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quinta-feira, 21 de março de 2024

Ana Gaio (1955-2024) e o jornalismo como razão de ser

Ana Gaio na Manchete em dois momentos: na exclusiva com o guitarrista e vocalista Robert Smith, The Cure, em 1987, e...


...com a fotógrafa Paula Johas durante uma reportagem
sobre a nevasca no sul do Brasil.


por José Esmeraldo Gonçalves

Ana Gaio era especializada em jornalismo cultural. Cobria teatro, cinema, TV, rock e MPB. A Manchete, como publicação de variedades, costumava ultrapassar os limites das especialidades de cada repórter. Ana, com intensa presença nas páginas da revista entre meados dos anos 1980 e a década de 1990, registrou como ninguém a explosão do Rock Brasil. Paralamas, Ultraje a Rigor, Blitz, RPM, Titãs, Barão Vermelho, Skank, Capital Inicial, Kid Abelha, entre outros, todos foram levados por ela às páginas da Manchete. O que não impedia que fosse escalada para cobrir eleições, provas de motociclismo, Fórmula 1, reportagens policiais e até de turismo, mas quem estava na redação percebia que suas matérias eram ainda mais vibrantes quando focalizava, e conquistava, as principais celebridades da época. Assinou muitas exclusivas com roqueiros brasileiros e internacionais. Um exemplo significativo: talvez a Manchete tenha feito a melhor cobertura da trajetória do Cazuza, do difícil começo de carreira ao sucesso e ao drama. Quando o fim do ídolo estava próximo, a Veja cometeu a indignidade de assinalar o que chamou da sua "agonia em praça pública". A revista da Abril cometeu um sadismo jornalístico tão antológico quanto cruel. Na mesma semana, a Manchete publicava uma exclusiva com o vocalista acompanhada de dezenas de fotos pessoais e um depoimento humano e comovente que ele cedeu a Ana Gaio. A repórter havia feito muitas matérias com o Cazuza, tantas que estabeleceu uma relação de amizade com o entrevistado de todas as fases da carreira. Provavelmente foi difícil para ela fechar com muito profissionalismo o capítulo final do cantor. 

Este post é sobre isso: o talento, a integridade e a dedicação de uma jornalista.

* Ana Gaio faleceu aos 69 anos, no dia 19/3, no Rio de Janeiro.     

sábado, 30 de setembro de 2017

Há 30 anos, Césio-157 nas páginas da Manchete...

por José Esmeraldo Gonçalves

No dia 13 de setembro de 1987, o Brasil acordou com um título que nenhum país gostaria de ter: o de maior acidente radiológico do mundo e a segunda tragédia radioativa global (só perdia, na época, para Chernobil (1986), hoje, Fukushima (2011), no Japão, assumiu o lugar de vice). Mas o país só saberia do acidente em Goiânia duas semanas depois, quando foi dado o alerta de contaminação.

Márcia Mello Penna e Carlos Humberto
TDC cobriram o acidente do
Césio-157 em Goiânia, setembro de 1987.
Manchete mobilizou suas equipes e deu ampla e imediata cobertura ao caso. Em um primeiro momento, a repórter Márcia Mello Penna e o fotógrafo Carlos Humberto TDC se deslocaram para Goiânia. Na sequência, meses depois, o escritor e jornalista José Louzeiro também fez uma reportagem sobre o assunto.

Mas foi um ano depois, em setembro de 1988, que a repórter Maria Alice Mariano e a fotógrafa Paula Johas surpreenderam a redação da Manchete ao voltar de Goiânia com uma impressionante reportagem que não deixava dúvidas de que a data não era apenas um "aniversário" ou um simples "gancho" jornalístico: a tragédia de Goiânia ainda estava em curso.

Se as atenções do Brasil já não se voltavam tanto para o caso e outros fatos geravam novas pautas, o drama do Césio 157 permanecia intenso e marcava a vida dos sobreviventes. Àquela altura, o tempo mostrou que a partir do momento em que um catador de ferro velho encontrou em um prédio abandonado (onde funcionara uma clínica) uma cápsula de um aparelho de radioterapia e a abriu, pensando em aproveitar o chumbo, mais de 100 mil foram expostas à contaminação.

A maioria sofreria durante anos os efeitos da radiação e dezenas de mortes ocorreriam ao longo da década seguinte, além das quatro vítimas fatais imediatas.


Um ano depois, em 1988, Maria Alice Mariano e Paula Johas voltaram
a Goiânia para constatar que a situação ainda era dramática
para os sobreviventes e os resíduos radioativos não tinham
depósito seguro e definitivo.  
Quando a redação da Manchete pautou uma volta ao local do vazamento de césio para apurar a situação, em setembro de 1988, Márcia Mello Penna seria a repórter naturalmente indicada por ter feito a cobertura inicial do acidente. "Márcia estava saindo em viagem para outra matéria e me passou a pauta", conta Alice, cuja preferência era por pauta "quentes". E Goiânia ainda oferecia isso, literalmente.


Maria Alice e Paula Johas retrataram o drama humano
que o Césio-157 deixou. 
A edição que trazia a matéria das graves consequências do acidente, um ano depois.

Com o fato à distância de 365 dias, Maria Alice e Paula Johas buscaram os dramas humanos e as histórias pessoais. O medo, os traumas silenciosos, cada uma das vítimas convivendo com sua própria dor, as falhas na contenção da radiação e o sofrimento daqueles que em um instante tiveram suas vidas mudadas para sempre.

Naquela edição, as repórteres da Manchete narraram em texto e fotos a tragédia do Césio-157 ainda viva e que, na velocidade do acontecimentos, o Brasil já tendia esquecer.

As vítimas, não.