foi encenada, diz biografia; cantor nega
Tiago Dias
Do UOL, em São Paulo 02/12/201510h41
"Você é jornalista?", pergunta Geraldo Vandré à reportagem do UOL. "Então não vai ser difícil você compreender. A biografia é propriedade do artista, faz parte da comercialização da sua arte. Essas pessoas estão se apropriando indevidamente de direitos da personalidade".
Foi assim que Vandré se manifestou a respeito de "Geraldo Vandré - Uma Canção Interrompida" (Ed. Kuarup), do jornalista Vitor Nuzzi. O livro será lançado na próxima semana como uma das primeiras biografias não autorizadas a ganhar as prateleiras após a decisão unânime do STF (Supremo Tribunal Federal) que derrubou a necessidade de autorização prévia do biografado.
Louco, revolucionário, traidor. A vida de Vandré sempre foi cercada por nebulosas definições. Autor da canção mais emblemática do período da ditadura militar, "Caminhando (Pra Não Dizer que Não Falei das Flores)", o compositor de 80 anos, completados em setembro, não tem vontade de esclarecer sua história.
Ao pedido de Nuzzi para que participasse do livro, Vandré foi categórico: "Não tenho o menor interesse no que você está fazendo". Já para o UOL, com a voz calma e pausada, descredenciou, como tem feito ao longo dos anos, as histórias que contam sobre ele: "É coisa rasa, está tudo errado. Dados errados, completamente".
A pesquisa de fôlego tenta decifrar a esfinge: um artista recluso, do qual apenas o corpo voltou do exílio. Em suas raras aparições, ele evita falar dos acontecimentos e faz questão de demonstrar uma boa relação com os militares, exibindo boné da força aérea e dedicando um poema às forças armadas. O mistério em torno do paraibano é resquício do truculento regime militar nos anos 1960 e 1970.
São raros os registros de Vandré em vídeo e áudio daquela época. Não há imagens de sua consagração no Festival Internacional da Canção de 1968, quando apresentou "Caminhando", nem o registro da sua controversa volta ao Brasil em 1973, após cinco anos de um auto exílio.
Nuzzi vê indícios de que o regime quis apagar a imagem de Vandré da memória nacional. "Por algum período, Vandré foi proscrito mesmo. Ele virou, para alguns, o inimigo público número um por causa de uma canção", observa o biógrafo, em conversa com o UOL.
Prova disso foi uma suposta reportagem exibida no "Jornal Nacional", da TV Globo, no dia 18 de agosto de 1973. "O cantor e compositor Geraldo Vandré acaba de voltar ao Brasil", dizia a narração. A descrição que consta no livro conta que, cercado de homens engravatados e uma claque com faixas que o saudavam, um cabisbaixo Vandré dizia que suas canções não eram denunciativas, que ele não fazia parte de nenhum partido político e que, por fim, estava "arrependido" pela reação que sua canção despertou no crepúsculo do AI-5, se tornando um hino contra a ditadura.
Teria sido uma encenação: Vandré já estava no Brasil havia um mês. "Ele ficou esse período prestando depoimento, ao mesmo tempo em que circularam recadinhos nas redações orientando para não falar do músico. A 'Veja' e o 'Jornal do Brasil' furaram esse bloqueio e publicaram uma notinha. Graças a isso, sabemos que ele voltou antes", relata Nuzzi.
Sobre o episódio, Vandré é curto e grosso: "Não dei uma entrevista no aeroporto. Cheguei e fui direto para casa".
O livro, no entanto, reforça a tese de que a entrevista forjada teria sido uma condição para a volta de Vandré. Em depoimento ao livro, o cinegrafista Evilásio Carneiro, que teria registrado as imagens, afirma que não havia outros repórteres cobrindo a chegada, apenas Edgard Manoel Erichsen, funcionário da TV Globo e elo da emissora com os militares. Somente as mãos do repórter apareciam no vídeo.
Por um problema na revelação do filme, o "arrependimento" de Vandré também não foi ao ar. Os generais desconfiaram de que o cinegrafista queria sabotar o pedido de desculpas. "Pode até ser que o Vandré não tenha dito nada que não queria realmente dizer. De qualquer forma, ele foi orientado por policiais a falar sobre os assuntos. É uma pena não termos essas imagens, nem texto, áudio, nada. Pedi para a Globo, mas eles dizem que não têm".
O UOL entrou em contato com a TV Globo a respeito da entrevista, mas a emissora não retornou.
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