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domingo, 19 de novembro de 2017

Roberto Muggiati escreve: BRASILEIRÃO 2018 - Sai de baixo que a gralha azul vem aí!


Roberto Muggiati

Vibrei neste sábado com a classificação do Paraná Clube para voltar à Série A do Campeonato Brasileiro, depois de dez terríveis anos na Segundona, correndo por vezes o risco de cair para a terceira divisão.

O engraçado nisso tudo é que nem torcedor paranista eu era. Nascido em Curitiba e morando lá até 1960, eu torcia para o glorioso Clube Atlético Ferroviário, o time da RVPSC (não é “répondez s’il-vous plait”, mas Rede Ferroviária Paraná Santa Catarina). Aliás, vocês nem imaginam a quantidade de times ferroviários que existem ou existiram no Brasil, meu amigo paranista Ernani Buchman, presidente da Academia Paranaense de Letras, contou esta história magistralmente em seu livro Quando o Futebol Andava de Trem/Memória dos times ferroviários brasileiros (Imprensa Oficial do Paraná, 2004), listando quase uma centena de agremiações nos trilhos.

Nada melhor para explicar o que era o Ferroviário do que a analogia com os partidos políticos da época: o Atlético, o Furacão, era o PSD (centrista); o Coritiba era a UDN, de direita; foi fundado por um grupo de jovens do Clube Ginástico Teuto-Brasileiro Turnverein e por muitas décadas, arianista, só admitia jogadores brancos, daí o apelido de Coxa Branca; e o Ferroviário era o PTB, centro esquerda, o time do povão.

Fundado em 1930, o Clube Atlético Ferroviário ganhou o apelido de "Boca-Negra", nome de um grupo indígena descoberto na selva brasileira na época. Além de gloriosas conquistas esportivas, o Ferroviário inaugurou em 1947 o estádio Durival Britto e Silva, em Vila Capanema, o terceiro maior do Brasil depois de São Januário e Pacaembu, quando ainda não havia o Maracanã.

Além de torcer para o Ferroviário, calhou que no ano de 1949 – quando o Colégio Estadual do Paraná ainda não havia inaugurado seu fabuloso campus junto ao Passeio Público – eu tinha aulas de ginástica, no primeiro ano do Ginásio, no Durival Britto.


O estádio tinha uma concha acústica (demolida depois), onde vi um fabuloso show da Orquestra de Xavier Cugat, com sua coleante rumbeira e mulher Abbe Lane – a sex symbol latina está viva e mora em Brooklyn, onde nasceu há 84 anos numa família judia com o nome de Abigail Francine Lassman. Já Xavier Cugat – regendo a banda com seu cachorrinho chihuahua no bolso do summer jacket – que todo mundo julgava cubano ou mexicano, era catalão e amigo de infância de Salvador Dalí.

Ou seja, vivemos num mundo de aparências. Cugat na época era um dos grandes nomes dos musicais da Metro, o que não impediu um daqueles torcedores malucos do Ferroviário – todo time tem o seu – o Paraquedista, de atrapalhar o show na concha acústica falando um monte de baboseiras.

Foi no Durival de Britto que – aos doze anos, com meu pai, ele de terno e chapéu – vi os dois jogos curitibanos da Copa de 1950: Espanha 3x1 Estados Unidos e Suécia 2x2 Paraguai, um deles apitado pelo lendário referee brasileiro Mario Vianna. A seleção americana era um saco de gatos, formada por um bando de imigrantes – americano que se prezava na época só jogava o seu football, com aquela bola entortada, e desprezava o soccer. Pois não é que os carcamanos dos EUA, uma semana depois, eliminaram por 1x0 o English team, um dos favoritos da Copa de 50?

Também no Durival Britto eu me deliciava com os Torneios Início, um dos adoráveis cacoetes do futebol brasileiro nos anos 40/50. O leitor de hoje talvez nem tenha ouvido falar. O Torneio Início – e acontecia em quase todos os estados – era um aperitivo dos campeonatos estaduais e confrontava todos os times em partidas de 20 minutos (10 por tempo). A final era maior: 60 minutos (30 por tempo). O desempate era resolvido ou pelo número de escanteios ou por disputa de pênaltis. Enfim, um domingo inteiro de futebol, verdadeiro piquenique, e dava cada zebra...

Parti de Curitiba para o mundo em 1960 e nunca mais vi o Ferroviário jogar. Em 1970, o Ferroviário – sei lá por que – se fundiu com o Britânia e o Palestra Itália para formar o Colorado. E em 1989 – pouco depois da queda do Muro de Berlim, que não teve coisa nenhuma a ver com essa história – o Colorado fundiu com o Pinheiros, o antigo Água Verde – o “hidro-esmeraldino” no jargão dos locutores de futebol – para formar o Paraná Clube.


As camisas, vermelha do Colorado e azul do Pinheiros, foram cortadas na vertical em duas metades, o que deu uma estranha camisa de jóquei para o Paraná, talvez única no Brasil.

Em 2007 o Paraná complicou-se com a Libertadores e foi rebaixado para a série B do Brasileirão. Pastou os dez últimos anos na grama amarga da Segundona, assolado pelo espectro da queda para a terceira.

Fotos: Site Oficial Paraná Clube
Este ano, mostrou sua maior qualidade: a garra. Teve muitas trocas de técnicos, o incidente maluco com o Lisca, mas se deu bem no final com Matheus Costa, o técnico mais jovem de todas as divisões brasileiras de hoje, na flor dos seus 30 anos. Dos quatro classificados para a série A, o Internacional, apesar dos fortes investimentos e do apoio da grande  torcida, decepcionou. O América mineiro mostrou força e coesão e passou à frente. O Ceará também fez valer sua energia. E o Paraná, mais do que com valores individuais, conquistou o seu lugar graças ao espírito de grupo e ao amor à camisa, acima de tudo. Vai precisar de um bom investimento para encarar a elite em 2018. Mas o principal, a garra, está garantido. Se cuidem que a gralha azul vem com tudo!