por Mauro Ventura (do Facebook)
Ao fim da manifestação do dia 3 de julho, no Rio, um amigo jornalista passou por um cordão de policiais e ouviu:
- Vontade de jogar uma granada.
A frase foi dita provavelmente como uma afronta a ele, que estava com uma bandeira de “Fora Bolsonoro”. Meu amigo, claro, não reagiu. Com meu pessimismo habitual, pensei: “Vai chegar o momento em que as provocações vão deixar de ficar na ameaça e se tornar realidade.” É explicável. À medida que os protestos se avolumam e incomodam cada vez mais o governo, a tendência é começarem as confusões, numa tentativa de macular e criminalizar as manifestações. Seja por parte de vândalos, black blocs, policiais ou extremistas de direita infiltrados.
Não deu outra, ainda que de forma isolada. Eu só não poderia imaginar que viraria alvo. Antes de continuar o relato, recuemos até o início do ato deste 24 de julho. Estava lindo, como os anteriores. Mas a impressão que dava era a de que os cariocas vivem na cidade mais tranquila do mundo - e a de que todos os possíveis criminosos estavam concentrados na Avenida Presidente Vargas. Afinal, parecia que boa parte do aparato policial do Rio tinha sido deslocado para lá. Isso criava uma tensão desnecessária no ar – as pessoas ali estavam mais interessadas em se manifestar de forma incisiva, mas ao mesmo tempo criativa contra o governo.
Em alguns trechos, os policiais chegaram a montar barreiras para bloquear o caminho das pessoas, algo que não havia acontecido nos três primeiros atos. Fiquei me perguntando a razão. Um dos PMs exibia ostensivamente a arma - que me parecia de bala de borracha -, movendo-a de um lado para outro, numa manifestação de força dispensável.
Mais para o fim do protesto, um grupo de policiais começou a se movimentar ruidosamente para a Avenida Rio Branco. A curiosidade profissional falou mais alto e decidi segui-los. Junto, havia um pequeno grupo de manifestantes, fotógrafos e jornalistas.
A certa altura, os policiais começaram a revistar aleatoriamente quem estava em volta. Não sei por que me pouparam. Não encontraram nada além de documentos, álcool gel, celulares. Um dos policiais disse aos demais:
- Vamos arrumar um sozinho. Faz um cerco por todos os lados.
Os PMs formaram então um cordão. O que parecia o chefe elegeu um rapaz que estava com uma mochila e alguns malabares e disse:
- Tá preso! Desacato.
Não entendi a razão. O problema é que desacato a autoridade é algo complicado. Debaixo desse guarda-chuva, pode estar de fato uma ofensa a um funcionário público como pode estar uma simples cisma de uma autoridade.
Os policiais empurraram o rapaz para a parede, revistaram-no e o obrigaram a se sentar. As pessoas em volta, indignadas, começaram a gritar: “Solta!”, “Os bandidos estão em Brasília!”, “Polícia de Bolsonaro!”.
Os PMs fizeram uma barreira para impedir que as pessoas se aproximassem, e trataram de afastar quem protestava – e até quem só observava, como era meu caso. Primeiro com empurrões, depois com spray de pimenta. Num determinado momento, um dos jatos atingiu meus olhos, provocando uma ardência indesejada. Para minha sorte, não foi disparado diretamente a mim, mas sim a quem estava a meu lado. Mas foi suficiente para me deixar ligeiramente desnorteado.
Nessa hora, percebi que todo mundo se afastava de mim. Esfreguei os olhos, espiei para baixo e notei a razão. Haviam jogado o que parecia ser uma bomba do meu lado. Não tinha ideia do que poderia ser. Se fosse de gás lacrimogêneo, eu ia penar. Já estive em protestos em que a polícia jogou bombas de gás e sofri, mesmo estando à distância. E se, por outro lado, fosse bomba de efeito moral, daquelas que explodem com grande estrondo e soltam nuvem de talco? Ou daquelas que produzem um clarão que desorienta temporariamente? Na hora, não deu para pensar em nada disso. Somente: “Ferrou.”
O artefato explodiu junto a meus pés. Felizmente, não era nada demais. Fiquei curioso de saber do que se tratava, já que só fez algum barulho. Não teve nenhuma consequência além de um susto.
- Vou tacar outra! – gritou um policial.
Ainda que a primeira não tenha causado nenhum estrago, achei mais prudente me afastar. E continuei acompanhando. Logo depois, os policiais pararam uma patrulhinha do 5º Batalhão, pegaram uma algema e arrastaram o malabarista agressivamente para dentro da viatura.
- Malabar agora é crime – espantou-se uma moça a meu lado.
Um comentário:
Não tenho dúvidas de que esse fato narrado por Mauro Ventura, pode provocar e trazer consequências trágicas para o sistema atual de governo brasileiro. O Poder, nas mãos de irresponsáveis e despreparados emocionalmente para cargo, deforma a estrutura administrativa e de governabilidade sensata e voltada para o crescimento do país. Anos de trevas podem se seguir
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