Por ROBERTO MUGGIATI
No dia 1º de agosto de 2000, com a falência de Bloch Editores, foram sumariamente fechadas as portas do majestoso complexo arquitetônico da Praia do Flamengo que durante três décadas abrigou o império de comunicações da Manchete, que abrangia revistas, serviços gráficos, emissoras de rádio e uma rede nacional de televisão. Numa operação rápida e cirúrgica, oficiais de justiça lacraram as entradas dos três prédios desenhados por Oscar Niemeyer, depois de evacuarem os funcionários que ainda se encontravam no seu local de trabalho. Num procedimento de cruel frieza, os novos desempregados sofreram ainda a humilhação de serem minuciosamente revistados antes de chegarem ao “olho da rua...”
Muita coisa ficou para trás nas redações, além das memórias. Pertences pessoais nas gavetas, agasalhos para proteger do ar refrigerado excessivo (nos bons tempos em que o ar ainda era ligado), livros, cadernos de anotações e agendas, e outros itens que variavam de funcionário a funcionário. Os mais antigos, tinham o privilégio de possuir armários trancados a chave onde guardavam até ternos, camisas sociais e gravatas para ocasiões mais festivas. Nos computadores, ficaram também para sempre pedaços da vida de cada um: e-mails íntimos, textos mais pessoais, até algum romance destinado a publicação que tiraria o seu autor do obscuro papel de escriba utilitário, alçando- à fama e fortuna.
Em depoimento no livro Aconteceu na Manchete (Desiderata, 2008), o coordenador de reportagem José Carlos Jesus lembrou aquela terça-feira sombria:
“Quando o telefone da minha mesa tocou, me veio um estranho pressentimento. Tive a certeza de que aquela ligação estava me trazendo alguma coisa de muito grave. Do outro lado da linha, a voz, um tanto autoritária, logo confirmou. A ordem era que juntássemos todos os nossos pertences e nos retirássemos da sala e deixássemos o prédio o mais rápido possível. Só nos restava obedecer. Foi o que fizemos. A Bloch acabava ali. Para aqueles profissionais, uns, como eu, com trinta anos de trabalho, outros com quarenta, era o ponto final de um longo tempo de dedicação a uma empresa que já fazia parte da nossa vida, do nosso corpo e da nossa alma. Levei algum tempo para administrar o choque. ‘E agora? ’, perguntávamos a nós mesmos, entre lágrimas e perplexidade.”
O choque levou alguns anos para ser absorvido. E foi o mesmo José Carlos Jesus o primeiro a sair do estado de catatonia e inércia – e a propor ações concretas que garantissem os direitos dos ex-funcionários e os levassem a receber o que lhes era licitamente devido como credores da Massa Falida de Bloch Editores.
Foi uma longa luta, iniciada em 2004, durante a qual José Carlos sacrificou sua vida pessoal em função do trabalho pela causa comum. Designado presidente da Comissão dos Ex-Empregados de Bloch Editores, ele enfrentou as piores vicissitudes, entre elas o afastamento de sua família, que foi para os Estados Unidos em busca de melhores condições de vida. Aos poucos, com sua inteligência e espírito de solidariedade, familiarizou-se com os meandros do labirinto jurídico e, com rara diplomacia, costurou todas as alianças possíveis (entre Justiça, Ministério Público e Massa Falida) que pudessem beneficiar a causa dos ex-funcionários e de suas famílias – uma comunidade de 2.500 pessoas que passou por terríveis momentos de crise que incluíram casos de doença, alcoolismo, morte e até fome e suicídio.
A liderança de José Carlos resultou em vitórias: o recebimento do valor “principal” da dívida, em 2009, três rateios da correção monetária, em 2012, 2013, 2014 e agora um quarto rateio prestes a ser iniciado. Ele pagou um alto preço: as pressões psicológicas que sofreu causaram danos à sua saúde e comprometeram seu coração. Felizmente, uma intervenção cirúrgica de quase oito horas, há poucos meses, o brindou com um coração novo. Vamos à luta, companheiros!