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domingo, 18 de setembro de 2022

1965, o último grande funeral: “Eu enterrei Churchill na BBC” • Por Roberto Muggiati


O cerimonial proibia que se fotografasse o caixão de Churchill. Apesar disso, Jáder Neves
fez essa foto exclusiva para a Manchete




Churchiil velado no Westminster Hall. Jáder fez essa imagem a partir das galerias. 


Manchete, 1965: a cobertura do adeus a Churchill foi feita por
Narceu de Almeida e Jáder Neves



No domingo 24 de janeiro de 1965 eu fazia sozinho a transmissão ao vivo do Serviço Brasileiro da BBC. O trabalho consistia em levar ao ar programas pré-gravados durante a semana pela equipe, excetuando dez minutos do boletim de notícias e dos editoriais, traduzidos uma hora antes das doze badaladas do Big Ben (oito da noite no Brasil), para injetar o máximo de atualidade na programação. 

Naquela noite foi tudo diferente. Tinha morrido, aos 90 anos, Sir Winston Leonard Spencer Churchill, o lendário ex-Primeiro Ministro britânico. Limitei-me a dar a notícia pontual do falecimento, liberada pela newsdesk que fornecia os boletins para os serviços da BBC em língua estrangeira, e mandei rodar a fita com o obituário do grande estadista.

Em meus primeiros dias de BBC, em agosto de 1962, fiquei sabendo da existência daquela fita com o perfil do grande estadista. Ela era periodicamente atualizada, mas, a partir de junho de 1962 – quando fraturou os quadris em Monte Carlo, Churchill praticamente não saiu mais de casa. Aliás, em meus primeiros dias de Londres, morando provisoriamente no apartamento de um amigo em Kensington, eu podia ver da janela dos fundos a casa de Churchill em Hyde Park Gate, com um policial sempre à porta. 

Em 12 de janeiro de 1965 o ex-Premier sofreu um derrame que colocou toda a mídia em alerta. Na BBC eu mantinha um regime de trabalho muito conveniente para mim: trabalhava na redação das 10 às 17 as quartas quintas e sextas e na transmissão direta aos sábados e domingos, isso me deixava totalmente livre às segundas e terças. Enquanto a metrópole de oito milhões de habitantes labutava, eu folgava, fazendo da fascinante London meu parque de diversões cultural. E o trabalho no fim de semana se resumia a uma hora de transmissão cada dia, mais o tempo de tradução dos boletins e editoriais – uma hora no sábado para traduzir os artigos e notícias, mais o adiantamento dos artigos do domingo, e meia hora apenas para a tradução do boletim no domingo.

Roberto Muggiati na BBC


Por mera obra do acaso, coube a mim irradiar em português para o Brasil naquele domingo a morte de Churchill, no dia exato em que fazia 70 anos a morte do seu pai. O correspondente de Manchete em Londres era meu amigo Narceu de Almeida, que no ano seguinte assumiria a chefia da Sucursal de Paris. Como Narceu não podia estar a todo tempo em toda parte, ajudei-o pontualmente na apuração de retaguarda. 

O fotógrafo designado para cobertura foi Jáder Neves, que não falava uma palavra de inglês, mas era um daqueles veteranos confiáveis do diretor da revista, Justino Martins. E não deu outra: Jader cumpriu tudo o que se esperava dele, com uma demonstração de perseverança e malandragem de que só um dos nossos “pés-de-boi” seria capaz.  Movido pelo pavor de perder o emprego caso não fizesse a foto do caixão sobre o catafalco em Westminster Hall, Jáder fez o impossível. Era terminantemente proibido fotografar  no recinto e batalhões de policiais estavam a postos para impedir a ação. Jáder ficou horas na fila e, ao se aproximar do caixão, sacou sua Rolleiflex, escondida debaixo da capa de chuva, mas a máquina foi imediatamente arrebatada por um bobby esperto. Sem se dar por vencido, voltou ao final da fila e reiniciou a operação, até ter a câmera novamente recolhida. Já na madrugada, depois de várias tentativas, Jáder pegou a guarda desatenta e “bateu a chapa” tão esperada. Foi o único fotógrafo do mundo a conseguir a façanha. Só na Manchete aconteciam coisas assim...

