por José Esmeraldo Gonçalves
Em geral, previsões costumam não dar certo. Antecipar mudanças geopolíticas ou urbanísticas, então, leva os futurólogos a um campo ainda mais traiçoeiro. Talvez o primeiro futurólogo - ou, pelo menos, quem popularizou o termo - tenha sido o americano Herman Kahn, do Instituto Hudson. Kahn, que pesava 150kg e tinha Q.I maior do que isso (cravado em 200, dizia-se). O gordo era ligado à CIA, daí, suas "previsões" eram consideradas suspeitas. Foi dele, em meados dos anos 1960, a ideia - que virou até projeto - de que a Amazônia seria inundada por cinco grandes lagos que criariam uma vasta via de transporte unindo o Peru e a Venezuela ao Atlântico. De qualquer forma, imaginar o mundo na reta final do século 20 estava na moda. Ainda no clima de comemoração do Quarto Centenário da cidade, a Manchete pediu ao Sérgio Bernardes, em abril de 1965, que idealizasse o Rio do futuro. O arquiteto produziu uma série de ilustrações e detalhou vários projetos urbanísticos que, na sua visão, recriariam a cidade para as próximas gerações. A revista recebeu tanto material que reservou nada menos do que 44 páginas para a viagem de Bernardes na máquina do tempo. Justino Martins, diretor
da revista, escreveu na apresentação da edição: "O leitor será tentado a duvidar das possibilidades de realizar-se o projeto de Sérgio. Mas ele próprio adverte, num pequeno preâmbulo: 'Utopia não é saber se este plano será realizado amanhã ou daqui a um século. Realismo é constatar que ele pode ser feito'".
Sérgio Bernardes imaginou o Rio libertando-se da "asfixia do mar e da montanha" e queria aperfeiçoar a convivência do homem com o seu ambiente. "O plano que apresento é uma contribuição desinteressada ao meu Estado e, sobretudo, ao seu povo", escreveu na abertura do texto. Aproveitamento das encostas como vias expressas, transportes elevados cruzando os leitos das estradas de ferro, uma ponte-pier que uniria o Rio a Niterói, com seu pilares funcionando também como cais de atracação de navios, e uma segunda ponte, esta chamada de Turística, que teria nove hotéis instalados nos imensos pilares do percurso de cinco quilômetros, um túnel Av.Presidente Vargas-Niterói, Bairros Verticais que abrigariam torres de 200 metros, como essas que Dubai ergue hoje, estavam entre as visões do arquiteto.
O Concorde ainda não estava voando, mas Bernardes já antevia que o Rio precisaria de um Aeroporto Supersônico e apontou Santa Cruz como local ideal para o projeto. "Para que a densidade e as dimensões colossais não reduzam o homem a uma parcela do coletivo, serão também multiplicados os pequenos lugares de contatos culturais (cinemas, teatros, galerias de arte, auditórios", imaginou. Haveria também um palácio das Sete Artes, com anfiteatro para 5 mil pessoas. Para o arquiteto, o centro de equilíbrio da cidade era Jacarepaguá. Lá seria construído o edifício dos Três Poderes. Se o Rio nem sonhava em sediar uma Olimpíada, nem por isso Sérgio Bernardes deixou de projetar Centros Esportivos.
Ele atendeu ao convite da Manchete com tal entusiasmo, que mobilizou seu escritório para produzir ilustrações e envolveu instituições e especialistas. Algumas propostas são tão detalhadas, como se pode ver nas ilustrações abaixo, que dão a impressão de que não foram feitas para o leitor, apenas, mas para serem entregues a mestres-de-obra.
Parodiando Paulinho da Viola, foi um Rio que passou na vida do arquiteto e seu coração se deixou levar.
Ele criou, assim, a cidade que não saiu do papel.
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sábado, 29 de agosto de 2015
Há 50 anos, o arquiteto Sérgio Bernardes criou, com exclusividade para a Manchete, o Rio que não saiu do papel...
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