Jornalismo, mídia social, TV, streaming, opinião, humor, variedades, publicidade, fotografia, cultura e memórias da imprensa. ANO XVI. E, desde junho de 2009, um espaço coletivo para opiniões diversas e expansão on line do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", com casos e fotos dos bastidores das redações. Opiniões veiculadas e assinadas são de responsabilidade dos seus autores. Este blog não veicula material jornalístico gerado por inteligência artificial.
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sábado, 7 de maio de 2016
Guina Ramos convida para lançamento do livro "Personagem cabal", no Lapalê, hoje, nos Arcos da Lapa
* Aguinaldo Ramos, escritor, pesquisador e fotógrafo que atuou na Manchete, JB, Veja, Folha de São Paulo e Estadão. É um dos ganhadores do Prêmio Marc Ferrez de Fotografia - Funarte, 2010. Publicou os seguintes livros: "2112 ...é o fim!" (2013) e “Rio Só de Amores” (2014), contos, e “A Outra Face das Fotos” (2014), memórias.
segunda-feira, 15 de dezembro de 2014
"A outra face das fotos": no livro do fotógrafo Aguinaldo Ramos, que trabalhou na Manchete e no JB, a vida por trás das imagens...
O autor de "A outra face das fotos", revela a história surpreendente dessa foto que foi publicada na revista Fatos & Fotos. Foto de Aguinaldo Ramos reproduzida do livro "A outra face das fotos" |
Foto de Aguinaldo Ramos reproduzida do livro "A outra face das fotos" |
Brizola, 1982. Foto de Aguinaldo Ramos reproduzida do livro "A outra face das fotos" |
A fotógrafo Aguinaldo Ramos lançou recentemente o livro “A
Outra Face das Fotos – Reminiscências e elucubrações sobre a arte e a prática
do fotojornalismo”. No texto de apresentação, o autor define o livro como “uma
recuperação afetiva” do tempo em que trabalhou como fotojornalista na imprensa
carioca. Aguinaldo conta que, depois de fazer os cursos básicos do Senac e de um
período como assistente do fotógrafo Marcelo Ribeiro, em Niterói, encarou o “vestibular”
que era o processo de seleção de candidatos ao Curso Bloch de Fotografia. A
comparação não tem nada de exagerada: eram cerca de 850 postulantes a 30 vagas
e, destes, apenas dez eram convidados a um estágio de três meses na editora.
Aguinaldo acabou trabalhando por quase uma ano para as revistas Fatos&Fotos,
Manchete, Amiga, Manchete Esportiva, Desfile, entre outras publicações da Bloch. “Foi uma experiência marcante”, diz. “Estava
cercado por expoentes da Fotografia, a começar pelo chefe, Gervásio Batista,
hoje o decano do fotojornalismo brasileiro, e mais Indalécio Wanderley, Antonio
Rudge, Gil Pinheiro, Sérgio de Souza e os mais novos e já prestigiados
Frederico Mendes e Carlos Humberto TDC, entre muitos outros, e lamento não
citar cada um”, completa.
O passo
seguinte, após a temporada nas redações do Russell, foi o Jornal do Brasil,
onde trabalhou durantes seis anos, até 1986, quando deixou o jornal para abrir
uma agência de fotografia, a Fotossíntese, através da qual prestou serviços ao
Estadão, Folha, IstoÉ, Veja e outros veículos, antes de se fixar no mercado
corporativo. Atualmente, Aguinaldo volta-se para os interesses acadêmicos e
literários, “que ajudaram a resultar neste livro”, explica. Em um dos capítulos, Aguinaldo revela um dilema relativamente
comum entre os fotógrafos: interferir ou não no objeto ou situação fotografada.
Mas não é apenas uma questão de
fotógrafos. Há casos folclóricos de repórteres que fantasiaram excessivamente suas
narrativas.
Enquanto lia “A outra face das fotos”, lembrei-me de um caso que o tempo tornou mais engraçado do que criticável.
Folclore de redação: uma questão de ética ou de etílico?
