por Lenira Alcure
3 de agosto de 2011
Escrevo do trem de Lisboa para a praia de Albufeira, no Algarve. Preciso muito descansar porque a correria tem sido muito grande. Viajar sozinha tem sido uma experiência muito interessante, mas vivo de sustos. O último dia de Londres foi sem problemas. Pela manhã consegui visitar O Globe: os tours são ótimos. Sempre incluem assistir a um ensaio ou apresentação de uma cena. Meu último programa foi assistir à Mousetrap. Graças a Deus, eu decidi chegar bem cedo, porque as duas referências que eu tinha gravado para me orientar não me valeram de nada. Saí por outro Exit: roda, roda, finalmente alguém me ajuda e dou de cara com o St. Martin. Encontro meu lugar, tiro uma primeira foto do teatro, o guarda vem me repreender, mostra o cartaz: proibido fotografar. Ponho a máquina na bolsa, daí a pouco um casal jovem me pede para fazer uma foto deles. Explico, I’m sorry, mas outra bronca não.
Às sete e meia em ponto, a peça começa. Perco alguma coisa dos diálogos, mas de modo geral consigo acompanhar. O problema é o cansaço. Estou para lá de exausta. A noite anterior, quase não dormi, tão agitada. Dou umas cochiladas e na última hora não consigo entender como o mais improvável assassino finalmente é descoberto. Entendo o resto, tudo se desmascara, o detetive se revela e tudo acaba bem, exceto para Ms. Boyle, assassinada lá no início e papel da Mrs. Bee. Palmas para todos. Fico um tanto frustrada, tanto desejo de ver Mousetrap e cochilar no meio...No final, um dos atores avisa que todos ali agora fazem parte da família Mousetrap ( 59 anos em cartaz!!), o que quer dizer guardar segredo sobre a peça. Vocês conhecem alguém que viu e contou depois? Parece que há uma maldição para os rebeldes. E eu se quiser saber mesmo como o assassino foi desmascarado tenho que voltar a Londres...
No dia seguinte, a partida. Uma boa notícia: o hotel me fez o desconto de uma diária, porque na véspera eu reclamara da algazarra do pessoal de limpeza ao lado do meu quarto. Tenho um pouco de escrúpulo de reclamações oficiais: afinal, há pessoas que perdem o emprego, por causa disso. Mas no caso, eu reclamei com elas primeiro, fui até lá e me declarei incomodada com tanto barulho. Pediram desculpas, mas daí a pouco recomeçou a farra. Não agüentei e liguei para a portaria. Fico pensando se o meu desconto custou o emprego de alguma delas. Me incomoda.
Paro um pouco para olhar a paisagem do trem. Parece que estamos no Alentejo. Vejo campos e campos de oliveiras e há também sobreiros que são as árvores de onde tiram a cortiça. Um braço de rio acompanha a linha do trem ( na verdade, é o contrário). Devo levar umas três horas até Albufeira. Tenho tido sorte com os portugueses dessa vez. Não só os do hotel, a quem eu já conhecia, mas pessoas comuns a quem pergunto. Cheguei a estação de Oriente de metrô. São vários níveis a subir com a minha bagagem, agora reduzida a uma mochila e a malinha de mão, com uns 8 quilos. Mesmo assim, não é fácil, tenho que subir escadas, perguntar a toda hora, não posso errar o trem. A passagem eu já comprei no primeiro dia de Lisboa. Foi fácil, na estação do Rossio a dois pés do hotel, há uma lojinha que vende esse tíquetes com antecedência. Está tudo escrito, menos a plataforma. Subo e desço duas vezes, finalmente o caixa , apesar do aviso de não se deve pedir informações ali, me dá o número correto. Na plataforma 3, o trem já chegou. Procuro o meu vagão. O assento é 116, mas um homem me diz que eu sente no 16. Guardo a mala no bagageiro, nenhum sinal de funcionário. Os números são doidos. Começam em 11, pulam alguns. Sento no 16, vou o que acontece. Ao lado, seguem quatro jovens mochileiros. São do Porto, estão indo para um Festival de Música. Começamos a conversar, o papo segue animado. Dois estudam Engenharia e os outros estão terminando o 2º Grau. Querem saber do Brasil, conversamos e rimos bastante. Nisso, chega o chefe do trem. Ele me diz que o meu lugar é no fundo do vagão. Me espanto, porque já contei e o vagão só tem 88 lugares. O 116 é um mistério.
Há outros dados intrigantes (epa, lá estou eu dando de Agatha Chistie!): o 108 fica ao lado do 104. Vocês imaginam que do outro lado devem estar o 105 e o 106...mas e o 107 onde foi parar? É esse lado Inglaterra que não deu certo! A lógica aqui é impossível.
Me mudo. Um dos jovens se oferece para levar a minha mala. Gentis, pois, pois... Não dá para julgar os portugueses pelas pessoas de rua. Quando mais educados, são gentis e gostam do Brasil.. Eu calculo que 80% dos viajantes nesse trem sejam jovens, a maioria com pesadas mochilas . Alguns carregam um embrulho redondo que eu desconfio seja uma barraca a ser armada nos acampamentos. Há alguns velhos também, uma mulher de seus 60 anos, com um instrumento musical, e outra que escreve o tempo todo à mão; eu faço o mesmo só que quase não consigo mais usar lápis e papel.
Olho a paisagem que agora se modifica um pouco. Aparecem uns vinhedos, poucos, mais adiante alguma folhagem com pendão que me parece milho. Os pinheiros agora são do tipo pinus, mas ainda vejo vez por outra os pinheiro do tipo araucária. Quanto mais avançamos, vejo sobreiros, com a casca viva já exposta, me fazem lembrar o Dos de Mayo, de Goya, com os braços levantados e o vermelho da carne ferida, indicando que a cortiça já foi retirada. Há que esperar alguns anos para nova poda, se é que assim se pode dizer, já que são os troncos e não os galhos a fornecer o rico material.
Da planura do início, começamos a descer em direção ao oceano. Aparecem os primeiros vales e montículos não mais altos que o morro do Alegre, onde passávamos férias.As casas pelo caminho são poucas, quase sempre brancas, com janelas azul escuro, mas há também condomínios que lembram os da região dos Lagos no caminho de Araruama a Cabo Frio. O trajeto do trem corta um segmento de rocha avermelhada que brilha ao sol por efeito de um mineral que me lembra as antigas resistências de ferro de passar, mas cujo nome me escapa.
Quanto mais avançamos, os morros se avistam, agora mais generosos, .lembrando as meias laranjas da Serra do Mar de que falava em classe minha antiga professora de Geografia, D. Cleone. Não consigo passar pela Rio-São Paulo, sem me lembrar dela e agora aqui também.
Esse texto vai ficando grande demais. Está com 5 mil e tanto caracteres. Acho que ninguém vai aguentar ler.Bem, gente é isso aí. Beijos e saudades.
Jornalismo, mídia social, TV, streaming, opinião, humor, variedades, publicidade, fotografia, cultura e memórias da imprensa. ANO XVI. E, desde junho de 2009, um espaço coletivo para opiniões diversas e expansão on line do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", com casos e fotos dos bastidores das redações. Opiniões veiculadas e assinadas são de responsabilidade dos seus autores. Este blog não veicula material jornalístico gerado por inteligência artificial.
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domingo, 7 de agosto de 2011
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