Se você não leu o "programa de governo" do PMDB, está na hora de conhecer o tamanho da encrenca. O tal do "Uma Ponte para o Futuro", uma cartilha primária do governo pós-golpe, é, na verdade, uma tremenda piroga para o passado. Veja algumas tramoias:
* "Estabelecer um limite para as despesas de custeio inferior ao crescimento do
PIB, através de lei, após serem eliminadas as vinculações e as indexações que
engessam o orçamento".
O que isso quer dizer: verbas para educação e saúde deixam de ser obrigatórias.
* "Executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio
de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em
todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de
serviços públicos e retorno a regime anterior de concessões na área de petróleo,
dando-se a Petrobras o direito de preferência".
O que isso quer dizer: privatização ampla, grupos privados assumindo serviços públicos (parcerias extremamente lucrativas e que costumam resultar em mais despesas) e um liberou geral no petróleo especialmente no cobiçado pré-sal.
* "Realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com
maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as
áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com ou
sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles".
O que isso quer dizer: o comércio exterior volta a se submeter aos Estados Unidos e União Europeia, dois mercados com conhecidas barreiras protecionistas principalmente no setor agrícola que é decisivo para as exportações brasileiras. Quanto às amarras do Mercosul, foram criadas pelo próprio PMDB no governo trapalhão de José Sarney.
* "Na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as
normas legais, salvo quanto aos direitos básicos".
O que isso quer dizer: o PMDB pretende criar uma "legislação" pirata, paralela à legislação legal. O objetivo é livrar as empresas do cumprimento das normas que protegem o trabalho. Isso equivale a relativizar salários, horas extras, benefícios, saúde e segurança dos trabalhadores. Como no Brasil Colonial, caberá aos "senhores" escolher como serão as relações de trabalho. Os "direitos básicos" não são definidos pelo documento, daí...
* "Na área tributária, realizar um vasto esforço de simplificação, reduzindo o número
de impostos e unificando a legislação do ICMS, com a transferência da cobrança
para o Estado de destino; desoneração das exportações e dos investimentos;
reduzir as exceções para que grupos parecidos paguem impostos parecidos".
O que isso quer dizer: 70% dos impostos, no Brasil, são pagos por assalariados. O PMDB quer aliviar ainda mais grandes grupos, o sistema financeiro etc. O item não fala no contribuinte pessoa física para quem vai sobrar a conta.
* "Promover a racionalização dos procedimentos burocráticos e assegurar ampla
segurança jurídica para a criação de empresas e para a realização de investimentos,
com ênfase nos licenciamentos ambientais que podem ser efetivos sem ser
necessariamente complexos e demorados".
O que isso quer dizer: licenciamento ambiental é norma tradicionalmente combatida por empresas, pelo agronegócio, por grileiros e pela grande mídia. A intenção aí é a "enfase" na desregulamentação ambiental.
* "Para ser funcional (o Estado) deve distribuir os incentivos corretos para a iniciativa privada".
O que isso quer dizer: Deve ser mais ou menos como o PMDB fez no Rio de Janeiro ao conceder festiva isenção de ICMS a grandes empresas em valores que somam quase dez vezes a cifra do atual rombo nas contas do Estado do RJ.
* No Relatório Global de Competitividade 2015-2016, do Fórum Econômico Mundial,
publicado recentemente, o Brasil ficou em 75º lugar, entre 140 países, perdendo
18 posições em relação ao relatório anterior, de 2014 (...) Na decomposição dos fatores
que compõem o índice o nível dos impostos e a complexidade tributária, combinados,
respondem por 25% – o maior fator – dos problemas para realizar negócios no país. As
leis trabalhistas e a corrupção vêm muito abaixo, com 14% e 12%, respectivamente".
O que isso que dizer: Aí tem um ato falho, o PMDB quer dizer que a corrupção não é tão prejudicial assim ao país? "Uma Ponte para o Futuro" tem 6.369 palavras. E corrupção é verbete citado apenas uma vez. A palavra parece provocar arrepios nas internas.
* "Outra questão da mesma ordem provém da previdência social. Diferentemente de quase
todos os demais países do mundo, nós tornamos norma constitucional a maioria das regras
de acesso e gozo dos benefícios previdenciários, tornando muito difícil a sua adaptação
às mudanças demográficas".
