Brasil 2 X 0 Costa Rica. Neymar "fingindo" que está sendo puxado. Foto CBF |
por José Esmeraldo Gonçalves
Neymar está sob ataque. E a ofensiva é "fogo amigo" em colunas especializadas, mesas redondas e redes sociais do Brasil.
O jogador não é o primeiro na história do futebol brasileiro a virar alvo pelos mais diversos motivos. É extensa a lista dos que se tornaram "malditos". Tinham todos uma característica em comum: eram "rebeldes". Um traço saudável, mas repudiado pelo conservadorismo de todas as épocas.
No auge da força do rádio, nos anos 1940, Heleno de Freitas foi a bola da vez de odiosa campanha. Nos campos, incomodava como o craque excepcional e temperamental que era. Fora do campo, recebia críticas por ser um ponto fora do padrão: rico, bem nascido, galã cercado de mulheres, de carros e de fama. Heleno foi personagem forçado de um dos momentos mais baixos e repulsivos do jornalismo esportivo: já doente, fisicamente degradado, foi cruelmente fotografado pela revista O Cruzeiro que estampou reportagem paparazzo mostrado seu triste estado no interior do hospício que consumiu seus últimos dias de vida, em Barbacena. Minas Gerais.
Almir, o Pernambuquinho, tinha apenas 19 anos quando chegou ao Vasco. Logo se impôs pela habilidade e garra extraordinárias. O torcida celebrava seu espírito de luta, mas a imagem que predominava nos jornais era a do "brigão". Almir tanto se destacava que em 1957 foi convocado para uma amistoso da seleção brasileira. Pediu dispensa porque, na mesma semana, iria viajar para a Europa em longa excursão do Vasco. Por isso, não voltou a ser lembrado pela CBD. Ganhou títulos pelo Vasco, como o lendários super-super de 1958. Havia muito jogadores brigões, mas Almir era "o" brigão. Com alto salário no bolso e vida boêmia, ficou marcado pela "falta de patriotismo" e pelas encrencas. Não demorou muito a preferir deixar o Brasil, jogou no Boca Juniors, na Fiorentina, no Genoa, sem muito sucesso. Virou heroi quando voltou ao Brasil, contratado pelo Santos e substituiu Pelé, machucado, nas finais contra o Milan e fazendo gols nos dois jogos decisivos. Foi o título mundial (de clubes) que a seleção não lhe deu.
Garrincha, que era ídolo e fazia o impossível nos campos, também não escapou do bombardeio. No seu caso, bombardeio moralista. O bicampeão mundial foi massacrado por deixar a primeira mulher, "fiel companheira dos tempos difíceis", para ficar com a amante, a cantora Elza Soares. Ela, por sua vez, foi rotulada e massacrada como a "destruidora de lares".
Com a ditadura e a militarização do futebol brasileiro às vésperas da Copa de 1970, a então CBD assumiu esse tipo de código até então não escrito e emitiu o "Regulamento do Atleta Convocado", que incluía normas de comportamento e até de corte de cabelo e barba. O objetivo, contudo, era preventivo. No curto período em que ficou à frente da seleção, João Saldanha deu entrevistas para jornais franceses denunciando prisões políticas e tortura no Brasil. O fato não apenas o tirou do cargo - a recusa em convocar Dario, indicado por Garrastazu Médici, foi um detalhe na crise que se instalou na CBD - como acendeu o alerta dos militares preocupados com declarações semelhantes no México, com a mídia mundial presente. As normas de "comportamento" ficaram em vigor por muitos anos.
A barba e as convicções de Afonsinho, a personalidade e a "arrogância" de Paulo César Caju, rotulado como "o preto incômodo que não sabia seu lugar", a militância política de Reinaldo (seu estilo de comemorar gols com punho fechado não era bem visto), depois do anos 1980 a Democracia Corintiana de Casagrande, de Sócrates, Wladimir, Zenon etc, Sócrates e Casagrande na campanha das Diretas Já, não eram exatamente o que a mídia hegemônica esperava dos jogadores de futebol. Mais recentemente, Dunga, que foi criticado em 1990, dando até nome à pejorativa "era Dunga", também o foi em 1994. Tanto que ao erguer a taça da Copa de 1994, jogou o gesto na cara da imprensa. Depois, como treinador, quis evitar privilégios, não teve habilidade para enfrentar pressões, desafiou a Globo e perdeu, playboy.
Em tempo de redes sociais, as opiniões, os fatos e as fake news têm o poder de incinerar imagens.
Neymar está no meio desse furacão. Jornais espanhóis ressentidos com a saída de Neymar do Barcelona espalham "notícias" sobre o jogador, sem fontes, há mais de um ano. São matérias inteiras baseadas em um "amigo próximo", um "dirigente", "um influente assessor". Até a prisão de Neymar foi noticiada. Muitos desses "furos", que jamais se confirmaram nos dias e semanas seguintes, são reproduzidos por sites e jornais brasileiros sem o mínimo de checagem. A Copa está cheia de jogadores que simulam faltas, Neymar é "o" simulador. Claro que pelo seu estilo de jogo, de prender a bola e driblar (habilidade que em tempo de elogios a longos minutos de troca de passes passou a ser considerada quase uma heresia), Neymar está mais sujeito a faltas, a simples desequilíbrios ou simulação, quem nunca? Neymar se ajoelha em campo ao fim do sofrido jogo contra a Costa Rica, é "ator", "está fingindo". Jogadores da Alemanha fazem o mesmo após o sufoco que levaram da Suécia e estão sob "intensa emoção".
Dos marcadores em campo, Neymar sabe se defender. Mas aparentemente não lida bem com a marcação cerrada fora de campo. Talvez deva pedir ajuda ao Canarinho Pistola. |
Hoje circula na internet, Globo, DCM, entre outros sites, uma antiga foto de Neymar pai com Milton Lyra, lobista do PMDB preso em uma das operações da PF. A nota explica que o encontro deu-se antes da denúncia. Supostamente, Lyra teria se oferecido ao pai do jogador para intermediar gestões com a Receita Federal em pendências fiscais. O encontro com o lobista, diz o jornal, em foi em abril de 2018, Lyra ainda não estava encalacrado na PF. Digamos que seria como se jornalistas posassem ao lado de Eduardo Cunha e Aécio Neves ainda não citados pela Lava Jato. Ocorre que entre março e agosto de 2017, bem antes do tal encontro, a Fazenda desistiu de recurso e o caso foi encerrado. Neymar Jr nem precisou recorrer ao Refis - como fazem grandes empresas acusadas de sonegação - para regularizar sua situação. A nota conclui que depois que Lyra foi solto por Gilmar Mendes, "a conversa não teve prosseguimento".
Provavelmente porque não havia mais o que conversar.
Como não há mais detalhes ou apuração em cima do suposto fato, se é verdade ou não, a nota cumpre sua função, que claramente é insinuar. E botar mais lenha na fogueira que cerca Neymar.
Não é possível prever se Neymar algum dia ganhará a Bola de Ouro de melhor jogador do mundo. Mas um título já lhe foi conferido na mídia e nas redes sociais: é o mais novo "bad boy" do futebol.