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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Vandré, a eterna polêmica

Volta de Geraldo Vandré ao Brasil 
foi encenada, diz biografia; cantor nega
Tiago Dias
Do UOL, em São Paulo 02/12/201510h41

 "Você é jornalista?", pergunta Geraldo Vandré à reportagem do UOL. "Então não vai ser difícil você compreender. A biografia é propriedade do artista, faz parte da comercialização da sua arte. Essas pessoas estão se apropriando indevidamente de direitos da personalidade".

Foi assim que Vandré se manifestou a respeito de "Geraldo Vandré - Uma Canção Interrompida" (Ed. Kuarup), do jornalista Vitor Nuzzi. O livro será lançado na próxima semana como uma das primeiras biografias não autorizadas a ganhar as prateleiras após a decisão unânime do STF (Supremo Tribunal Federal) que derrubou a necessidade de autorização prévia do biografado.
Louco, revolucionário, traidor. A vida de Vandré sempre foi cercada por nebulosas definições. Autor da canção mais emblemática do período da ditadura militar, "Caminhando (Pra Não Dizer que Não Falei das Flores)", o compositor de 80 anos, completados em setembro, não tem vontade de esclarecer sua história.

Ao pedido de Nuzzi para que participasse do livro, Vandré foi categórico: "Não tenho o menor interesse no que você está fazendo". Já para o UOL, com a voz calma e pausada, descredenciou, como tem feito ao longo dos anos, as histórias que contam sobre ele: "É coisa rasa, está tudo errado. Dados errados, completamente".

A pesquisa de fôlego tenta decifrar a esfinge: um artista recluso, do qual apenas o corpo voltou do exílio. Em suas raras aparições, ele evita falar dos acontecimentos e faz questão de demonstrar uma boa relação com os militares, exibindo boné da força aérea e dedicando um poema às forças armadas. O mistério em torno do paraibano é resquício do truculento regime militar nos anos 1960 e 1970.


São raros os registros de Vandré em vídeo e áudio daquela época. Não há imagens de sua consagração no Festival Internacional da Canção de 1968, quando apresentou "Caminhando", nem o registro da sua controversa volta ao Brasil em 1973, após cinco anos de um auto exílio.

Nuzzi vê indícios de que o regime quis apagar a imagem de Vandré da memória nacional. "Por algum período, Vandré foi proscrito mesmo. Ele virou, para alguns, o inimigo público número um por causa de uma canção", observa o biógrafo, em conversa com o UOL.

Prova disso foi uma suposta reportagem exibida no "Jornal Nacional", da TV Globo, no dia 18 de agosto de 1973. "O cantor e compositor Geraldo Vandré acaba de voltar ao Brasil", dizia a narração. A descrição que consta no livro conta que, cercado de homens engravatados e uma claque com faixas que o saudavam, um cabisbaixo Vandré dizia que suas canções não eram denunciativas, que ele não fazia parte de nenhum partido político e que, por fim, estava "arrependido" pela reação que sua canção despertou no crepúsculo do AI-5, se tornando um hino contra a ditadura.

Teria sido uma encenação: Vandré já estava no Brasil havia um mês. "Ele ficou esse período prestando depoimento, ao mesmo tempo em que circularam recadinhos nas redações orientando para não falar do músico. A 'Veja' e o 'Jornal do Brasil' furaram esse bloqueio e publicaram uma notinha. Graças a isso, sabemos que ele voltou antes", relata Nuzzi.

Sobre o episódio, Vandré é curto e grosso: "Não dei uma entrevista no aeroporto. Cheguei e fui direto para casa".

O livro, no entanto, reforça a tese de que a entrevista forjada teria sido uma condição para a volta de Vandré. Em depoimento ao livro, o cinegrafista Evilásio Carneiro, que teria registrado as imagens, afirma que não havia outros repórteres cobrindo a chegada, apenas Edgard Manoel Erichsen, funcionário da TV Globo e elo da emissora com os militares. Somente as mãos do repórter apareciam no vídeo.

