quinta-feira, 30 de novembro de 2023

O capeta recebe Henry Kissinger

1975: Kissinger, o jogador Marinho e o então ditador de plantão Ernesto Geisel. Foto Manchete.

A capa da edição da Manchete na semana em que Kissinger visitou o Brasil em 1975. Enquanto ele era paparicado pelo staff da ditadura e suas damas em coquetéis abertos e conversas fechadas, as tropas de Ho Chi Min e Giap entravam em Saigon. Com Kissinger nos trópicos, longe do game over da encrenca
que ajudou a criar.


Henry Kissinger, então secretário de Estado, visitou o Brasil em 1975. Foi recebido no Congresso e passeou com o general Geisel, o gorila de plantão na ditadura. Curiosamente, enquanto o arquiteto de guerras perambulava pelo Brasil, a capa da Manchete mostrava a correria em Saigon quando guerrilheiros e tropas de Ho Chi Min ganhavam a periferia da cidade. 

Um carniceiro nem sempre precisa por a mão em armas. Kissinger talvez nem soubesse atirar. No fim, viveu muito mais do que suas milhares de vítimas na Ásia, na África, na América do Sul. Ele esteve por trás de incontáveis carnificinas. Autorizou, por exemplo, junto com Nixon, bombardeios de napalm e pesticidas no Vietnã. "Queima tudo", era a política. Com um agravante: sem que decisões desse tipo passassem pelo Congresso. Apoiou as ditaduras na América do Sul, com todo o pacote de intervenção dos Estados Unidos, dólares para montagem de máquinas de mortes, cursos de técnicas de tortura para militares e policiais da Argentina, Chile e Brasil. Uma característica da época foi a eliminação de líderes de esquerda em todo o mundo. Para Kissinger, isso era parte da Guerra Fria. Na Indonésia, foi "conselheiro" de uma operação que resultou em 100 mil mortos. 

Apesar de tudo isso, Kissinger recebeu o Nobel da Paz. Algum sueco bêbado o julgou merecedor por supostamente ser o articulador do fim da guerra do Vietnã quando o seu objetivo era apenas iniciar a retirada das tropas estadunidenses do Sudeste Asiático. Era a tentativa de evitar  um desastre militar incomensurável e, com isso,  livrar a cara dos republicanos alvos da rejeição dos eleitores cansados de receber jovens soldados em sacos pretos. Danos colaterais, diria ele. 

Kissinger morreu aos 100 anos. Não se sabe se pensou em tudo o que fez ou mostrou arrependimento. A frase que mais se aproxima disso, embora ainda distante, é algo como "fiz o que achava que estava preparado para fazer na época". 

Ele foi defenestrado do cargo pelo democrata Jimmy Carter.

Se existe inferno, o carniceiro Mr. K. estará lá certamente como conselheiro do capeta. Experiência no cargo ele tem. E vai ter isso como destaque no Linkedin que o Chifrudo vai ler. 

A morte de Kissinger lembra famosos versos de um cordel de José Pacheco sobre a chegada de Lampião ao inferno. O diabo, avisado da chegada do cangaceiro, ordenou que a segurança o barrasse...

Diga a ele que vá simbora/Só me chega gente ruim/Eu ando muito caipora/Eu já to inté com vontade/De botar mais da metade/Dos que têm aqui pra fora


Um comentário:

Prof. Honor disse...

Kissinger foi uma das figuras mais sinistras do século passado. Representou a personagem do açogueiro acadêmico com mais enluvadas de sangue