Certa vez, um repórter de muita imaginação e teor alcoólico eventualmente acima do resto da humanidade viajou para a Amazônia e o Centro-Oeste. Sua pauta era a vida nos garimpos ilegais. O parceiro era um fotógrafo brilhante que sofria de surdez quase total mas se recusava a usar aparelho auditivo. A dupla ficou fora por mais de duas semanas, o que era normal, mas inteiramente fora de contato, o que era preocupante. Quando finalmente eles voltaram e entregaram texto e fotos, o editor ficou intrigado: estavam lá as cenas do garimpo, alguns depoimentos, imagens das bombas hidráulicas que reviravam o fundo dos rios, barracos, garimpeiros preparando o rango, mas especialmente nos trechos mais dramáticos (garimpos ilegais costumam ser ambientes extremamente violentos e precários) as fotos não combinavam em nada com a reportagem. Como o repórter alegou que estava com uma perna machucada e pediu dois dias de folga, o editor recorreu ao fotógrafo em busca de explicações. Este, relutante, disse que nada vira e, claro, nada ouvira. Não quis “entregar” o colega, mas deu a entender que algo não tinha corrido muito bem. Normalmente, em matérias nessas regiões de difícil acesso, a equipe solicitava algum apoio logístico a órgãos federais ou estaduais, além de entrevistar autoridades responsáveis pelo problema ou tema focalizados. Uns dois dias depois da volta da dupla, um secretário de governo liga para a redação preocupado porque o repórter que o entrevistou lhe pareceu extremamente “alegre”, além de não ter anotado nada. O fato de o tal secretário ter ligado apenas para o editor da revista, e não para um dos diretores, somado à boa imagem do repórter (sóbrio, era um excelente profissional) contribuiu para aliviar a situação, ninguém foi demitido, mas a reportagem não foi publicada. O jornalismo perdeu, então, um eletrizante relato do repórter, com tons de Hemingway, contando como esteve encurralado no meio de uma ponte de madeira pelo tiroteio entre grupos rivais de garimpeiro. Segundo ele, os garimpeiros usavam fuzis M-16, não por acaso as armas adotadas pelos marines na guerra do Vietnã. O repórter, segundo o texto, ainda foi sequestrado e mantido em um cativeiro, na verdade um buraco cavado na floresta, onde passou três dias comendo apenas tapioca. Havia na matéria uma personagem, uma “prostituta linda”, que seria uma americana procurada pela Interpol e que havia se apaixonado por um garimpeiro que, por sua vez, era ex-guerrilheiro do Sendero Luminoso. A "matéria" era ótima, dava um filme, prendia o leitor desde a primeira linha. Infelizmente, não havia câmera capaz de captar as cenas tão imperdíveis quanto imaginárias. Além disso, onde estaria o fotógrafo? Segundo a versão que se espalhou depois pelos corredores, tentando convencer o repórter a deixar a “marvada” de lado e apurar o mínimo que fosse da “vida no garimpo”.
Enquanto lia “A outra face das fotos”, lembrei-me de um caso que o tempo tornou mais engraçado do que criticável.
Folclore de redação: uma questão de ética ou de etílico?
Certa vez, um repórter de muita imaginação e teor alcoólico eventualmente acima do resto da humanidade viajou para a Amazônia e o Centro-Oeste. Sua pauta era a vida nos garimpos ilegais. O parceiro era um fotógrafo brilhante que sofria de surdez quase total mas se recusava a usar aparelho auditivo. A dupla ficou fora por mais de duas semanas, o que era normal, mas inteiramente fora de contato, o que era preocupante. Quando finalmente eles voltaram e entregaram texto e fotos, o editor ficou intrigado: estavam lá as cenas do garimpo, alguns depoimentos, imagens das bombas hidráulicas que reviravam o fundo dos rios, barracos, garimpeiros preparando o rango, mas especialmente nos trechos mais dramáticos (garimpos ilegais costumam ser ambientes extremamente violentos e precários) as fotos não combinavam em nada com a reportagem. Como o repórter alegou que estava com uma perna machucada e pediu dois dias de folga, o editor recorreu ao fotógrafo em busca de explicações. Este, relutante, disse que nada vira e, claro, nada ouvira. Não quis “entregar” o colega, mas deu a entender que algo não tinha corrido muito bem. Normalmente, em matérias nessas regiões de difícil acesso, a equipe solicitava algum apoio