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Processos que se arrastam na Justiça fazem, parte, infelizmente, da realidade brasileira. Pense em um grande escândalo político relativamente recente. Qualquer um. Ou está parado ou foi arquivado. Difícil lembrar de uma mega denúncia tornada pública nos governos Lula e FHC que tenha chegado ao seu desfecho, após recursos, gincanas de advogados, pressões etc. E desfecho, no caso, significaria concluir se era verdadeira cada denúncia, com seus respectivos culpados listados, ou se era mera ficção eleitoral, sem qualquer prova.. No Caso Demóstenes, para citar um que está nas páginas dos jornais (embora a CPI e parte da imprensa aparente, estranhamente, estar sem apetite para acionar seus mecanismos de apuração ou de jornalismo investigativo nesse pantanoso terreno que tem a particularidade de atolar um amplo espectro de representantes da esquerda, direita, centro, justiça, polícia e setores da própria mídia), a primeira investigação levada a instâncias oficiais é de 2009. Ficou paradinha.
A opinião pública pressiona e está de olho no Congresso mas o Caso Cachoeira-Demóstenes parece ser um desses que terão vida curta. Não há muito interesse em ir fundo. Políticos e mídia tentam empurrar a linha de investigação para focos dos seus interesses políticos-empresariais. Nos casos Daniel Dantas, Banestado, Propinoduto, Sivam, Caso Kroll, Mensalões do PSDB mineiro, do DEM, Sanguessugas, dos Atos Secretos, das ONGS, alguém foi preso? Alguns algemados em público ganharam até a solidariedade de políticos e de parte dos "formadores de opinião", o que resultou no impedimento do uso do adereço nos pulsos de figuras ilustres. Talvez tenha sida a única, ou pelo menos a mais visível, consequência prática dos tais escândalos.
Agora está na mídia o escândalo dentro do escândalo. Lula teria pressionado Gilmar Mendes a adiar a votação de um dos chamados mensalões, o que envolve o PT. A conversa teria acontecido diante de uma única testemunha, Nelson Jobim, que nega o teor do diálogo entre o ex-presidente e o ministro do STF. Lula se diz indignado com a denúncia. Segundo O Globo de hoje, colegas de Gilmar Mendes duvidam do diálogo. Supondo que Lula fosse o "padrinho" do congelamento do julgamento de um dos ditos mensalões, fica a pergunta: quem seriam os "padrinhos" dos outros tantos casos que sofrem de paralisia? A previsão é de que o mensalão que envolve o PT seja julgado nos próximos dois meses. Os outros citados acima ou não têm datas ou foram devidamente sepultados. Gilmar Mendes alega que, na suposta conversa, Lula, além de defender a protelação do julgamento, Lula teria feito insinuações sobre seu encontro em Berlim com o senador Demóstenes Torres, o elo político do grupo de Carlos Cachoeira. De fato, as fitas da PF registram a suspeita de que Gilmar teria viajado no jatinho do bicheiro. O ministro nega, diz que pagou suas próprias despesas mas confirma o encontro no exterior com a peça-chave do esquema goiano. Curiosamente, Gilmar Mendes tem nos seus antecedentee outro episódio em que fez par com o senador Demóstenes Torres (que neste momento está na Comissão de Ética fazendo o gênero "coitadinho"), o do caso que ficou conhecido como o do "grampo sem áudio", um suposta conversa entre os dois, que teria sido gravada por arapongas. Outro caso inconcluso, que ficou parado no ar.
Se o engavetamento é um prática recorrente, o Fla X Flu de parte da mídia em torno da apuração ou do julgamento dos escândalos é inusitado. Aparentemente, há a turma que prefere escantear o Caso Demóstenes/Cachoeira que é, digamos, supra partidário, e priorizar o julgamento do chamado mensalão do PT. E há o pessoal, talvez mais sintonizado com a expectativa da sociedade, que simplesmente se pergunta por que diabos os dois casos - a apuração rigorosa de um e o julgamento do outro - não podem prosseguir normalmente? Por que o avanço de um deles tem que obrigadoriamente significar o congelamento do outro?
Dizia-se que Brasília, de tão distante da realidade e dos corações e mentes dos brasileiros comuns, seria um "ilha da fantasia". A comparação refere-se, claro, aos políticos, autoridades e agregados, não ao povo brasiliense, vítima deles como todos nós. Ao tornar a informação uma arma partidária, ao ingressar em facções e aprofundar relações com suspeitas peças do jogo político, ao tratar e selecionar a notícia como estratégia de poder, parte da mídia parece ter se tornado porta-voz dos habitantes dessa "ilha".
Atualização: Segundo a Folha de hoje, o ministro Mendes já não é tão incisivo. diz, literalmente, "percebi que havia algum tipo de insinuação". Muito vago para a gravidade da denúncia. Essa declaração superficial só acrescenta mais estranheza ao caso. E segundo o site Folha on line, o ministro, que nega ter viajado em jatinhos com Demóstenes para a Alemanha, "relatou que entre 2010 e 2011 viajou duas vezes para Goiânia em aviões cedidos por Demóstenes Torres", mas que tais fatos são "públicos". O ministro, contudo, não comentou o fato de a "Demóstenes Linhas Aéreas", como viu na investigação da PF, ser pílotada peolo "comandante" Cachoeira.
Um comentário:
Ninguém é inocente.
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