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quarta-feira, 7 de março de 2018

A linotipo reverenciada (muito antes de Spielberg)

Leda, Lígia Maria, Carmen, Esmeraldo e Reginaldo, turma da ECO/UFRJ, no Correio da Manhã, em 1970.
A linotipo era atração. 


O Correio registrou a visita. 

por José Esmeraldo Gonçalves

No filme The Post, o diretor Steven Spielberg vai buscar a linotipo no remoto passado gráfico e a apresenta às novas gerações de jornalistas.

Roberto Muggiati, ex-diretor da Manchete, já escreveu neste blog sobre as Mergenthaler que derretiam chumbo para compor linhas de texto nas redações. Isso até os anos 1970. Arnaldo Bloch, no Globo, também destacou do filme a "participação" da linotipo, "aquela máquina complicadíssima", que apropriadamente escreveu a quente uma das páginas mais tórridas do jornalismo: a cobertura do Caso Watergate, que custou a cabeça de Nixon.

A máquina histórica criada em 1886 revolucionou a imprensa, mas era mesmo muito estranha. Não ganharia qualquer prêmio de designer. No visual, era um misto de monumento à Revolução Industrial e monstro pré-histórico. Se Ottman Mergenthale não a tivesse inventado, o Professor Pardal o faria.

Pra início de conversa, quando o linotipista acionava um teclado semelhante ao de uma máquina de escrever, a geringonça  barulhenta deslocava magazines ou matrizes de metal com as letras ou caracteres correspondentes. E, ao mesmo tempo, ligava uma caldeira que derretia barras de chumbo. O material fervente escorria por canaletas até preencher as formas enfileiradas e compor linhas inteiras de textos preparadas para montagem e, em seguida, impressão.

Em 1970, eu era aluno da Escola de Comunicação da UFRJ, a ECO, então instalada na Rua Visconde de Rio Branco, esquina com Praça da República, no Centro do Rio. O velho prédio permanece em pé, ainda, mas quase em ruínas. Ali perto, na Rua Gomes Freire, funcionava o Correio da Manhã. O nosso grupo de estudos - Leda, Lígia Maria, Carmem, eu e Reginaldo - foi encarregado de fazer uma pesquisa sobre processos de composição e impressão e o Correio foi a primeira redação que visitamos. Entre outras etapas, acompanhamos uma linotipo em ação. Esquisita mas engenhosa, a máquina gerava um calor intenso e espalhava vapores de chumbo ao redor. Os linotipistas tomavam regularmente copos de leite para combater a intoxicação. Talvez por falta de notícia, o jornal registrou nosso encontro com a linotipo em foto e texto no qual virei "Esmeraldino". Vá lá, melhor do que ser Mergenthaler.

Os alunos da ECO visitavam com tanta frequência o vizinho Correio da Manhã, que criaram um projeto de um suplemento cultural em tabloide a ser produzido na escola e encartado em edições do jornal. O Correio avaliou o número zero e topou a parceria. A iniciativa era dos alunos, sem a participação da direção da ECO, mas usaria o nome da escola. O suplemento acabou vetado. A justificativa que não foi dita e apenas segredada nos corredores apontava para o risco de um conteúdo que poderia desagradar o regime militar. Podemos dizer que fomos censurados apenas pelo "poderia".

No ano seguinte, concluído o que então chamavam de período Básico, optei pela especialização em Publicidade e Relações Públicas que parecia oferecer um melhor mercado de trabalho. De fato, logo após a formatura, em agosto de 1973, consegui emprego em uma agência. Um ano e meio depois, o jornalismo foi mais forte e me mudei para a redação da Fatos & Fotos.

A Bloch já havia aposentado as linotipos e adotado a composição eletrônica a frio.

No prédio da Rua do Russell, uma velha linotipo e uma pequena impressora pintadas e restauradas foram durante algum tempo a reverência vintage instalada no hall a mostrar como tudo começou.