Falta pouco para o Brasil levar à urna o voto mais disputado desde as eleições de 1989, quando Collor e Lula era os candidatos da redemocratização, nas primeiras diretas após a ditadura. Claro que não vale aqui qualquer menção a Sarney e Tancredo, irrelevantes pela circunstância de terem chegado lá de maneira não democrática, sem a participação do povo, alçados pelo famigerado colégio eleitoral dos militares. Redemocratização é outra história. Em 1985, o país vinha de uma derrota, perdeu a Emenda Dante de Oliveira e ganhou o circo da "Nova República", com direito a fantasia, picadeiro e palhaços e comandado por um fiel servidor da ditadura, o notório Sarney, Mas essa é outro capítulo. Seja lá quem vencer no domingo, há lições a tirar da campanha, pro bem e pro mal. De saída, vamos esquecer essa besteira de que o país está dividido. Eleição é para isso, para contar votos e há vastos de exemplos de presidentes em vários países que venceram até com pouco mais de 40% dos votos descontados os nulos e brancos. Aqui, o buraco em mais embaixo e esse suposto "equilíbrio" pode até ser creditado, em parte, ao nosso confuso sistema político travado pela reforma que não vem, que permite coligações sem sentido em um vale-tudo que leva um candidato a subir em três palanques regionais sendo que, não raro, em um deles, ou dois deles, apoia o oponente na eleição nacional.
O país está dividido, sim, entre duas propostas de governo diferentes. Ou não é grande diferença o governo atual e todos anteriores terem a Caixa Econômica, só para dar um exemplo, como banco de fomento da casa própria, aspiração de milhões de brasileiros, e o futuro ministro de um eventual governo da oposição, operador de mercado financeiro, onde circula com o conforto extra de ter cidadania americana e ligado a bancos e corretoras intencionais ameaçar torpedeá-la, falando em "mudar o modelo"? Modelito, aliás, por demais manjado.
A mídia tem falado também na 'baixaria" dos debates, e que o PT "dividiu o país". Outra besteira, sem falar na mentira. Contra Lula, em 1989, Collor, o candidato dos grandes grupos, uma espécie de Aécio da vez, mídia e marqueteiros colocaram nas primeiras páginas dos jornais uma enfermeira que "denunciava" que a filha de Lula tinha feito um aborto. Se isso não foi o marco zero da baixaria... O "país unido" que a elite quer é unido em torno dela, com o povo subserviente e disposto a lamber botas em troco de migalhas. Daí, a baixaria crônica contra qualquer candidato que represente ideias opostas à "Casa Grande". Colunistas chamam ex-presidente de "moleque", publicam acusações sem qualquer prova, detonam reputações, mentem, inventam, negam direito de resposta. Uma revista chega a antecipar a chegada nas bancas para melhor funcionar como panfleto eleitoral. Isso aí está mais para um tipo de "milícia jornalistica" do que exatamente liberdade de expressão. Posturas como essa e mais a crescente influência das mídias sociais acirraram os debates e as posições. Eleição nunca mais vai ser como antes. Descontadas as muitas inverdades que a rede absorve, é muito bom que mais pessoas manifestem suas opiniões, diretamente, sem a intermediação da mídia comercial. A justiça está aí mesmo como instância legal para que as mentiras e acusações sem provas sejam punidas.
O que preocupa é a radicalização do bloco de colunistas da direita nos últimos dois dias. Especialmente depois que as pesquisas mostraram um pequeno avanço da Dilma. Nem chega a ser um onda capaz de decidir uma eleição - Aécio continua com grandes chances de vencer -, mas deixar o "empate técnico" foi o suficiente para fazer cair algumas máscaras. Um defende perigosamente que Dilma, se eleita, não terá legitimidade; outros já pedem impeachment, em côro, cassação, tapetão, após o depoimento de um doleiro que não oferece provas. O mesmo doleiro, aliás, que operou valores monumentais no chamado escândalo do Banestado, um dos itens no grande armário do PSDB no final dos anos 90. Reportagens que não se sustentam por não oferecer documentos e nem mesmo a credibilidade do verbo, tudo é "seria", "teria", junto com uma técnica de levantar "fontes" que lembra uma brincadeira de criança, a do "telefone sem fio", com a "informação" sendo maltratada até virar a ficção mais conveniente.
Esse tipo de campanha não chega a ser novidade na história do Brasil. Lacerda nos anos 50, Ibad, Ipes, com milhões de dólares à disposição no começo dos anos 60, e a grande imprensa, praticaram com desenvoltura esse jogo da vergonha. Deu no que deu.