Por um problema na revelação do filme, o "arrependimento" de Vandré também não foi ao ar. Os generais desconfiaram de que o cinegrafista queria sabotar o pedido de desculpas. "Pode até ser que o Vandré não tenha dito nada que não queria realmente dizer. De qualquer forma, ele foi orientado por policiais a falar sobre os assuntos. É uma pena não termos essas imagens, nem texto, áudio, nada. Pedi para a Globo, mas eles dizem que não têm".
O UOL entrou em contato com a TV Globo a respeito da entrevista, mas a emissora não retornou.

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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Biografia de Geraldo Vandré, escrita pelo jornalista Vitor Nuzzi, será lançada em São Paulo. No dia 2 de dezembro, na Biblioteca Mário de Andrade; e no dia 11 de dezembro, na Livraria da Vila, na Vila Madalena

Após uma pesquisa minuciosa e dezenas de entrevistas, o jornalista Vitor Nuzzi concluiu a primeira biografia de Geraldo Vandré. Inicialmente, bancou uma edição, de circulação restrita. Agora, depois de consagrado o fim da censura prévia às biografias, chega a edição para o grande público. "Geraldo Vandré, uma canção interrompida" (Kuarup) será relançado em São Paulo: no próximo dia 2, na Biblioteca Mário de Andrade, e no dia 11, na Livraria da Vila, na Vila Madalena.

domingo, 14 de junho de 2015

Em biografia não-autorizada ("Geraldo Vandré, Uma Canção Interrompida"), o jornalista Vitor Nuzzi desvenda um enigma: o "desaparecimento artístico" do autor de "Disparada" e "Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores"



por José Esmeraldo Gonçalves
Há cerca de duas semanas, o jornalista Vitor Nuzzi lançou o livro "Geraldo Vandré, uma Canção Interrompida". Foi a última biografia não-autorizada publicada antes da histórica votação no STF que removeu do Código Civil, na semana passada, um entulho autoritário embutido por obscurantistas na Constituição de 1988. Tratava-se do artigo que dava aos biografados o direito de impedir a publicação de biografias que não fossem do tipo "chapa branca". A intimidação não chegou a tanto, mas a lei lhes conferia até pôr a polícia (sim, a polícia, já que desafiá-la era crime) atrás de escritores e editores caso ousassem publicar histórias de personalidades sem a prévia aprovação do biografado ou de suas famílias. Não foram poucos os autores levados ao tribunal. Agora, o STF considerou inconstitucional o tal artigo, que até Goebbels gostaria de ter assinado enquanto se aquecia ao lado de uma fogueira de livros na Berlim dos anos 1930.
Mas o tribunal demorou tanto a julgar o caso que Vitor Nuzzi não pode esperar. Desde 2007, o jornalista entrevistou dezenas de pessoas, foi às raízes de Vandré na Paraíba, pesquisou documentos, checou versões, confrontou fatos e acabou jogando uma luz  nas zonas de sombra da trajetória do autor de "Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores", a "Marselhesa"  brasileira, como alguém já disse ou, quem sabe, a nossa "Grândola, Vila Morena", a canção-senha da Revolução dos Cravos, caso os meninos brasileiros que se sacrificaram na luta contra a ditadura emplacassem a utopia revolucionária nos duros anos 70.
Com o livro pronto, Vitor procurou as editoras. Recebeu, contados, oito "nãos". Ninguém quis arriscar uma visita aos tribunais de onde era alta a chance de sair, no mínimo, com indenizações milionárias a quitar. O jornalista não admitia ver oito anos de trabalho em vão e resolveu bancar do próprio bolso o custo da edição. Mandou rodar apenas 100 exemplares. E não colocou a obra à venda. Distribuiu o livro a 100 amigos. Fui um desses privilegiados. Vitor construiu sua carreira profissional em São Paulo, com uma etapa em Brasília. Por volta de 2004, trabalhou como editor em uma redação carioca, onde o conheci. Além da competência, mostrou características admiráveis: era rigoroso na checagem das informações, jamais perdia a paciência e mantinha a calma nos fechamentos, por mais turbulentos que fossem. Acredito que essas qualidades o ajudaram na tarefa de esquadrinhar em 370 páginas a vida - e a vida em torno - de Geraldo Vandré.
Uma das razões que o levaram ao tema está relatada no texto de apresentação: "Fico admirado de saber que, passados 47 anos do desaparecimento artístico de Geraldo Vandré, há jovens curiosos, querendo saber mais sobre as histórias que envolvem seu nome.Ainda mais em tempos em que grande parte mal acompanha a obra dos contemporâneos de Vandré. Casos de Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso, que - de forma menos ou mais escassa - se mantém na mídia, lançam discos (ou livros), dão entrevistas, fazem shows. Vandré, não. Excluídos um recital de uma pianista em São Paulo e apresentações no Paraguai nos anos 1980, ele sumiu completamente do mundo artístico, ou pelo menos da indústria cultural de massa. Mesmo assim, segue despertando interesse - no mínimo, curiosidade". 
Não apenas quem não viveu a época tem curiosidade - ou perguntas sem respostas - sobre episódios  marcantes da vida de Vandré. Vitor junta peças que ajudam a explicar o enigma. Os festivais, a noite em que o Maracanazinho entoou "caminhando e cantando" e vaiou "Sabiá"; a fuga; o exílio; a volta ao Brasil encenada para a TV; o homem, o mito, as lendas. O livro, contudo, é muito mais do que isso. Vitor mostra a importância de Vandré, mesmo "desaparecido" para a música brasileira, ao concluir que, ao universo criativo do autor de "Disparada", somava-se o trabalho admirável do artista paraibano como pesquisador da cultura popular.
"Geraldo Vandré, Uma Canção Interrompida" merece muito mais do que 100 exemplares. Prefiro acreditar que, após a decisão do STF, as editoras, com "as visões se clareando", como cantou Vandré, vão agarrar a chance de levar este livro a muitas centenas de leitores.

