Mostrando postagens com marcador os "malditos" do futebol. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador os "malditos" do futebol. Mostrar todas as postagens

domingo, 24 de junho de 2018

Neymar sob ataque. Não é o primeiro, nem será o último

Brasil 2 X 0 Costa Rica. Neymar "fingindo" que está sendo puxado. Foto CBF

por José Esmeraldo Gonçalves 

Neymar está sob ataque. E a ofensiva é "fogo amigo" em colunas especializadas, mesas redondas e redes sociais do Brasil.

O jogador não é o primeiro na história do futebol brasileiro a virar alvo pelos mais diversos motivos. É extensa a lista dos que se tornaram "malditos". Tinham todos uma característica em comum: eram "rebeldes". Um traço saudável, mas repudiado pelo conservadorismo de todas as épocas.

No auge da força do rádio, nos anos 1940, Heleno de Freitas foi a bola da vez de odiosa campanha. Nos campos, incomodava como o craque excepcional e temperamental que era. Fora do campo, recebia críticas por ser um ponto fora do padrão: rico, bem nascido, galã cercado de mulheres, de carros e de fama. Heleno foi personagem forçado de um dos momentos mais baixos e repulsivos do jornalismo esportivo: já doente, fisicamente degradado, foi cruelmente fotografado pela revista O Cruzeiro que estampou reportagem paparazzo mostrado seu triste estado no interior do hospício que consumiu seus últimos dias de vida, em Barbacena. Minas Gerais.

Almir, o Pernambuquinho, tinha apenas 19 anos quando chegou ao Vasco. Logo se impôs pela habilidade e garra extraordinárias. O torcida celebrava seu espírito de luta, mas a imagem que predominava nos jornais era a do "brigão". Almir tanto se destacava que em 1957 foi convocado para uma amistoso da seleção brasileira. Pediu dispensa porque, na mesma semana, iria viajar para a Europa em longa excursão do Vasco. Por isso, não voltou a ser lembrado pela CBD. Ganhou títulos pelo Vasco, como o lendários super-super de 1958. Havia muito jogadores brigões, mas Almir era "o" brigão. Com alto salário no bolso e vida boêmia, ficou marcado pela "falta de patriotismo" e pelas encrencas. Não demorou muito a preferir deixar o Brasil, jogou no Boca Juniors, na Fiorentina, no Genoa, sem muito sucesso. Virou heroi quando voltou ao Brasil, contratado pelo Santos e substituiu Pelé, machucado, nas finais contra o Milan e fazendo gols nos dois jogos decisivos. Foi o título mundial (de clubes) que a seleção não lhe deu.

Garrincha, que era ídolo e fazia o impossível nos campos, também não escapou do bombardeio. No seu caso, bombardeio moralista. O bicampeão mundial foi massacrado por deixar a primeira mulher, "fiel companheira dos tempos difíceis", para ficar com a amante, a cantora Elza Soares.  Ela, por sua vez, foi rotulada e massacrada como a "destruidora de lares".

Com a ditadura e a militarização do futebol brasileiro às vésperas da Copa de 1970, a então CBD assumiu esse tipo de código até então não escrito e emitiu o "Regulamento do Atleta Convocado", que incluía normas de comportamento e até de corte de cabelo e barba. O objetivo, contudo, era preventivo. No curto período em que ficou à frente da seleção, João Saldanha deu entrevistas para jornais franceses denunciando prisões políticas e tortura no Brasil. O fato não apenas o tirou do cargo - a recusa em convocar Dario, indicado por Garrastazu Médici, foi um detalhe na crise que se instalou na CBD - como acendeu o alerta dos militares preocupados com declarações semelhantes no México, com a mídia mundial presente. As normas de "comportamento" ficaram em vigor por muitos anos.

A barba e as convicções de Afonsinho, a personalidade e a "arrogância" de Paulo César Caju, rotulado como "o preto incômodo que não sabia seu lugar", a militância política de Reinaldo (seu estilo de comemorar gols com punho fechado não era bem visto), depois do anos 1980 a Democracia Corintiana de Casagrande, de Sócrates, Wladimir, Zenon etc, Sócrates e Casagrande na campanha das Diretas Já, não eram exatamente o que a mídia hegemônica esperava dos jogadores de futebol. Mais recentemente, Dunga, que foi criticado em 1990, dando até nome à pejorativa "era Dunga", também o foi em 1994. Tanto que ao erguer a taça da Copa de 1994, jogou o gesto na cara da imprensa. Depois, como treinador, quis evitar privilégios, não teve habilidade para enfrentar pressões, desafiou a Globo e perdeu, playboy.

Em tempo de redes sociais, as opiniões, os fatos e as fake news têm o poder de incinerar imagens.

Neymar está no meio desse furacão. Jornais espanhóis ressentidos com a saída de Neymar do Barcelona espalham "notícias" sobre o jogador, sem fontes, há mais de um ano. São matérias inteiras baseadas em um "amigo próximo", um "dirigente", "um influente assessor". Até a prisão de Neymar foi noticiada. Muitos desses "furos", que jamais se confirmaram nos dias e semanas seguintes, são reproduzidos por sites e jornais brasileiros sem o mínimo de checagem. A Copa está cheia de jogadores que simulam faltas, Neymar é "o" simulador. Claro que pelo seu estilo de jogo, de prender a bola e driblar (habilidade que em tempo de elogios a longos minutos de troca de passes passou a ser considerada quase uma heresia), Neymar está mais sujeito a faltas, a simples desequilíbrios ou simulação, quem nunca? Neymar se ajoelha em campo ao fim do sofrido  jogo contra a Costa Rica, é "ator", "está fingindo". Jogadores da Alemanha fazem o mesmo após o sufoco que levaram da Suécia e estão sob "intensa emoção".


Dos marcadores em campo, Neymar sabe se defender. Mas aparentemente não
lida bem com a marcação cerrada fora de campo. Talvez deva pedir ajuda ao
Canarinho Pistola.

Hoje circula na internet, Globo, DCM, entre outros sites, uma antiga foto de Neymar pai com Milton Lyra, lobista do PMDB preso em uma das operações da PF. A nota explica que o encontro deu-se antes da denúncia. Supostamente, Lyra teria se oferecido ao pai do jogador para intermediar gestões com a Receita Federal em pendências fiscais. O encontro com o lobista, diz o jornal, em foi em abril de 2018, Lyra ainda não estava encalacrado na PF. Digamos que seria como se jornalistas posassem ao lado de Eduardo Cunha e Aécio Neves ainda  não citados pela Lava Jato. Ocorre que entre março e agosto de 2017, bem antes do tal encontro, a Fazenda desistiu de recurso e o caso foi encerrado. Neymar Jr nem precisou recorrer ao Refis - como fazem grandes empresas acusadas de sonegação - para regularizar sua situação. A nota conclui que depois que Lyra foi solto por Gilmar Mendes, "a conversa não teve prosseguimento".

Provavelmente porque não havia mais o que conversar.

Como não há mais detalhes ou apuração em cima do suposto fato, se é verdade ou não, a nota cumpre sua função, que claramente é insinuar. E botar mais lenha na fogueira que cerca Neymar.

Não é possível prever se Neymar algum dia ganhará a Bola de Ouro de melhor jogador do mundo. Mas um título já lhe foi conferido na mídia e nas redes sociais: é o mais novo "bad boy" do futebol.