Mas agora, já "protocolando" pedido de impeachment em um eventual futuro mandato, partiram para o deboche. Talvez por isso, como se constata hoje em comentários nas redes sociais, Dilma esteja ganhando alguns indecisos. Gente que não acredita nem em um nem em outro mas que tem a convicção de que não estará com a "milicia" anti-democrática.
´São os brasileiros que pensam como José Régio, o autor de "Poemas de Deus e do Diabo", que diz:
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!
Jornalismo, mídia social, TV, streaming, opinião, humor, variedades, publicidade, fotografia, cultura e memórias da imprensa. ANO XVI. E, desde junho de 2009, um espaço coletivo para opiniões diversas e expansão on line do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", com casos e fotos dos bastidores das redações. Opiniões veiculadas e assinadas são de responsabilidade dos seus autores. Este blog não veicula material jornalístico gerado por inteligência artificial.
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sexta-feira, 24 de outubro de 2014
quinta-feira, 19 de junho de 2014
O outro lado: "A elite rastaquera do Itaquerão e o tiro pela culatra"
por Luciano Martins Costa (para o Observatório da Imprensa)
Os jornais desta 3a, 17, derramam elogios ao desenrolar da Copa do Mundo no Brasil. Alguns textos, como o editorial do Globo, ainda procuram destacar certos problemas remanescentes na estrutura que foi construída ou reformada para o evento, acusando o ex-presidente Lula da Silva de megalomania ao imaginar uma Copa maior que todas as anteriores. Mas o conjunto das análises mostra que a imprensa finalmente se rendeu ao espírito esportivo.
Trata-se de uma mudança importante, mas insuficiente para dissimular o viés que acompanha, como uma sombra, quase tudo que se torna notícia por aqui. Prevalece no material publicado o espírito festivo imposto pelos torcedores, que transformam a disputa em alegre confraternizaçao, com irrelevantes e raros episódios de desentendimento, quase todos protagonizados por argentinos que viajaram para as cidades onde sua equipe se apresenta, sem ingressos para os jogos e sem reserva nos hotéis.
Além disso, as partidas têm preenchido com grande profusao de gols e jogadas memoráveis a expectativa que se cria com o confronto dos melhores times nacionais de cada continente. A surpresa, elemento fundamental na apreciaçao do futebol, tem feito suas apariçoes, o que aumenta a alegria dos espectadores e produz o tipo de emoçao capaz de manter a competiçao restrita ao campo esportivo.
Mas a tarefa de analisar o desempenho da imprensa brasileira se complica, mesmo no contexto em que o desejo de celebrar abafa as objeçoes e os ensaios de protestos – justamente pela obsessao da mídia de vincular todo e qualquer contratempo ao cenário das eleiçoes de outubro.
Têm esse aspecto, por exemplo, as vaias dirigidas contra a presidenta Dilma Rousseff por parte de espectadores presentes ao estádio do Corinthians na 5a feira, 12. A grosseria, protagonizada justamente nos camarotes que concentravam convidados VIP e onde o ingresso chegava a custar mais de R$ 900, tem uma relaçao direta com o clima beligerante insuflado nas camadas privilegiadas da populaçao pela própria imprensa.
Um tiro pela culatra
Imagens e relatos postados nas redes sociais mostram jornalistas, entre eles uma colunista de jornal, e celebridades da televisao, gritando o verso bizarro contra a presidenta. Importante registrar que, no dia seguinte, todos os jornais destacaram a vaia como se tivesse sido uma manifestaçao espontânea de todo o estádio.
Nas mesmas ediçoes, candidatos da oposiçao foram procurados para reforçar a tese de que a manifestaçao de incivilidade era resultado de uma suposta impopularidade da presidenta da República. Somente no fim de semana apareceram os primeiros textos colocando em questao o aspecto básico de que em nenhuma circunstância se poderia tolerar tamanha falta de educaçao. Manifestaçoes como o do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, condenando esse comportamento, substituíram as declaraçoes oportunistas ligadas às candidaturas do senador Aécio Neves (PSDB) e do ex-governador Eduardo Campos (PSB).
Nesta 3a feira, 17, quando a seleçao brasileira voltou a campo para enfrentar o time do México, os jornais reproduziam análises de especialistas dando conta de que o resultado das vaias foi um tiro pela culatra: alguns textos afirmam que o ataque pode ter produzido um efeito benéfico na apreciaçao da presidenta da República, porque muitos cidadaos passaram a considerar que ela foi injustiçada.
Considera-se que a Copa vem sendo um sucesso de organizaçao e de emoçoes, e, afinal, a presidenta nao entra em campo para chutar a bola.
