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sábado, 28 de maio de 2016

Copa América Centenário: Dunga sob cerco, Kaká como o Sobrenatural de Almeida e o que a mídia esportiva tem a ver com tudo isso...

Dunga durante treino no StubHub Center, na Califórnia. Foto de Rafael Ribeiro/CBF


por José Esmeraldo Gonçalves

O relacionamento de Dunga com a mídia esportiva, ou boa parte dela, jamais foi sereno. A isenção dos comentaristas em relação ao gaúcho passou longe, muitas vezes, do que deveria e o temperamento do ex-jogador o colocou em permanente defensiva, sempre pronto para comprar brigas.

Na Copa de 1990, quando o técnico da seleção era Sebastião Lazaroni e o Brasil não passou da primeira fase, Dunga, embora não fosse um protagonista, foi apontado pela mídia como o símbolo injustamente individualizado de uma era, a Era Dunga, de futebol opaco e defensivo. Aquela seleção foi um desastre - hoje até relativizado já que, apesar de tudo, não sofreu um mega vexame do tipo 7 X 1 - e tinha nomes dos quais se esperava muito mais como Bebeto, Careca, Ricardo Rocha, Alemão, Renato Gaúcho, Romário, Branco, Mauro Galvão etc. 

Mas sobrou para Dunga, talvez pelo seu jeito reservado a avesso a tapinhas nas costas. Em 1994, ele e vários dos passageiros do trem desgovernado de 1990 ganharam a Copa. Não sem críticas: para muitos, foi um mundial de futebol de resultados, sem brilho. Talvez, mas quem não viu luz nos gols de Romário e Bebeto, nas defesas de Tafarel, nos foguetes de Branco e no empenho e garra de Dunga?  No material da cobertura dos jornais e da revista Manchete, havia muitas fotos do volante sorrindo, mãos na taça, mas a mais publicada, na época, o mostrava raivoso, marrento, de punho fechado. Dunga lavou a alma e foi escalado na seleção da Fifa em 1994 (em 1998, também, quando foi vice após a convulsão de Ronaldo, vetado e em seguida espantosamente chamado por Zagalo já nas sombras do vestiário, enquanto o som do estádio anunciava Edmundo como titular na final contra a França, mas essa é outra história).    

Curiosamente, foi a imagem de garra e força de vontade na Copa de 1994 que levou Dunga a ser o técnico da seleção após outro desastre, o de Parreira, na Copa de 2006, com um time considerado forte e que era tido como favorito em função da constelação de craques. Mas aquela seleção foi ineficiente em campo, embora extremamente animada fora das quatro linhas. Liberalidade, compromissos com patrocinadores e com veículos, um certo excesso de folgas, a noite europeia e as louras alemãs livres e maiores de idade, tudo isso foi apontado com fator de perda de foco. Nesse ponto, os jogadores foram poupados pela mídia brasileira e coube às agências internacionais revelar, por exemplo, um flagrante de balada na Suíça, durante a fase de treinos, pouco antes da Copa. As fotos foram publicadas no Brasil, obviamente, mas como material adquirido da mídia europeia, embora as saídas noturnas de alguns atletas fossem conhecidas por quem cobria a seleção. Inegavelmente, a mídia demonstrava manter boas relações com Parreira e evitava levantar a bola da crítica. Claro que se o jogadores tivessem resolvido a parada em campo tudo acabaria bem e em um caminhão de bombeiro nas ruas do Brasil. Só que não deu ou melhor, tudo isso aí somado, deu no que deu. Depois, a CBF reconheceu que faltou o rigor que deveria haver na agenda de uma Copa do Mundo. Mas essas críticas do front alemão só ganharam divulgação depois que a França mandou o Brasil de volta para casa direto de Frankfurt.   

Após a nova frustração, a CBF surpreende ao chamar Dunga para botar ordem na casa. O treinador classifica a seleção, ganha a Copa América e a das Confederações, mas falha na hora dos vamos-ver. E na Copa da África do Sul, o Brasil, como na Alemanha, não passa das quartas de final. Não foi tranquila a Segunda Era Dunga. Ele foi marcado sob pressão pela mídia. Barrou investidas de apresentadores poderosos que queriam ter o acesso livre, como haviam tido na Alemanha, acirrou adversários, discutiu com repórter e proibiu entrevistas. Sob qualquer pretexto - até a camisa berrante ou o agasalho fashion do treinador - tudo virava crise, um clima péssimo para um time que disputava uma Copa. De novo, tudo isso junto, não apenas o time, não apenas o clima, carimbou a passagem de volta para o Brasil. 

Veio a Copa do 7X1, em casa, um novo desastre, dessa vez de proporções apocalípticas. Antes da Copa, Mano Menezes foi tragado e, durante, Felipão foi triturado. Ambos tiveram boas relações com a mídia. E o acesso à Granja Comari voltou a ser risonho e franco para patrocinadores, assessores de jogadores, amigos famosos e nem tanto etc. O Brasil chega às semifinais, mas melhor seria ter sido desclassificado antes, quando ainda restava alguma dignidade. 

Com a seleção de moral na grama, a CBF surpreende ao chamar Dunga para conduzir o Brasil à Copa do Mundo da Rússia. Dessa vez, até aqui, pode-se afirmar que a mídia está deixando o treinador em paz. Se critica seu esquema de jogo, a falta disso ou suas escalações e convocações - o que deveria ter sido desde sempre o foco das críticas - parou de encher o saco por querer que o gaúcho seja o máximo da etiqueta, um anfitrião, se derrame em gentilezas, faça sala na concentração e lhe conceda privilégios.   

Se ele vai chegar a Moscou? Muito difícil. Já não vai bem nas Eliminatórias. 

Se será o treinador do time nas Olimpíadas? Talvez. Mas para disputar a Rio 2016 ficaria mais confortável se ganhasse a Copa América Centenário, nos Estados Unidos. 

Com Kaká vai ser difícil. 

Dunga já convocou o jogador, mas o utilizou por poucos minutos. Não faz sentido. Só vejo uma "explicação" surreal: Kaká está morando nos Estados Unidos, jogando em uma daquelas ligas de aposentados e a Comissão Técnica deve ter preferido economizar nas passagens aéreas.  

O Sobrenatural do Almeida, a quem Nelson Rodrigues recorria para explicar o inexplicável, anuncia turbulências nos voos da seleção.