O que isso quer dizer: É curioso. O PMDB defende a "segurança jurídica" para investidores, sejam aqueles que injetam dinheiro no setor produtivo, sejam os especuladores, mas advoga "insegurança jurídica" para aposentados e usuários dos sistemas públicos de previdência e assistência. O que o PMDB chama de "adaptação" é, na prática, cassação de direitos sociais.
* "Na ausência de uma ação forte e articulada, que conduza a um conjunto de reformas nas leis e na constituição, a crise fiscal não será resolvida".
O que isso quer dizer: o PMBD defende "ação forte e articulada" para mudar a Constituição. Chegando ao governo, deixa claro que não vai jurar defender a atual Constituição, mas reescrevê-la como se montasse uma Constituinte privê.
* "É necessário em primeiro lugar acabar com as vinculações constitucionais estabelecidas, como no caso dos gastos com saúde e com educação, em razão do receio de que o Executivo pudesse contingenciar, ou mesmo cortar esses gastos em caso de necessidade, porque no Brasil o orçamento não é impositivo e o Poder Executivo pode ou não executar a despesa orçada."
O que isso quer dizer: esse ponto chega a ser tristemente cômico. O PMDB alega ter receio de que o Executivo não cumpra com os gastos obrigatórios em educação e saúde. Por isso, os cérebros do partido preferem acabar logo de vez com a vinculação. Educação e saúde? Não interessa e o resto não tem pressa.
* "Quando a indexação é pelo salário mínimo, como é o caso dos benefícios sociais, a distorção se torna mais grave, pois assegura a eles um aumento real, com prejuízo para todos os demais itens do orçamento público, que terão necessariamente que ceder espaço para este aumento. Com o fim dos reajustes automáticos o Parlamento arbitrará, em nome da sociedade, os diversos reajustes conforme as condições gerais da economia e das finanças públicas. Em contrapartida a este novo regime, novas legislações procurarão exterminar de vez os resíduos de indexação de contratos no mundo privado e no setor financeiro".
O que isso quer dizer: o PMDB avisa que achatará o salário mínimo e os benefícios. Obviamente, preços e tarifas de serviços subirão de acordo com o mercado. Isso é um cruel programa de transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos. Quanto a salários de deputados, senadores, vereadores, juízes, promotores etc, claro que não terão limites. Como se sabe, são arbitrados pelos respectivos Legislativos, como tem sido, e sempre com a ajuda decisiva dos votos do... PMDB. Tem outra curiosidade aí: quando propõe desindexar salários e benefícios, o PMDB fala em "necessidade". E quando cita a indexação de contratos privados e do setor financeiros, coloca lá um "procurarão exterminar". Pode apostar que apenas os salários e benefícios sofrerão cortes. O PMDB não tem colhões para mexer em contratos privados e no setor financeiro.
* "Finalmente, vamos propor a criação de uma instituição que articule e integre o Poder Executivo e o Legislativo, uma espécie de Autoridade Orçamentária, com competência para avaliar os programas públicos, acompanhar e analisar as variáveis que afetam as receitas e despesas, bem como acompanhar a ordem constitucional que determina o equilíbrio fiscal como princípio da administração pública".
O que isso quer dizer: nesse item, o bicho pega. O PMDB ameaça, simplesmente, criar um quarto poder institucional. Uma estranha instituição chamada uma "espécie" de "Autoridade Orçamentária", que terá poderes que vão muito além do orçamento. Que "espécie" é essa! Trata-se de uma anomalia que terá poderes para avaliar programas públicos, analisar despesas e até acompanhar a ordem constitucional (o que até aqui é atribuição do STF). Certamente terá poder de veto, do contrário não faria sentido ter tal Quarto Poder. Pergunta-se: essa Autoridade será eleita? Será nomeada? Será uma pessoa sorteada na megassena? Bom ver isso porque a Sua Excelência Autoridade Orçamentária terá poderes que poderão ser maiores que os do presidente eleito, dos ministros do Supremo e até do Congresso. Será uma "espécie" de agência regulatória neoliberal capaz de enquadrar o Executivo, o Legislativo e o Judiciário?Pode apostar que o Eduardo Cunha vai querer esse cargo.
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quinta-feira, 14 de abril de 2016
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