Páginas da revista Fatos editadas por Marcos Santarrita |
por José Esmeraldo Gonçalves
Abri o email em um ônibus, a caminho da Capadócia. Por uns dias desligado do Brasil, de corpo e alma, li a mensagem de J.A.Barros, que foi diretor de arte da Manchete, e imediatamente fui levado pela memória ao prédio do Russell, no Rio, onde funcionava a redação da revista Fatos. Barros avisava do falecimento, no Rio, aos 70 anos, na quarta-feira, 5, do jornalista, escritor e tradutor Marcos Santarrita. Já escrevi aqui sobre a Fatos, essa publicação de vida tão intensa quanto curta. O livro “Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou” narra a trajetória da revista, uma tentativa – Carlos Heitor Cony à frente – de dotar a Bloch de uma publicação semanal de informação e análise. Por problemas políticos e boicote interno – ainda estávamos sob os efeitos da ditadura, com a rejeição da Emenda das Diretas e Sarney chegando ao poder nas ombreiras do esdrúxulo Colégio Eleitoral dos militares - a Fatos não obteve tempo suficiente para se firmar no mercado e foi fechada em julho de 1986, apenas um ano e quatro meses após sua estréia nas bancas. Marcos Santarrita foi passageiro daquele cometa jornalístico. Era o nosso editor internacional. Comandava uma das editorias mais agitadas. Naqueles meses, morria Constantin Chernenko e subia ao poder ninguém menos do que Mikhail Gorbachev. Santarrita foi fundo na sua análise, traçou um perfil do novo líder e prenunciou mudanças. Ressaltou que era o primeiro governante soviético formado após a Segunda Guerra, de educação superior e escola política pós-Stalin (tinha 22 anos quando o líder soviético morreu), fatores que lhe conferiam “uma visão moderna e pragmática, especialmente da economia”. O “apartheid” agonizava na África do Sul, o Brasil reatava relações com Cuba, estourava o escândalo dos Contras, o caso Greenpeace (uma desastrada operação do serviço secreto francês que resultou na morte de um ativista ecológico) abalava o governo socialista de François Mitterrand, Irã e Iraque contabilizavam um milhão de mortos em sangrento conflito, nada escapava à contundente interpretação de Santarrita. Sergipano, criado na Bahia, onde fundou um periódico literário, a Revista da Bahia, ele foi redator do Última Hora, Globo, Jornal do Brasil e da Fatos&Fotos. Um dos seus livros mais premiados é o “Mares do Sul”, sobre uma revolta de escravos em Ilhéus. Escreveu, entre outros, “Danação dos Justos”, “A Solidão dos Homens”, “Lady Luana Savage”, “A Ilha dos Trópicos” e “Os Pecados da Santa”. Deixa sua marca como escritor brilhante. Mas para a equipe que viveu a aventura da Fatos – com o J.A.Barros, seu diretor de arte – fica a imagem do jornalista apaixonado, que dissecava a notícia, e do bom colega, calmo e meticuloso, características que resistiam às longas e agitadas madrugadas de fechamento. Pensando bem, Santarrita só nos criava um problema: queria sempre mais páginas para sua editoria. E era difícil resistir à sua argumentação. Boa viagem, meu caro.