O que falta à imprensa é certa autocrítica para assumir que, ao abrigar em suas páginas e nas telas certos colunistas que trocam o jornalismo pela panfletagem, está insuflando a irracionalidade e apostando no aumento da virulência com que se debatem as ideias políticas por aqui.
As vaias saíram das bocas de gente com alta escolaridade e nenhuma educaçao básica. Nao exagera quem afirmar que esses indivíduos socialmente desqualificados se consideram a nata da sociedade e sao daqueles que costumam engrossar o coro da viralatice que rejeita a identidade nacional.
É nessa elite rastaquera que os jornais depositam suas esperanças?
Os jornais desta 3a, 17, derramam elogios ao desenrolar da Copa do Mundo no Brasil. Alguns textos, como o editorial do Globo, ainda procuram destacar certos problemas remanescentes na estrutura que foi construída ou reformada para o evento, acusando o ex-presidente Lula da Silva de megalomania ao imaginar uma Copa maior que todas as anteriores. Mas o conjunto das análises mostra que a imprensa finalmente se rendeu ao espírito esportivo.
Trata-se de uma mudança importante, mas insuficiente para dissimular o viés que acompanha, como uma sombra, quase tudo que se torna notícia por aqui. Prevalece no material publicado o espírito festivo imposto pelos torcedores, que transformam a disputa em alegre confraternizaçao, com irrelevantes e raros episódios de desentendimento, quase todos protagonizados por argentinos que viajaram para as cidades onde sua equipe se apresenta, sem ingressos para os jogos e sem reserva nos hotéis.
Além disso, as partidas têm preenchido com grande profusao de gols e jogadas memoráveis a expectativa que se cria com o confronto dos melhores times nacionais de cada continente. A surpresa, elemento fundamental na apreciaçao do futebol, tem feito suas apariçoes, o que aumenta a alegria dos espectadores e produz o tipo de emoçao capaz de manter a competiçao restrita ao campo esportivo.
Mas a tarefa de analisar o desempenho da imprensa brasileira se complica, mesmo no contexto em que o desejo de celebrar abafa as objeçoes e os ensaios de protestos – justamente pela obsessao da mídia de vincular todo e qualquer contratempo ao cenário das eleiçoes de outubro.
Têm esse aspecto, por exemplo, as vaias dirigidas contra a presidenta Dilma Rousseff por parte de espectadores presentes ao estádio do Corinthians na 5a feira, 12. A grosseria, protagonizada justamente nos camarotes que concentravam convidados VIP e onde o ingresso chegava a custar mais de R$ 900, tem uma relaçao direta com o clima beligerante insuflado nas camadas privilegiadas da populaçao pela própria imprensa.
Um tiro pela culatra
Imagens e relatos postados nas redes sociais mostram jornalistas, entre eles uma colunista de jornal, e celebridades da televisao, gritando o verso bizarro contra a presidenta. Importante registrar que, no dia seguinte, todos os jornais destacaram a vaia como se tivesse sido uma manifestaçao espontânea de todo o estádio.
Nas mesmas ediçoes, candidatos da oposiçao foram procurados para reforçar a tese de que a manifestaçao de incivilidade era resultado de uma suposta impopularidade da presidenta da República. Somente no fim de semana apareceram os primeiros textos colocando em questao o aspecto básico de que em nenhuma circunstância se poderia tolerar tamanha falta de educaçao. Manifestaçoes como o do presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, condenando esse comportamento, substituíram as declaraçoes oportunistas ligadas às candidaturas do senador Aécio Neves (PSDB) e do ex-governador Eduardo Campos (PSB).
Nesta 3a feira, 17, quando a seleçao brasileira voltou a campo para enfrentar o time do México, os jornais reproduziam análises de especialistas dando conta de que o resultado das vaias foi um tiro pela culatra: alguns textos afirmam que o ataque pode ter produzido um efeito benéfico na apreciaçao da presidenta da República, porque muitos cidadaos passaram a considerar que ela foi injustiçada.
Considera-se que a Copa vem sendo um sucesso de organizaçao e de emoçoes, e, afinal, a presidenta nao entra em campo para chutar a bola.
O que falta à imprensa é certa autocrítica para assumir que, ao abrigar em suas páginas e nas telas certos colunistas que trocam o jornalismo pela panfletagem, está insuflando a irracionalidade e apostando no aumento da virulência com que se debatem as ideias políticas por aqui.
As vaias saíram das bocas de gente com alta escolaridade e nenhuma educaçao básica. Nao exagera quem afirmar que esses indivíduos socialmente desqualificados se consideram a nata da sociedade e sao daqueles que costumam engrossar o coro da viralatice que rejeita a identidade nacional.
É nessa elite rastaquera que os jornais depositam suas esperanças?
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