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Do álbum da Manchete - Lembranças de Churchill em Londres

Churchill fotografado em 1941, aos 67 anos, por Yousuf Karsh, que batizou o retrato de
"Ther Roaring Lion" - o leão que ruge. 

O ator Gary Olden, o Churchill do filme O destino de uma nação,
em cartaz no Rio. Foto: Divulgação

Por Roberto Muggiati

Trabalhei no Serviço Brasileiro da British Broadcasting Corporation (BBC), em Londres, de agosto de 1962 a junho de 1965. O filme O destino de uma nação, com Gary Olden fazendo um Churchill – dizem os fãs cinema – mais parecido com Sir Winston do que o próprio, me fez lembrar o velho líder, ainda vivo quando cheguei à Inglaterra. Embora estivesse trancado em casa à espera da morte, Sir Winston Leonard Spencer-Churchill ainda era uma presença forte no país. Até o mais saliente dos Beatles, que despontavam no cenário pop, levava um pedaço do seu nome: John Winston Lennon.

Nos primeiros dias londrinos, fiquei no apartamento de um amigo enquanto procurava um endereço fixo. Era em Queen’s Gate Terrace, uma área nobre. A primeira coisa que vi da janela dos fundos foi a casa de Churchill, no 28 de Hyde Park Gate, protegida 24 horas por um bobby. Ele iria completar 88 anos em 30 de novembro. Mais recentemente, especulou-se que Churchill sofreria de Alzheimer nos últimos anos, embora a maioria dos médicos acredite que sua capacidade mental reduzida nos últimos anos foi devida ao resultado cumulativo dos dez AVCs e da surdez crescente que sofreu no período de 1949 a 1963.

Assim que comecei a trabalhar na BBC fiquei sabendo que tínhamos um obituário completo do grande líder já gravado, em quase uma hora de fita (uma hora era o tempo que durava na época a transmissão em português para o Brasil). Nos últimos anos, só era atualizada na fita a idade, Churchill já havia encerrado sua biografia há algum tempo. A notícia da morte seria dada ao vivo, pelo Programme Assistant que fazia a transmissão. Em 15 de janeiro de 1965, Churchill sofreu um derrame severo e morreu na casa de Hyde Park Gate, aos 90 anos, na manhã de 24 de janeiro, um domingo. Coube a mim, que fazia a transmissão para o Brasil naquela noite, traduzir e ler a notícia preparada pela redação da BBC e fazer rodar a fita do obituário.

Reprodução/Edição Especial Manchete 45 anos

Àquela altura, Manchete já estava no meu caminho – embora eu não soubesse – devido a minha amizade com Narceu de Almeida e Fernando Sabino. Narceu fez a cobertura dos funerais e quem fotografou foi o Jader Neves, vindo especialmente do Rio. Jader encontrou uma barreira inexpugnável que nunca conhecera no seu trabalho: durante três dias, o esquife, exposto com pompa e circunstância à visitação pública em Westminster Hall, era cercado por policiais – homens e mulheres – que proibiam qualquer tentativa de fotografia. Mas os ingleses desconheciam a tenacidade de um pé-de-boi como o Jáder. Durante três dias, ele entrava na fila, mal podendo esconder a câmera grandona e, ao chegar perto do catafalco, preparava-se para o clique, mas era impedido delicadamente por um batalhão de policiais. Pôs-se então a repetir pacientemente a operação, enfrentando a fila quilométrica daqueles que iam pagar seus últimos respeitos ao grande homem. E foi assim que, no terceiro dia, no apagar das luzes, valendo-se de um instante de distração dos guardas, Jáder Neves fez a foto salvadora.