sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Guerras: a indústria da morte está mais viva do que nunca. O pacifismo, cujo símbolo maior completa 65 anos, nunca teve chance. Como em uma série do streaming, sempre haverá uma nova temporada.

 

O logotipo criado por Gerald Holtom em 1958.

Poster pacifista da Arundati Roy

por José Esmeraldo Gonçalves 

O mais famoso logotipo da paz comemorou 65 anos. Foi desenhado pelo inglês Gerald Holtom. Ele participaria de uma passeata pelo desarmamento nuclear, em 1958, e fez um cartaz com um círculo representando planeta e três linhas que, juntos, significavam um N e um D (Nuclear Disarmament). Ironicamente, Holton se inspirou nessas duas "letras" da sinalização militar codificada, Anos depois o movimento hippie adotou o simbolo nas primeiras manifestações contra a Guerra do Vietnã. Longe de prever que o logotipo seria usado pela contracultura em todo mundo, ele nem pensou em registrar o símbolo. Da mesma forma, um slogan igualmente difundido - "Make Love not War" - depois associado ao desenho de Holton, é também de domínio público, este não se sabe com certeza que o criou. Foi usado pela primeira vez durante protestos em Berkeley, na Califórnia, em 1965. Na verdade, ao longo dos anos, apareceram mais autores do que a pequena multidão que costuma assinar os sambas-enredo das escolas de samba cariocas. Vejam só: os ativistas Gershon Legman, Rod McKuen, Penelope e Franklin Rosemont, Diane Newell Meyer tentaram assumir a autoria da frase. O filósofo alemão Herbert Marcuse teria criado o conceito no seu livro "Eros e Civilização", mas tanto a frase não tem dono que John Lennon e Bob Marley a usaram nos anos 1970, respectivamente nas canções "Mind Games" e "No More Trouble". 

"Madame Valéria" da Grécia Antiga"

Infelizmente, os logotipos, as passeatas e a música não conseguiram vencer as armas. Atrocidades na Ucrânia, em Gaza e em Israel, para falar apenas nesses dois conflitos midiáticos (as guerras crônicas em nações pobres da África miserável não rendem notícia), mostram que os líderes, em matéria de deuses e deusas, escolhem o ódio espalhado pelo deus Marte e desprezam Eros, o deus grego (para os romanos era o popular Cupido, o das flechas) que tinha o poder de levar os humanos a encontarem o amor e o desejo em sete dias, como uma "madame Valéria" da Grécia antiga.       

Guerra é a metanfetamina dos líderes 

O deus da guerra da nossa era - os Estados Unidos - é poderoso demais para ceder a frases e desenhos. Precisam de guerras como um viciado precisa de metanfetamina. A guerra move seu PIB. Cerca de 57% das armas vendidas no mundo, no ano passado, foram produzidas nos EUA, segundo o Stockholm Peace Reasearch Institute. Não por acaso, desde a Segunda Guerra Mundial, o país não passou um dia sequer sem que promovesse guerras em algum ponto do planeta. Não precisam de motivos para explodir em sangue algum país. Precisam apenas de interesses econômicos. Fomentam guerras quando não impulsionam golpes e ditaduras. O Brasil conhece bem essa síndrome geopolítica. Os golpes de 1964 e 2016 exibiram digitais comprovadas do Departamento de Estado e da CIA. A campanha contra o governo constitucional de Getúlio Vargas também. 

Para citar uma interferência recente, documentos e outras evidências, incluindo as provas do escândalo  Vaza Jato, a Lava Jato foi um instrumento de Washington com o objetivo de atingir a Petrobras e o pré-sal, no que tiveram êxito. Sérgio Moro e facção foram ferramentas que se relacionaram com instituições estadunidenses. Hoje a famosa "força-tarefa" está sob apuração da destinação de bens  apreendidos, assim como autoridades buscam o destino de quantias e bens milionárias arrecados por multas. 