Pra não dizer que não falei da Manchete...

Para Manchete e Fatos & Fotos, os festivais da canção, com apelo popular, eram alavancas de venda de revistas. Uma numerosa equipe, onde se destacavam os jornalistas João Luíz Albuquerque e Tarlis Batista, era deslocada para cobrir aqueles eventos, que chegaram a merecer edições especiais recordistas em circulação. O livro "Geraldo Vandré, Uma Canção Interrompida" reúne dezenas de ilustrações e depoimentos. Um deles, do jornalista Eli Halfoun, então no jornal Última Hora (depois, foi diretor da revista Amiga, outra publicação da Bloch). Eli fazia parte do júri do Festival da Canção de 1968 que apontou a canção "Sabiá" como vencedora. O público queria "Pra Não dizer que Não Falei das Flores" e, por isso, vaiou a composição de Tom Jobim e Chico Buarque. Justino Martins, então diretor da Manchete, também estava no júri, seguindo relata o livro.
São citados ainda Murilo Mello Filho, da Manchete, sobre a reação dos militares à canção de Vandré; uma crônica de Fernando Sabino publicada na revista sobre o desfecho daquele Festival; o livro "Dupla Exposição: Stanislaw Sérgio Ponte Porto Preta", de Renato Sérgio, ex-redator da Manchete, Fatos & Fotos e EleEla; e uma matéria da revista Jóia (da Bloch), sobre Vandré, da repórter Zélia Prado.
O arquivo da Bloch, pelo que se sabe, hoje desaparecido, reunia milhares de fotos daquelas coberturas. O livro mostra apenas três dessas imagens (duas delas vistas aqui).
E no formato que foi possível: reproduzidas de revistas antigas já que os originais das fotos provavelmente se perderam.
Ainda bem que pesquisadores, como o autor da biografia não-autorizada de Geraldo Vandré, são incansáveis na tarefa de recuperar memórias perdidas. Missão que, agora, com o fim da abominável censura prévia, poderá ser cumprida sem ameaças e intimidações.