logístico a órgãos federais ou estaduais, além de entrevistar autoridades responsáveis pelo problema ou tema focalizados. Uns dois dias depois da volta da dupla, um secretário de governo liga para a redação preocupado porque o repórter que o entrevistou lhe pareceu extremamente “alegre”, além de não ter anotado nada. O fato de o tal secretário ter ligado apenas para o editor da revista, e não para um dos diretores, somado à boa imagem do repórter (sóbrio, era um excelente profissional) contribuiu para aliviar a situação, ninguém foi demitido, mas a reportagem não foi publicada. O jornalismo perdeu, então, um eletrizante relato do repórter, com tons de Hemingway, contando como esteve encurralado no meio de uma ponte de madeira pelo tiroteio entre grupos rivais de garimpeiro. Segundo ele, os garimpeiros usavam fuzis M-16, não por acaso as armas adotadas pelos marines na guerra do Vietnã. O repórter, segundo o texto, ainda foi sequestrado e mantido em um cativeiro, na verdade um buraco cavado na floresta, onde passou três dias comendo apenas tapioca. Havia na matéria uma personagem, uma “prostituta linda”, que seria uma americana procurada pela Interpol e que havia se apaixonado por um garimpeiro que, por sua vez, era ex-guerrilheiro do Sendero Luminoso. A "matéria" era ótima, dava um filme, prendia o leitor desde a primeira linha. Infelizmente, não havia câmera capaz de captar as cenas tão imperdíveis quanto imaginárias. Além disso, onde estaria o fotógrafo? Segundo a versão que se espalhou depois pelos corredores, tentando convencer o repórter a deixar a “marvada” de lado e apurar o mínimo que fosse da “vida no garimpo”.
Era
conhecida também a tática de um outro fotógrafo que costumava ser escalado para
cobrir consequências de enchentes e desabamentos e levava na mochila uma boneca
meio desgrenhada, já previamente
enlameada. No local, assim como quem não queria nada (apenas uma foto de
abertura) deixava a boneca cair na ribanceira. Depois, era só enquadrá-la em
primeiro plano, com a devastação ao fundo. Em graves acidentes, uma ligeira
mexida na cena ajudava a dramatizar a imagem: um par de sapatos, um pé caído, o
outro improvavelmente pousado no asfalto à frente do carro, ônibus ou trem
destruído garantiam a composição e a profundidade da foto. São “causos” que viraram
“lendas urbanas” contadas e recontadas no Lamas, no Capela, no Planalto e
outros bares frequentados pela rapaziada que trabalhou na Manchete.
O 'morto' muito vivo na foto de abertura
No livro, Aguinaldo Ramos dá sua contribuição ao chamado folclore de redação. Ele conta que ao fazer uma reportagem sobre criminalidade para a Fatos & Fotos percorreu a Baixada Fluminense e o subúrbio do Rio durante dois ou três dias sem conseguir uma cena impactante. “No dia do fechamento,” – relata – “mais uma vez, saímos em direção a Nova Iguaçu. Chegando à Avenida Brasil, o repórter (e vamos deixá-lo incógnito...) indicou ao motorista: ‘Vira aí, vamos para a Quinta da Boa Vista’. (...) “Sim, mas eu preciso de uma foto de abertura”. ‘Deixa comigo”, disse o repórter. Na Quinta, deu-se a “armação”. O repórter pediu ao motorista que posasse teatralmente, sem camisa, largado na grama, mãos amarradas, como se fosse mais uma vítima fatal da violência urbana. “No correr dos preparativos”, narra o fotógrafo, “vieram chegando uns garotos curiosos, um deles de bicicleta, e pararam ao fundo”. Com todos os elementos em foco, Aguinaldo registrou a cena. “Nem perguntei que história o repórter contou ao editor. Saiu publicada em página dupla, para orgulho do motorista, que vivia (ainda bem) mostrando a todos. O repórter teve que dar muitas explicações aos “coleguinhas”, repórteres concorrentes, que não tinham registro daquele “presunto” tão elegante”.
Além desse fato que daria um vídeo do “Porta dos Fundos”,
Aguinaldo reúne no livro fotos marcantes da sua carreira, como uma famosa
imagem de Luiz Carlos Prestes, embarcando em um táxi em frente à Polícia
Federal; Fernando Gabeira diante do consulado americano, ao voltar do
exílio, em 1979; e Brizola pulando uma fogueira, em 1982.
O autor revela, de
cada foto, as circunstâncias por trás
das imagens. A memória do jornalismo carioca agradece.
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