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domingo, 11 de setembro de 2016

Por Roberto Muggiati - Memória - O que fazia você quando as Torres caíram? (Alguém mais se aventura a lembrar?)


Reprodução
Por ROBERTO MUGGIATI

Há acontecimentos que memória grava a ferro e fogo. A implosão do World Trade Center, há 15 anos, foi um deles. Lembro muito bem não só aquele dia, mas todo o seu entorno. Voltando um pouco atrás: quinta-feira, 6 de setembro, véspera do feriadão da Independência, saí de carro do meu sossego para uma incursão até a Suipa, em Benfica. Sossego relativo: a Bloch falida, eu trabalhava em casa traduzindo. Muito trabalho: o tradutor é uma espécie de estivador da literatura. A bordo do nosso Escort, minha mulher Lena, minha filha Natasha e a viralata Phoebe, adotada poucos dias antes e que começou a passar mal de repente. A Suipa é um local de desova de cães e outros animais menos cotados próximo àquela zona braba do Jacarezinho, uma das favelas mais violentas do Rio. A abnegada diretora da Suipa, Isabel Cristina Nascimento – morta agora em agosto – me levou a conhecer o local: cerca de seis a sete mil animais, na maioria cachorros, amontoados num espaço exíguo, era um milagre como conseguiam alimentar e cuidar daquela massa de criaturas. Enquanto Lena e Natasha enfrentavam as longas horas de espera até a consulta, refugiei-me no carro adiantando a leitura do livro que traduzia: O jardineiro fiel, de John le Carré.

O retorno a Botafogo naquele fim de tarde foi caótico. Além da saída em massa para o feriadão, o trânsito foi complicado pelo incêndio da favela Buraco da Lacraia, debaixo de um viaduto da Linha Vermelha. Com o calor do fogo, o viaduto cedeu e aquele trecho da Linha Vermelha ficaria interditado pelos próximos seis meses. Só chegamos em casa três horas depois.

Na segunda-feira, 11 de setembro, eu já estava ao computador a partir das oito da manhã, traduzindo. Natasha, gripada, não tinha ido ao colégio. Seu quarto ficava perto de mim e, pouco antes das nove, ela veio até a janela do meu escritório. No humor negro característico da família, a adolescente de quinze anos perguntou: “Você conhece o World Trade Center de Nova York?” Respondi que sim. E Natasha: “Fudeu!...”

Corri à televisão do quarto dela e vi a cena impressionante: às 8:46, um Boeing 767 da American Airlines havia se chocado com a Torre Norte. Alternei-me entre as coberturas da CNN e da Globonews. Vi perfeitamente quando, às 9:03, outro Boeing, da United Airlines, se chocou contra a Torre Sul. A cena se passou às costas do apresentador, Carlos Nascimento, que falava sobre um possível apagão de radares como explicação para o primeiro choque. O segundo choque não deixava mais dúvidas: os incêndios eram obras do terrorismo. Uma hora depois, houve ainda o terceiro avião, jogado sobre o Pentágono, em Washington.
O resto é história. Em cada lembrança de uma catástrofe destas fica também a marginalia característica de quem lembra – no meu caso, duas vinhetas culturais. Todo mundo conhece a cadeia global de discos Tower Records, que tinha sua loja principal em Manhattan a poucos quarteirões das Torres Gêmeas. Pois bem, naquele 11 de setembro era lançado Love and Theft, o novo álbum de Bob Dylan – o roqueiro anunciador de apocalipses. Fiquei me perguntando quantos fãs de Dylan não estariam por ali naquela manhã, no ventre da besta, fazendo fila para comprar o novo CD do velho Zimmermann (ele completara 60 anos em, 2001).

