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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Arrastão da direita cerca Chico Buarque...

No vídeo, Chico Buarque é cercado pelo grupo. "Você é um meurrrrda", diz um deles, caprichando no erre dos coxinhas.
por Flávio Sépia
Chegou a vez de Chico Buarque. Autoridades já foram agredidas em restaurantes e hospitais, passageiro de avião já foi esculachado pelo crime de estar lendo a revista Carta Capital, vizinho já deu parte em delegacia por ter sido ameaçado por um sujeito que batia panela, um rapaz com um filho no colo foi empurrado e jogado contra uma parede por estar usando camisa vermelha. Claro que Chico Buarque não escaparia da brigada direitista. O vídeo diz tudo. Rapazes de olhar rútilo, como diria Nelson Rodrigues, partem para cima do compositor, que caminhava em uma rua do Leblon, interpelando-o como se fossem a guarda islâmica à caça de um infiel.
Foi uma espécie de arrastão ideológico dos bem-nascidos.
Um deles se identifica, quando Chico lhe pergunta o nome: é Tulio Dek. Seria um rapper (sites de celebridades dizem que é ex-namorado de Cleo Pires e sobrinho do cantor Orlando Moraes. Dek seria, também, sócio do Barzim; os outros donos da boate, em Ipanema, seriam o global Bruno de Luca, o piloto Cacá Bueno, filho de Galvão Bueno, o músico Di Ferrero, da banda NXZero e o empresário Igor Sebba). No vídeo aparece uma figura que, segundo O Globo, seria filho do empresário e dublê de apresentador Álvaro Garnero que, por sua vez, é filho de Mário Garnero que, na ditadura, foi da Comissão Nacional de Energia,  presidiu o projeto Rondon a convite do governo militar e foi, também, dono do Brasilinvest, banco de investimentos liquidado extrajudicialmente pelo Banco Central em 1985.
Na roda que tentava intimidar Chico Burque havia um outro, mais agressivo, que falou que Chico era um meurrrrda, "você é um meurrrrda", disse, caprichando no erre dos coxinhas.
Melhor, ou pior, ver o vídeo, do site Glamurama, que diz muitos sobre esses tempos: clique AQUI

segunda-feira, 15 de junho de 2015

"Não Rio mais, agora eu choro": Este é o título-desabafo de um artigo de Roberto Muggiati, ex-diretor da Manchete, publicado no Globo de hoje, sobre um tempo em que "arrastão" era apenas um tipo de pesca ou meia feminina...

por Roberto Muggiati (para O Globo) 
Comemoro este mês 50 anos de Rio de Janeiro. Comemoro não é bem a palavra. Rememoro, com um travo de remorso. Cheguei aqui no dia do centenário da Batalha do Riachuelo, que a iniciante ditadura militar fazia questão de festejar, foi até feriado. Eu vinha de três anos no Serviço Brasileiro da BBC e fui logo trabalhar na revista "Manchete". Morava no Leblon, pegava toda manhã o 433 (Barão de Drummond-Leblon) até a redação da Frei Caneca. Ao longo do caminho — Ipanema, Copacabana, Flamengo — o ônibus ia recolhendo colegas jornalistas e publicitários. Ninguém tinha carro, só os Bloch e o Justino Martins, diretor da “Manchete”, dono de um Karmann-Ghia estiloso em que só cabia um carona apertado. Éramos pobres, mas jovens e felizes. Eu morava na General Artigas, ao lado da padaria Rio-Lisboa. O Leblon, uma pequena aldeia, tinha um comércio suburbano — armarinhos, lavanderias, ferragens, barbeiros e manicures, estofadores, farmácias, botequins. Nada de shopping ou butique e a Dias Ferreira — com um La Mole inofensivo — ainda não se tornara o polo gastrointestinal do Rio de Janeiro. Havia boa comida no Real Astória, na Pizzaria Guanabara e nos novos bares-cabeça, o Alvaro’s e o Degrau. Na vizinha Ipanema faziam sucesso o Zeppelin e o Jangadeiro. O Helsingor — dinamarquês especializado em smorgasbord — e o pub inglês Lord Jim, com cottage pie e cerveja bitter, foram uma sensação nos anos 70.
Ia-se à praia impunemente, colhia-se tatuí para comer frito com caipirinha. À meia-noite do réveillon, alguns gatos pingados iam tranquilamente à orla de roupa branca celebrar Iemanjá. Arrastão era um tipo de pesca, canção de festival ou meia feminina. Todo esse mundo ruiu estrepitosamente algumas décadas atrás no “verão do arrastão”. Aconteceu de repente, num rutilante domingo de sol, céu azul e quarenta graus à sombra, com hordas de assaltantes ferindo impiedosamente velhos, crianças e grávidas.
A partir daí, a violência só fez crescer na cidade. Frequentador do Theatro Municipal, joia arquitetônica e templo da música, hoje vejo os elegantes cultores das sinfônicas europeias e dos solos de piano de Lang Lang e Keith Jarrett, saírem correndo antes do bis e disputarem a tapa o táxi que os leve ao teto salvador. Pouco tempo atrás, até que era chique ir ao Municipal de metrô. Os recentes arrastões noturnos em estações da Zona Sul, com os passageiros à completa mercê dos bandidos, desfizeram esse sonho de primeiro mundo.
Dois episódios recentes nos chocaram em particular. O da jovem Natália, de 27 anos, que em 15 dias teve um celular roubado, foi agredida por homofóbicos que, por seus cabelos curtos, a confundiram com um homossexual (quatro pontos na testa); e foi esfaqueada na mão e na barriga por um menino de 8 anos, apoiado por comparsas de 12 e 16. Natália vai deixar o Brasil para sempre.
O nadir nesta crônica da violência carioca foi a morte do cardiologista Jaime Gold na Lagoa. Os menores acusados do crime hediondo (as facadas cruéis, rascantes, evisceraram a vítima) fazem parte do “Coreto 155 do Jacarezinho”, um grupo de 20 jovens que se gaba nas redes sociais de “aterrorizar a Zona Sul.” Eles chegaram a postar no Facebook o logotipo do seu “bonde” exterminador: a foto de uma faca sobre um selim de bicicleta. Nem Goebbels seria tão criativo...
Já ouço pessoas pensando em se vingar à moda do Charles Bronson de “Desejo de matar”: você se faz de isca e, quando o pivete aparece, faca em punho, você estoura os miolos dele com um 38 ou um 45. Um gesto de desespero diante da completa ausência de proteção nas ruas desta cidade, outrora maravilhosa.
Alguma coisa tem de ser feita. Não sei o quê. Mas tem que cortar fundo — como uma faca afiada — o tecido social. Ou então, num gesto meramente simbólico, vamos fazer um apelo final ao Redentor, que a tudo assiste de braços abertos, impotente, lá do alto. E salve-se quem puder...
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