tentativas de suicídio e a opção sexual por mulheres marcaram os anos conturbados que viveu depois de Tango.

A divulgação do “estupro” com manteiga revoltou a comunidade feminina do cinema, houve até quem pedisse que cópias do filme fossem recolhidas e incineradas.

Uma nota de pé de página tipicamente Panis sobre O último tango: a manequim e atriz de cinema brasileira Maria Lúcia Dahl – que foi capa da revista Manchete dezenas de vezes – foi escalada inicialmente para o maior papel de morta na história do cinema: o de Rosa, a esposa suicida de Marlon Brando. (Seu ex-marido, Gustavo Dahl, foi colega de Bertolucci no Centro Sperimentale di Cinematografia em Roma.) Mas intrigas de bastidores e política de alcova deram o cobiçado papel à atriz romena Veronica Lazăr – coincidentemente, casada com o ator Adolfo Celli, com quem teve dois filhos.

Ainda um comentário final: a trilha de O último tango seria composta por Astor Piazzolla. Na última hora, ele teve de se curvar a outro compromisso e Gato Barbieri entrou na parada, brilhantemente.

Reparem como o arcabouço da sua trilha tem a ver com a de Bernard Hermann para o filme de Hitchcock Marnie/Confissões de uma ladra. Mas de tudo isso restou uma canção de amor de Piazzolla para Brando e Schneider, Jeanne y Paul .
Ouçam
https://www.youtube.com/watch?v=Kw9zBuSZFSA