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quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Boletim médico: STF nega transfusão ao Estado Laico. O paciente agoniza

 

Um tribunal medieval em sessão. Gravura inglesa de autor desconhecido

por José Esmeraldo Gonçalves

A Constituição Federal do Brasil em seu Artigo 5° expressa: 

 "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" (...)

Ontem, o STF decidiu que "Testemunhas de Jeová" podem se recusar a receber transfusão de sangue em procedimentos médicos.

O que os ministro fizeram foi jogar para o alto o inviolabilidade do direito à vida garantido pela Constituição. 

A religião dos Testemunhas de Jeová não permite aos seus seguidores o recebimento de transfusão de sangue de terceiros.

Há exemplos fatais entre praticantes dessa denominação religiosa. Um dos mais dramáticos ocorreu em 1993 no Hospital São Vicente, no litoral paulista. Uma menina de 13 anos morreu sem que os pais autorizassem uma transfusão de sangue. A jovem sofria de anemia falciforme e, apesar das explicações e tentativas de convencimento por parte do médicos, negou-se a possibilidade de salvar a própria filha. Casos com o esse eram encaminhados à justiça. Agora, com o aval do STF, as mortes decorrentes de uma desautorização de transfusão estão acima da lei.

O STF viajou no tempo rumo à era medieval.

Provavelmente, essa decisão terá impacto em outras situações. Se um paciente pode recusar uma transfusão de sangue e, com isso isso, aceitar o risco de morrer, um doente em estado doloroso ou terminal que concientemente prefira a morte deveria ter o mesmo direito das Testemunhas de Jeová. Alguns países aprovam, por exemplo, a eutanásia como recurso para aliviar o sofrimento de pacientes incuráveis. A diferença é que a eutanásia é realizada por pedido oficial da pessoa doente e em condições determinadas pela legislação. 

No Brasil, a eutanásia é proibida mas, simbolicamentre, o Supremo, ontem, optou por uma "eutanásia" jurídica que levou para o Além mais um pedaço do Estado Laico esquartejado nos últimos anos pelo lobby religoso.

terça-feira, 29 de março de 2022

Alain Delon decide morrer • Por Roberto Muggiati

Alain Delon em cena de "O Sol por
Testemunha

Durante a pandemia tenho visto muito filme de Alain Delon. Uma beleza de ator, em todos os sentidos. Estrela da série de DVDs Filme Noir Francês, ele brilha em “Borsalino”, sobre a Máfia de Marselha – que antecipou em dois anos “O poderoso chefão” – , num noir político atualíssimo, “A morte de um corrupto”, e em Os sicilianos”, com Jean Gabin e Lino Ventura. Revi também sua interpretação magistral em “O sol por testemunha”, fazendo o melhor Tom Ripley de toda a saga do herói amoral de Patricia Highsmith. E não há como esquecer a figura solitária do assassino de aluguel em “O samurai”, no clássico dirigido por Jean-Pierre Melville. E, ainda há poucos dias, topei no YouTube com um thriller sobre a Guerra da Argélia, com Lea Massari, e um título que define Delon, “O insubmisso”.

Fui surpreendido agora pelo anúncio que Delon, 86 anos, acaba de fazer pública sua decisão de morrer por suicídio assistido na Suíça, país onde mora e do qual tem a nacionalidade. Disse ele: “Minha vida tem sido linda, mas também muito difícil. E, a partir de certa idade, temos o direito de ir embora tranquilamente”. Há poucos dias, o filho de Alain, Anthony Delon, disse à imprensa que acompanharia o procedimento quando o pai marcasse uma data. 

Alain Delon já tinha manifestado sua “ânsia de morrer” em 2017, depois da morte de sua ex-mulher Mireille Darc: “Hoje, prefiro ter 81 anos a 40. Não terei muitos anos mais para viver sem ela, não há muito tempo para sofrer. Sem ela, também posso partir”. 

Outra história de eutanásia: a cantora Françoise Hardy, 78 anos, ícone da jovem guarda francesa, disse recentemente que se sente "perto do fim da vida" e é a favor do suicídio assistido. Diagnosticada com câncer linfático em meados dos anos 2000, descobriu um tumor no ouvido em 2018. Ela já havia sido colocada em coma induzido em 2015. Em entrevista por e-mail, pois tem muita dificuldade em falar e ouvir, Françoise disse que os anos de radiação e quimioterapia causaram uma dor imensa. "Cabe aos médicos abreviar o sofrimento desnecessário de uma doença incurável a partir do momento em que ela se torna insuportável”.

Não conheci Delon em pessoa, mas tive a sorte de compartilhar alguns momentos na mesma sala com Françoise Hardy, uma graça, em 1970, no Hotel Glória. Ejetado da chefia de Fatos&Fotos – graças-a-deus! – eu me vi sem rumo certo como repórter especial da Manchete. No Glória, tomei um chá de cadeira à espera de ser recebido por Paul Simon, que era o presidente do Festival Internacional da Canção daquele ano. Havia uma seção na revista chamada Fulano no Paredão – pequena contribuição da revolução de Fidel para o jornalismo brasileiro e ainda hoje vigente no BBB – pessoas famosas do mesmo ramo do entrevistado faziam perguntas para ele. Ignoro até hoje o que prendeu a famosíssima Françoise Hardy por dez ou quinze minutos naquela saleta apertada. Na época, me permiti até dar asas a uma fantasia insana: seria pelo prazer da minha companhia?