A guerra inútil

Veja-se o caso do Afeganistão. Foi invadido, os terroristas talibãs foram inicialmente contidos. O dramático capítulo final todos vimos na TV. Fugas desesperadas e o Afeganistão, após as mortes de milhares de civis locais e jovens soldados das força ocidentais foi ridiculamente entregue ao mesmo Talibã terrorista. Manter aquela guerra já não era um bom negócio do frio ponto de vista de despesas versus lucros.

Para ficar apenas em duas guerras atuais e em conflitos alimentados por Washington, estão aí Ucrânia-Rússia e Israel-Hamas. No país do Leste europeu, o golpe de Estado de 2014, que apoiou grupos nazistas e, em seguida, abriu caminho para o avanço territorial dos mísseis da Otan apontados para a Rússia foi o gatilho que levou à resposta violenta do Kremlin. com a cruzada de mortes de civis na Ucrânia. Quem lucra política e financeiramente com essa guerra? Nem Moscou, muito ao contrário; nem a Kiev, nem as populações da União Européia parecem estar felizes. 

Dizem que essa guerra não terá vencedores. Engano. A carnificina já tem um vencedor desde o primeiro tiro: o complexo industrial-militar dos Estados Unidos. Ucrânia é hoje é  campo de testes e um feirão de armas. 

A guerra Israel-Hamas também é uma triste "Black Friday" para vendedores de armas que matam geralmente muitos civis e menos militares. Você já reparou que os países fazem muitos monumentos para soldados mortos e quase nada para os civis sacrificados?  Você conhece um memorial para os sem fardas mortos em centenas de conflitos recentes, dos anos pós-Segunda Guerra Mundial e até hoje? Não? Pois é.

A pauta da morte 

O complexo industrial militar - ao qual servem rigorosamente todos os presidentes estadunidenses - pensa muito à frente. Reúne políticos, militares e corporações especializadas em criar tensões. É o caso da ofensiva dos Estados Unidos contra a China. Criar essa crise já resultou em lucros extraordinários em vendas de armas para o Japão,Taiwan e Austrália. O Irã é outro "investimento", uma crise quase pronta para explodir e gerar mortes e lucros, que andam juntos. Assim como a guerra da Ucrânia potencializou mercados na Finlândia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Polônia, República Tcheca e demais nações da Europa Oriental. 

A ocupação de parte da Síria, os combates por procuração no Iêmen, os estragos feitos no Iraque (para cuja guerra inventaram as "armas de destruição em massa", que nunca existiram), Afeganistão (para eliminar os autores  do atentado das Torres Gêmeas, sendo que os responsáveis eram da Arábia Saudita, uma ditadura até  hoje aliada dos Estados Unidos), Líbia, Líbano, são outros exemplos de conflitos úteis. Uma crise que poderá  ser devastadora é a que Washington tenta montar opondo Índia e China. Não é possível saber como reagirá a China ao ver que os Estados Unidos plantaram mísseis na fronteira do país, como fizeram em relação à Rússia. O Mar da China é hoje um palco de vigilância por parte de navios, submarinos e jatos chineses e estadunidenses com registro de alguns perigosos incidentes.

Busque um abrigo

Há fome no mundo, muitos países enfrentam problemas financeiros, a crise climática se agrava enquanto a indústria militar cresce a um ritmo médio de 7% ao ano desde 2021.  Ao fechar 2023 deverá bater recordes de lucros.

O desequilíbrio fiscal dos Estados Unidos é medido em trilhões de dólares. Dívida impagável e que, para ser rolada, depende, ao fim, das esteiras dos tanques.

E, claro, quando você ouvir falar em crise econômica nos pilares da Casa Branca busque um abrigo. Uma próxima guerra virá. Poderá ser sobre a sua cabeça.

O pacifismo, cujo símbolo completa 65 anos, nunca teve chance. 

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