E a viúva de Norman Bates – quem diria? – morreu na primeira explosão, a do voo 11 (Boston-Los Angeles) da American Airlines. Na verdade, era a viúva do ator Anthony Perkins, que nunca se livrou da carga de ter sido “o-filho-que-era-mãe” no filme de Hitchcock Psicose. Rica, bonita, irmã da atriz Marisa Berenson, Berinthia "Berry" Berenson foi também manequim e atriz antes de se fixar na carreira de fotógrafa. Perkins – que fez ainda o papel de Norman Bates em três sequências de Psicose – só teve sua primeira relação sexual com uma mulher aos 39 anos. Ele se dizia um homossexual que se “curou” através da psicanálise. Em 1973 casou com Berry Berenson e teve dois filhos com ela, Oz e Elvis Perkins. Viveram juntos quase vinte anos, até a morte de Perkins, em 1992, por pneumonia causada pela AIDS. No trágico destino de Berry Berenson pode-se ler, sem dúvida, mais alguma daquelas maldições ligadas ao Mestre do Suspense, Sir Alfred Hitchcock.

 O PRIMEIRO PLANTÃO DA GLOBO NA MANHA DE 11/9/2001. 
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VEJA TRECHO DA COBERTURA DO ATENTADO PELA GLOBO NEWS COM IMAGENS DA CNN. 
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quinta-feira, 5 de maio de 2016

Orlando Abrunhosa (1941-2016) : uma vida em busca da perfeição

por ROBERTO MUGGIATI

Orlando Abrunhosa. 
Conheci Orlando Abrunhosa — eu repórter, ele fotógrafo da revista Manchete, ainda na redação da Frei Caneca — no final de 1965, quando os Beatles lançaram Rubber Soul, comentávamos cada faixa. Nas inundações de 1966, fizemos uma reportagem maravilhosa que foi direto para a gaveta (ou cesta de lixo) do editor: um ensaio felliniano sobre um palhaço que ficou sozinho num circo mambembe naufragado na Baixada Fluminense.
Orgulho-me de ter sido o primeiro editor a publicar (na capa da Fatos&Fotos) a foto icônica que Orlando fez no primeiro jogo do Brasil na Copa do México de 1970: Pelé alçando vôo e socando o ar para comemorar seu gol, ladeado por Tostão e Jairzinho. Na redação, batizamos a foto de “Os Três Mosqueteiros”. Na semana seguinte, a foto saiu colorizada na capa da Paris-Match. E depois virou selo, pôster e continua rodando o mundo como uma das imagens mais significativas da nossa época.
Em tempo, um comentário técnico, que vai interessar principalmente aos fotógrafos: era uma foto horizontal, cortei radicalmente as laterais para que se transformasse numa foto vertical, um hino visual com Pelé simbolicamente subindo para o céu. (Uma subleitura: as telas verticais de El Greco com os píncaros escarpados de Toledo.)
Orlando Abrunhosa fez tudo o que podia fazer na fotografia, foi um caçador-de-imagens campeão. Mas soube também perseguir seu sonho de compor e cantar, de dar vazão à música que sempre morou no seu coração. Ouvi com imensa felicidade seu CD, com um título que diz tudo: "Agora é minha vez". Vocalista afinado e envolvente, autor de canções afetivas e atuais, Orlando traz uma nova dimensão ao samba. Sempre fiel a sua fórmula mágica de aliar, com perfeição, técnica e sensibilidade.

EM 1997, A EDIÇÃO ESPECIAL MANCHETE 45 ANOS CONTOU A HISTÓRIA DE UMA SÉRIE DE FOTOS QUE ORLANDO ABRUNHOSA FEZ DE EMERSON FITTIPALDI, NO AUTÓDROMO DE INTERLAGOS.

PARA OBTER A IMAGEM QUE CONSIDERAVA IDEAL, ELE DEITOU-SE SOBRE O CAPÔ DO CARRO. FITTIPALDI ACELEROU MAIS DO QUE O FOTÓGRAFO ESPERAVA E, NUMA CURVA, A CÂMARA ESCORREGOU E FOI LITERALMENTE ATROPELADA. 

ORLANDINHO, COMO ERA CHAMADO PELOS AMIGOS, NÃO  PERDEU O FOCO: PEGOU A CÂMERA RESERVA E, ANTES DA LINHA DE CHEGADA, CONSEGUIU AS FOTOS QUE PLANEJOU E EMPLACOU SEIS PÁGINAS NA EDIÇÃO DA MANCHETE DAQUELA SEMANA.